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terça-feira, 3 de setembro de 2024

'Se seus filhos têm celular, quem manda neles são as redes sociais' (1)

Pediatra e ativista pela infância, como se autodefine, Daniel Becker tem se tornado uma das principais vozes quando o assunto é o bem-estar de crianças e adolescentes (Crédito,Marco Weyne/Divulgação)

'Se seus filhos têm celular, quem manda neles são as redes sociais', diz pediatra Daniel Becker

31 agosto 2024

Ele tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, rede social que utiliza para falar, dentre outras coisas, que crianças não deveriam estar ali.

Pediatra e ativista pela infância, como se autodefine, Daniel Becker tem se tornado uma das principais vozes quando o assunto é o bem-estar das crianças.

Ele defende cuidados simples, como a interação com elas, brincadeiras ao ar livre, acolhimento e criação de intimidade com os filhos.

Parece algo básico, mas a vida agitada e especialmente o uso excessivo do celular estão distanciando os adultos das crianças, causando uma série de efeitos, alerta Becker.

Para o pediatra, o celular se interpõe entre o olhar dos cuidadores e das crianças, tornando-se uma barreira para a criação de vínculo, afeto e intimidade.

Isso gera o que ele chama de "parentalidade distraída", o que pode ter até mesmo consequências catastróficas.

Estamos tão apegados a esse aparelho, que, segundo o médico, que é formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é mestre em saúde pública, até a televisão é melhor que o celular.

Ao menos você tem maior poder de escolha sobre o que assistir na TV e não fica submetido aos algoritmos, diz Becker, de seu consultório no Rio de Janeiro, nesta entrevista realizada por videochamada.

Mas, embora o celular seja o meio de propagação de conteúdos "viciantes" e comparáveis ao "lixo" que está nas redes sociais, o pediatra diz que dá para estabelecer uma relação minimamente saudável para crianças e adolescentes com ele.

BBC News Brasil - Este é um ano de eleições municipais, mas o debate entre os candidatos passa longe de temas voltados para a infância. O que um bom plano de governo voltado à infância deveria ter, na sua opinião?

Daniel Becker - Proteger a criança e promover a saúde e a qualidade de vida dela significa cuidar das famílias também, especialmente das mães. Existem muitas políticas que são municipais e que estão fora do radar, como a cobertura de creches.

O Brasil tem a meta de ter 50% de cobertura de creche [ou seja, ter creche para ao menos metade das crianças de 0 a 3 anos], mas existem municípios onde não há praticamente nenhuma creche. E, sem creche, você tem uma mãe completamente assoberbada que não tem onde deixar a criança, ou vai deixar sob cuidados precários.

No plano da saúde, é importante o investimento na saúde da família, que envolve, dentre outras coisas, a vacinação, algo que depende muito do município. O apoio à amamentação, crucial para o bebê e para a mãe, também precisa ser bem desenvolvido.

Todo médico de atenção básica e todo médico de família deveria ser treinado para dar apoio à amamentação. Temos uma política aqui no Brasil maravilhosa que são os bancos de leite, mas o município sequer divulga isso, muitas vezes.

Outra atividade muito bacana são os grupos de gestantes e os grupos de puérperas, que podem ser formados por meio da atenção básica da saúde. Os programas municipais de infância estão trabalhando algo também importantíssimo, que são os programas de educação parental.

Na maioria das vezes, as famílias, especialmente as mais pobres, não têm noção da importância, por exemplo, do estímulo ao desenvolvimento, do carinho e do afeto na criação dos filhos.

Isso inclui orientações sobre uma boa alimentação também. As pessoas não sabem que miojo não faz mal, que dar salgadinho e refrigerante para o bebê faz mal. Hoje, 80% das crianças acima de 8 meses já provaram coisas açucaradas, inclusive refrigerantes.

Tem outra política que considero especialmente importante e que é muito benéfica para toda a sociedade: a cidade amiga da criança.

Ou seja, manter as praças bem cuidadas, acessíveis, iluminadas, seguras, com bons brinquedos, com sombra, arborizar as calçadas. A brincadeira no espaço público é o melhor benefício possível para uma criança: vai beneficiar saúde física, mental, espiritual, emocional, melhora a imunidade, reduz problemas de comportamento, melhora o apetite.

Além disso, ativa o turismo e o comércio, aumenta a arrecadação da prefeitura.

BBC News Brasil - O senhor fala muito da importância de brincar em meio à natureza, no parque, na areia. Mas esses espaços, os parques, geralmente não estão nas periferias. Ou seja, as crianças da periferia, mais uma vez, são privadas dessa convivência.

Becker - Isso se chama racismo ambiental ou injustiça ambiental ou injustiça recreativa também.

BBC News Brasil - O uso do celular por crianças e adolescentes é um tema, mas queria perguntar antes sobre o uso pelos adultos. O senhor usa um nome para as consequências disso, "parentalidade distraída". Do que se trata?

Becker - O celular tem um apelo viciante muito mais profundo do que a televisão, e o adulto se perde nas redes sociais, deixando de olhar para a criança.

O celular acaba se interpondo entre o olhar do pai e do filho. O olhar é fundamental para a criança, porque é nesse olhar que ela vai encontrar o afeto, o carinho e o vínculo.

É na interação com a gente, por exemplo, que a linguagem se desenvolve. Não existe desenvolvimento da linguagem olhando para tela ou vídeo.

A precarização desse vínculo gera um empobrecimento de relação, e isso vai afetar a autoestima da criança. Ela vai perceber que aquele negócio na mão do pai é mais importante do que ela. Não é apenas o desenvolvimento em geral que está em risco. Acidentes estão acontecendo.

Canso de ouvir que filho não vem com manual. Mas o manual está ali dentro dos olhos dos seus filhos. Olhe para eles. Ninguém precisa passar duas horas brincando com a criança no chão para desenvolver intimidade. São ações simples, é o convívio simples, é acordar a criança, dar o café da manhã, dar um banho, contar uma história, jantar junto, brincar um pouquinho. Contar histórias na hora de dormir, que é um gesto simples, mas marca a criança pelo resto da vida dela de forma positiva.

Esse convívio gera uma coisa chamada intimidade, que é a chave da educação. Quem consegue intimidade com seus filhos não precisa apelar nem para a permissividade excessiva, nem para o castigo, para a palmada, para coisas piores. Castigo e palmada não fazem ninguém aprender nada.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5yd0d2vplno

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF