"Nos três primeiros séculos de perseguição na Igreja
primitiva, os cristãos não tinham o direito público do domingo e tal celebração
externa não podia ter lugar. Quando Constantino, a partir do século IV,
transforma o Cristianismo em religião do Império, encontramos em diversas
fontes a celebração dos dois dias."
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
No livro "Chi ci aiuta a vivere? Su Dio e l’uomo"
("Quem nos ajuda a viver? Sobre Deus e o homem"), Joseph Ratzinger
escreve que aproximadamente no ano 110 d.C. Inácio, bispo de Antioquia, era
levado de navio da Síria para Roma para ser devorado pelas feras. Durante esta
viagem, com as mãos acorrentadas, escreveu sete cartas às comunidades cristãs
que estavam ao longo do seu itinerário. Em uma destas cartas está a frase: «Nós
não celebramos mais o sábado, mas vivemos observando o dia do Senhor (o
domingo), no qual surgiu também a nossa vida...» (Magn. 9, 1).
Ou seja, os cristãos são formalmente descritos como pessoas
que vivem de acordo com o domingo. A observância do domingo determina o seu
ritmo de vida, caracteriza a sua íntima forma de vida. O domingo é para eles,
por assim dizer, o lugar na trama do tempo onde se chega à própria vida, se
experimenta o que a vida realmente significa.
Esta experiência de vida autêntica continua durante toda a
semana. Permanece, por assim dizer, o tom fundamental que persiste no ruído da
semana e cujo eco nos permite reencontrar sempre a saída, em direção à luz.
Depois de "Domingo, maior do que o Dia do Sábado
Judaico", Pe. Gerson Schmidt* nos propõe a reflexão
"O sábado e o Domingo na visão de Ratzinger":
"Joseph Ratzinger, em seu livro Obras Completas (Volume
XI), que aborda sobre a Teologia da Liturgia – O Fundamento Sacramental da
Existência Cristã, descreve sobre o sábado e o domingo, tema que estamos
aprofundando. Santo Inácio de Antioquia diz que “aquele que da vida nos antigos
ordenamentos chegou à novidade, à esperança, não é mais um homem do sábado, mas
vive segundo o Dia do Senhor". Ratzinger diz que “o ritmo sabático e a
vida segundo o Dia do Senhor se contrapõem, portanto, como dois
estilos de vida fundamentalmente diferentes: de uma parte, o ser colocados
estavelmente sobre determinados trilhos normativos; de outra, o viver com base
no que há de vir, com base na esperança. O teólogo alemão, que se tornou Papa
Bento XVI, faz uma pergunta: Como se desenvolveu concretamente da
observância do sábado para a celebração do domingo?
E responde: “Podemos considerar, por certo, que, já na época
apostólica, o dia da Ressurreição se impôs por si mesmo como dia da Assembleia
Cristã: era o ‘Dia do Senhor’(Apc 1,10), o dia no qual Ele(Jesus) entrava entre
os seus e os seus iam ao seu encontro. Assembleia em torno do Ressuscitado
significa que Ele partia de novo o pão para os seus (cf. Lc 24,30.35). Era um
encontro com o Cristo presente, um encaminhar-se em direção a sua vinda final e
em tudo isso, ao mesmo tempo, estava a presença da Cruz como a sua verdadeira
elevação, como o evento do seu amor que se distribui em dom. O Novo Testamento,
como, também, os escritos mais antigos do século II, confirmam muito
claramente: o Domingo é o dia do culto dos cristãos”. Ratzinger embasa esses
dados em outro teólogo alemão Willy Rordorf, em sua obra “Sabbat e Sonntag
in der Alten Kirche, ou seja, o “Sabbat (judaico) e o Domingo na Igreja Antiga”[1].
O grande teólogo Joseph Ratzinger diz que a Ressurreição
conecta criação e restauração, início e fim e cita o Hino Cristológico de São
Paulo na Carta aos Colossenses. Afirma assim: “Mas o nexo com a temática da
criação, que para o Sábado é essencial, era implícito, mesmo de uma forma
mudada, na data do primeiro Dia da semana, isto é, o dia no qual teve início a
criação: a Ressurreição conecta início e fim, criação e restauração. No grande
hino Cristológico da Epístola aos Colossenses, Cristo vem chamado, seja o
primogênito da criação (cf. Cl 1,15), seja o primogênito dos mortos (cf.
Cl1,18), pelo qual Deus quer reconciliar todos consigo. Aqui encontramos,
precisamente, a síntese que estava veladamente presente na data do primeiro dia
e que, em seguida, deveria determinar a teologia do Domingo Cristão para o
futuro. Nesse sentido, todo o conteúdo teológico do Sábado, embora de modo
renovado, podia passar na celebração cristã do Domingo. Antes, a passagem do
Sábado para o Domingo reflete, precisamente, a continuidade e a novidade da
realidade Cristã”.
Nos três primeiros séculos de perseguição na Igreja
primitiva, os cristãos não tinham o direito público do domingo e tal celebração
externa não podia ter lugar. Quando Constantino, a partir do século IV,
transforma o Cristianismo em religião do Império, encontramos em diversas
fontes a celebração dos dois dias. Ratzinger menciona também as Constituições
Apostólicas, aqui já referendadas, citando dois textos interessantes. Um
texto diz: “Transcorreis o sábado e o Dia do Senhor na alegria festiva, porque
o primeiro, é o memorial da criação, e o outro aquele da Ressurreição”.
Nessas Constituições Apostólicas, um pouco mais adiante, se lê:
“Eu, Paulo, e eu, Pedro, ordenamos: escravos devem trabalhar cinco dias, no
sábado e no domingo devem ter tempo para instrução catequética na igreja. O
sábado, de fato, tem o seu fundamento na criação, o Dia do Senhor na Ressurreição”.
A mesma orientação encontramos em São Gregório de Nissa
quando diz que esses dois dias tornam-se irmãos. Sobre essa fraternidade dos
dois dias, já falávamos que São João Paulo II, na Carta Apostólica Dies
Domini, disse que não faltaram, inclusive, setores da cristandade em
que o sábado e o domingo foram observados como «dois dias irmãos»”[2].
Gregório de Nissa até faz uma pergunta: “Com qual olho vês o Dia do Senhor, tu
que não tiveste em honra o sábado? Ou não sabes que esses dois dias são
irmãos?”[3].
Mas conclui Ratzinger, referendando Willy Rordorf, que o dia
espiritual pode ser ”colocado em um único dia, e naquele caso, o dia de Jesus
Cristo, que é, ao mesmo tempo, o terceiro, o primeiro e o oitavo dia, expressão
da novidade cristã, como também da síntese cristã, de todas as realidades,
deve ter, necessariamente, a precedência”.
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro
de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em
Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
_______________
[1] RATZINGER,
Joseph. Obras completas, Volume XI, Teologia da Liturgia – Fundamento
Existencial da Vida Cristã, Edições CNBB, 2019, p. 229.
[2] JOÃO
PAULO II, Dies Domini, 23.
[3] RATZINGER,
Joseph. Obras completas, Volume XI, Teologia da Liturgia – Fundamento
Existencial da Vida Cristã, Edições CNBB, 2019, p. 231, nota do
rodapé.
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