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terça-feira, 27 de agosto de 2024

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção (2)

BBC NEWS BRASIL

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção

  • Equipe de Jornalismo Visual da BBC News Brasil
  • 18 de dezembro de 2023
  • Brasil

O território brasileiro abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando chegaram os europeus. E, ao contrário de outros países da região, como Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai e até Argentina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma de suas línguas indígenas em âmbito nacional.

Ainda assim, o Brasil é considerado um dos 10 países com o maior número de línguas no mundo e um dos que possuem maior diversidade linguística – ou seja, grande quantidade de famílias diferentes e de línguas isoladas.

Para dar uma ideia da diversidade linguística e cultural do país, a BBC News Brasil fez uma seleção com a ajuda de especialistas indígenas e não indígenas.

O resultado é este especial, no qual mostramos 10 das línguas indígenas faladas hoje no Brasil, de diferentes famílias e em distintas situações de preservação.

Parikwaki

a língua preservada em um povo multilíngue

Língua aruák

A língua do povo palikur-arukwayene, parikwaki, faz parte da grande família aruák, uma das maiores no Brasil. Essa era certamente uma das línguas faladas já quando os europeus chegaram ao continente, e permanece viva e utilizada até hoje.

Sabemos disso porque os primeiros registros dos palikur foram feitos ainda em 1513, por um viajante espanhol que os encontrou na foz do rio Amazonas — uma enorme sociedade chamada de parikura, de navegadores e guerreiros.

Os palikur eram um dos povos aruák que habitavam a região e hoje são os únicos representantes daquela ocupação. No século 17, eles tiveram que migrar para o interior do Amapá ao serem perseguidos por portugueses — temendo que eles comercializassem com outros europeus que passavam pela região.

Depois da definição da divisão entre Brasil e Guiana Francesa, no começo do século 20, a maioria dos palikur chegou a se mudar para o território francês, por serem mal tratados pelas autoridades brasileiras. Mas epidemias fizeram com que voltassem ao Amapá.

Hoje, os palikur se dividem em 15 aldeias, que podem ter desde apenas um núcleo familiar de sete pessoas até uma população de 670.

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Na região de Oiapoque, eles chegam a eleger, juntamente com outros povos indígenas que vivem ali, um terço da Câmara de vereadores local. Trabalham também no Fórum de Justiça, na Funai, são professores nas escolas em suas aldeias e agentes de saúde.

A língua ainda tem alto grau de transmissão entre os palikur. Um levantamento da linguista Elissandra Barros da Silva, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), que trabalha com essa população há 15 anos, mostra que cerca de 33% deles são trilíngues (falam parikwaki, português e a língua crioula khéuol).

Mas isso não quer dizer que o futuro da língua não esteja ameaçado.

Apesar de falarem a língua, as crenças e as atitudes dos palikur em relação a ela são negativas.

Elissandra Barros - Linguista da Universidade Federal do Amapá

"Para eles, falar o parikwaki e não dominar o português está associado com sofrer preconceito na cidade, com terem perdido o domínio comercial na região, com terem dificuldade em alcançar cargos que outros povos conseguem", diz a pesquisadora.

As crianças palikur, segundo as pesquisas da linguista e de seus alunos, já entendem desde cedo que há ambientes específicos para cada língua, e que a língua "mais importante de aprender" é o português.

"O status da língua deles está cada vez mais associado à família. Isso é péssimo a longo prazo, porque a língua está perdendo espaços de uso. Dentro de uma geração, ela não vai mais ser transmitida", alerta.

Com uma eventual perda do palikur, se perderia também um dos sistemas numéricos mais únicos entre as línguas brasileiras. "É uma coisa maravilhosa, porque eles marcam no número a forma do objeto", explica Barros.

Em português, dizemos "um" tanto para uma banana como para um prato, por exemplo. Já os palikur contam com numerais diferentes para objetos compridos, circulares e outros tipos.

"Existem ao menos seis formas diferentes só para indicar o número um, de acordo com a forma das coisas. Isso faz com que as crianças palikur tenham certa dificuldade de aprender matemática na escola. Se a cartilha com o desenho manda somar cenouras e laranjas, elas não entendem como fazer essa contagem", diz a linguista.

Por exemplo, "um homem" é pahavwi awayg. Mas se o objeto contado tiver o formato chato como um prato (miruk), o mesmo número se transforma em pahak. Para "um lugar" (iwetrit), de formato pouco preciso, o número é paha. E para um côco (kuk), objeto redondo, pohow.

Ao menos um terço dos palikur falam, além de sua própria língua, kheuól e português | Foto: Cortesia Elissandra Barros

Para Barros, isso pode se relacionar com o fato de que os palikur são um povo "extremamente hierárquico".

"Eles gostam de classificar tudo. Se dividem em clãs, com suas características e suas origens. E ajuda muito saber a posição de cada pessoa para saber como lidar com ela", afirma.

Segundo Lenise Palikur, estudante e pesquisadora da Unifap, cada clã tinha seu dialeto, seu modo de viver, seu território, seus líderes. Seus nomes são dados de acordo com a função que exercem na organização do povo.

"No decorrer do tempo, muitos clãs foram extintos por guerras entre eles e com outros povos. Hoje temos seis clãs. Wakavunyene (gente da formiga preta) são os responsáveis pela administração da aldeia; Wadahyene (gente da lagartixa) são bons escaladores e ótimos caçadores; Paraymyene (gente do peixe bagre) são os pescadores, considerados também como bons nadadores. E assim por diante", explica.

Terena

a língua que resiste à proximidade com os não indígenas

Língua aruák

Os terena são descendentes modernos dos guaná-chané, o povo de língua aruák a migrar para mais longe a partir da Amazônia. Apesar do seu contato constante com não indígenas e grande presença nas cidades, a língua terena (emo'u têrenoe ou "fala dos Terena") continua sendo falada nas aldeias.

O aruák é uma das grandes famílias de línguas presentes no Brasil e uma das mais espalhadas pela geografia das Américas – em todo o continente, são cerca de 70 línguas, incluindo o taino, língua do povo que teve o primeiro contato com Cristóvão Colombo na ilha de Hispaniola, na atual República Dominicana.

O terena chama a atenção por sua gramática complexa, na qual um verbo simples pode ser acrescido de sufixos, formando um "superverbo" que carrega tanto sentido quanto uma frase inteira no português.

Também é comum usar partes do corpo como metáforas de posições no espaço. Para dizer que alguém vive "em meio a nós", por exemplo, os terena dizem hiyéuke ûti ou, "em nosso cabelo".

Sobre a superfície de algo vira inúku-ke, ou "na testa". Embaixo de algo é opéku-ke, ou "no osso". Na ponta de algo é kiríku-ke ou "no nariz". Assim, algo sobre a água está "na testa da água" o que está no centro do fogo está "no olho do fogo".

Terenas vivem tanto em terras indígenas demarcadas quanto nas que ainda não são oficiais | Foto: Getty

"Em muitas línguas se faz algo parecido, até no português. Dizemos 'no pé da montanha', por exemplo. Mas em algumas línguas isso fica tão automático, tão natural, que as expressões ficam mais generalizadas. Foi o que aconteceu com o terena", explica o linguista Fernando Orphão de Carvalho, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os terena hoje se espalham principalmente pelo Mato Grosso do Sul.

Nos anos 1930, eles também foram levados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão antecessor da Funai – para o interior de São Paulo, para ajudar na sedentarização do povo guarani.

"Como eles tinham uma tendência maior de sedentarização e de dedicação à agricultura, eles eram vistos de forma melhor pelo estado brasileiro, considerados 'mais civilizados'", afirma Orphão.

"Então houve algumas tentativas de usá-los para assentar os guarani, que eram mais nômades e para mediar a relação com os guaicurus, que eram mais belicosos."

Hoje, os terena são cerca de 26 mil, formando uma das maiores populações indígenas do Brasil.

Apesar de conhecida e falada pela maioria da população, a língua terena não é igualmente usada em todas as aldeias.

"Há terras indígenas, especialmente mais ao sul do Estado, onde basicamente não se fala mais a língua, eles estão muito cultural e fisicamente misturados com a população não indígena", diz Fernando Orphão.

"Em outras ainda há muitos falantes. Você ouve as crianças brincando em terena e muitos idosos são monolíngues em terena."

BBC NEWS BRASIL

Os terena, no entanto, são um dos casos de povos indígenas muito assimilados à sociedade não indígena, mesmo nas comunidades onde a língua está mais presente.

"Eles compram comida, cozinham em casa como a gente, têm ventilador, tem cama, bebem tereré como a população do Mato Grosso do Sul. A aldeia é organizada em termos de casas e ruas como qualquer pequena cidade do Brasil rural", diz o pesquisador.

Essa assimilação, que também foi uma estratégia de sobrevivência, segundo Orphão, coloca a língua terena em perigo.

"Quando os velhos falam com os jovens, eles entendem tudo, mas respondem em português e muitos assimilam todo tipo de preconceito da nossa sociedade contra os indígenas."

O pesquisador diz que é preocupante a falta de oportunidades de trabalho para os indígenas e que percebeu uma "dissolução gradativa do senso de comunidade". Mas ainda há esperança, segundo ele.

"Na primeira vez em que fui à aldeia de Cachoeirinha, em 2016, eu percebi os terena muito dependentes dos não indígenas. Na segunda vez, em 2018, já vi que as coisas estavam mudando. Eles estavam voltando a cultivar suas roças", diz.

Créditos:

Texto e reportagem: Camilla Costa
Design: Caroline Souza
Edição e design de vídeo: Daniel Arce
Desenvolvimento: Marta Martí Marques, Alex Nicholas, Matthew Taylor
Edição e coordenação: Carol Olona
Agradecimentos: Felipe Corazza, Marcos Gurgel, Holly Frampton, Denny Moore, Gustavo Godoy, Bruna Franchetto, Hein van der Voort, Kristina Balykova, Januacele Francisca da Costa, Elissandra Barros, Gasodá Suruí, Julien Meyer, Joana Autuori, Andrés Pablo Salanova, Fernando Orphão de Carvalho, Edison Melgueiro Baniwa, Francy Fontes Baniwa, Janina dos Santos, Maria do Carmo Martins, Esmeralda Maria Piloto, Keila Felicio Iaparrá, Kilia Sanumá, Kalepi Amarildo Sanumá, Cacique Djik Fulni-ô, Fábia Fulni-ô, Éxetina Aristides Terena, Aronaldo Júlio, todas as mulheres e homens indígenas que cederam seus vídeos.
Vídeos:
Ikolen - Falantes: Sena Kéré’áàp Gavião e Vása Séèp Gavião Participantes: Oliveira Gavião e Tarami Gavião Imagens e edição: Julien Meyer e Laure Dentel | Cortesia do Museu Emilio Goeldi Tradução: Denny Moore, João Cipiábíìt Gavião e Julien Meyer
Nheengatu - Falantes: Maria do Carmo Martins e Esmeralda Maria Piloto Imagens e tradução: Edilson Melgueiro Baniwa
Parikwaki - Falante, imagens e tradução: Keila Felicio Iaparrá
Terena - Falante: Éxetina Aristides Imagens e tradução: Aronaldo Júlio
Guató - Falante: Eufrásia Ferreira (Djariguka) Imagens: Kristina Balykova e Gustavo Godoy Edição e tradução: Kristina Balykova
Yaathê - Falante: Cacique Djik Fulni-ô (Cícero de Brito) Imagens: Fábia Fulni-ô Tradução: Januacele Francisca da Costa
Ka’apor - Falantes e sinalizantes: Jarara Pirã Ka'apor e Sypo Ruwy mãi (Joana Ka'apor) Imagens, edição e tradução: Gustavo Godoy
Kayapó - Falante: Nhàkture (Maria Eugênia) Imagens, edição e tradução: Andrés Pablo Salanova
Kheuól - Falante, imagens e tradução: Janina dos Santos
Sanöma - Falante: Kilia Sanumá Imagens: Kalepi Amarildo Isaac Sanumá Tradução: Joana Autuori

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-3a23b0c2-e594-4145-ad26-32fbee5e9203

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF