Há uma certa confusão de dados reais e lendários
sobre a vida de São Marino, inclusive se viveu no século III ou entre os
anos 500 e 700. Certo é que Marino (Marinho, ou Marinus – “do mar”) era
cristão, originário da ilha de Arba ou Arbe, da Dalmácia (hoje ilha de Rab,
Croácia, no mar Adriático), e pedreiro de profissão. Viajou com um
amigo chamado Leão para Rimini, na Itália, para aí trabalhar. Se fugindo da
perseguição do imperador Dioclesiano ou convocado por este com arquitetos e
pedreiros de todo o império para reconstruir a cidade costeira de
Arímino, a atual Rimini (neste caso no século III, em 275), é discutível. Mas
lá encontraram muitos cristãos, mesmo nobres, obrigados a trabalhos forçados
por serem cristãos.
Parece que os dois amigos estiveram no monte Titano,
mais no interior, para a extração de rochas. Depois de aproximadamente 13 anos,
desenvolvendo intenso apostolado além do serviço nas construções, seja por
perseguição ou o término do trabalho, separaram-se, indo Leão para Montefeltro
(hoje San Leo) e Marino voltando para Rimini. O Bispo desta diocese,
São Gaudêncio, os ordenou diáconos como reconhecimento da sua profícua
evangelização, e para que assim melhor pudessem exercê-la. A
reputação das virtudes de Marino cresceu e se espalhou, chegando inclusive à
Dalmácia, do outro lado do mar Adriático. (A referência ao bispo São
Gaudêncio de Bréscia, falecido em 410, situaria a vida de São Marino no século
V).
O diabo, irritado com as conversões conseguidas por
Marino, instigou uma mulher da sua terra natal a se apresentar em Rimini como
sua esposa legítima e abandonada, para humilhá-lo e desmerecer a sua boa fama. Foi
rejeitada firmemente pelo santo, e ela então recorreu ao governador para que
lhe fosse feita “justiça”. Marino então refugiou-se numa caverna do
monte Titano, mas ainda assim ela o encontrou. Como ele se recusasse a
recebê-la, depois de vários dias naquele lugar inacessível e isolado, ela
desistiu; voltou para a cidade e confessou a sua culpa, vindo a morrer depois.
Marino, embora inocentado, decidiu ficar no monte Titano,
levando uma vida eremítica. Construiu uma cela para si no cume, e uma
igreja, dedicada a São Pedro, dedicando-se à oração. Realizou vários milagres,
como a cura de um possesso da Dalmácia. Conta-se também que domesticou
um urso que havia matado o seu burro, e que passou portanto a fazer o seu
trabalho. Com o tempo e a fama da sua santidade, outros começaram a ir ter com
ele, e surgiu assim um início de comunidade monacal sob os cuidados de Marino e
Leão.
O monte Titano ficava num terreno pertencente a uma
viúva chamada Felicíssima (ou Felicidade) e ao seu filho Veríssimo, que
começaram a exigir que eles fossem embora. Marino e Leão se puseram a rezar,
pois havia a ameaça de violência. Inesperadamente Veríssimo ficou
paralisado dos braços e das pernas, e sua mãe, em desespero, pediu a Marino que
rogasse a Deus pelo filho, oferecendo-lhe o que desejasse para fazer
isso. Marino lhe disse que não tinha outro desejo que a conversão dela
e dos seus, e um terreno para descansar.
Felicíssima aceitou, e logo Veríssimo ficou curado; ela, o
filho e mais 53 membros da família receberam o batismo, e o monte Titano foi
doado a Marino e aos seus descendentes. Ali foi oficialmente fundado um
mosteiro em 301, onde Marino permaneceu até o seu falecimento em 366. As
suas últimas palavras aos companheiros teriam sido “Relinquo vos liberos ab
utroque homine” (“Eu vos deixo livres de ambos os homens”).
Esta frase foi entendida tradicionalmente como uma promessa
de autonomia em relação ao poder civil e ao Exarcado Bizantino, isto é, uma
divisão administrativa do império romano do Oriente, dos territórios não
conquistados pelos lombardos na Itália, no século VI (cf.
https://www.a12.com/reze-no-santuario/santo-do-dia?s=sao-gregorio-magno).
Ora, o Imperador bizantino Maurício, em 584, repartiu o exarcado em
sete distritos, um deles o de Roma, que na prática era regida pelo Papa,
gerando conflitos também no aspecto espiritual com o patriarcado religioso de
Constantinopla (Bizâncio); por fim, com a expulsão dos lombardos em 756, o
exercado de Ravena, onde ficava o monte Titano, foi doado à Igreja como parte
do território que depois seria conhecido por Estados Pontifícios.
Em resumo, no execrado havia a influência tanto civil quanto
religiosa, esta a do patriarcado bizantino que se opunha ao Papa.
Portanto a última frase de São Marino garantiu a independência da
região, que perdura até hoje, destas duas influências, civil e religiosa
não-católica: de forma profética, se ele viveu no século III, ou de maneira
concreta, se viveu entre os anos 500 e 700. Da comunidade fundada por São
Marino desenvolveu-se a República de San Marino, a mais antiga da Europa.
São Marino é reconhecido pela Igreja como fundador e
patrono da República de San Marino. A festa desse santo, venerado também pela
Igreja Ortodoxa Oriental, e também feriado nacional no país é 3 de setembro –
festa obrigatória de São Gregório Magno – e por isso foi deslocada no
catolicismo para o dia seguinte.
Existem mais sete santos com o nome de Marino, seis
mártires dos primeiros séculos cristãos e um monge na Itália falecido em 1170,
bem como três santas chamadas Marina.
Colaboração: José Duarte de Barros Filho
Reflexão:
Sair do isolamento insular do egoísmo, atravessar o mar
revolto da vida e alcançar o cume da montanha espiritual, para aí edificar
morada: este o programa de vida que nos é exemplificado na prática por São
Marino. Mas nunca o conseguiremos sozinhos: para dominar a bestialidade de
comportamento, e colocar o seu vigor ursulino no serviço humilde e benéfico,
como o dos burricos, é necessário o auxílio do Leão de Judá… e este serviço não
é outro que extrair rochas sólidas de espiritualidade dos picos de sabedoria e
caridade da Palavra de Deus, e com elas construir para a Igreja. São Marino não
foi estadista ou político, militar ou invasor, mas um simples pedreiro, que
fundou uma nação a partir das “pedras vivas” (cf. 1Pe 2,5-6) de uma comunidade
religiosa. A casa edificada sobre a rocha, não cairá (cf. Mt 7,24): sim, é
possível erigir um país sobre a pedra angular (cf. At 4,10-12) sobrenatural do
Cristo, cujo Corpo Místico e ao mesmo tempo concreto e encarnado está edificado
sobre outra pedra (cf. Mt 16,18), Pedro, o pescador que, como São Marino,
navegou em profundidade as águas do Batismo. Construir uma nação a partir de
uma vida religiosa verdadeira, em Cristo Jesus: vocação natural no maior país
católico do mundo.
Oração:
Senhor Deus, rochedo sólido de amor que sustenta o barro e o
pó que somos nós, concedei-nos por intercessão de São Marino a sua mesma
humildade e trabalho de caridade constantes, de modo a conseguirmos total
independência dos poderes mundanos e das falsas doutrinas, mas sendo veríssimos
na pureza do desejo de Vos seguir, alcançarmos a vida felicíssima no Paraíso.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.
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