Transmitir a fé (I)
É na própria família que se forja o caráter, a personalidade, os costumes... e também se aprende a conviver com Deus. Uma tarefa que cada dia é mais necessária, como se assinala neste artigo.
03/01/2012
O MISTÉRIO DA LIBERDADE
Ao utilizar a liberdade pessoal, as pessoas nem sempre fazem
o que mais lhes convém, ou o que pareceria previsível tendo em conta os meios
empregados. Às vezes, as coisas são bem feitas mas não saem como se esperava –
pelo menos, aparentemente – e pouco serve culpar-se por esses resultados ou
atribuir a culpa a outros.
O mais sensato é pensar como educar cada vez melhor e como
ajudar outros a fazerem o mesmo; não há, neste âmbito, fórmulas mágicas. Cada
um tem o seu próprio modo de ser, que o leva a explicar e a encarar as coisas
de modo diverso. O mesmo se pode dizer dos educandos que, embora vivam num
ambiente semelhante, possuem interesses e sensibilidades diversas.
Essa variedade não é, no entanto, um obstáculo. Aliás,
amplia os horizontes educativos: por um lado, possibilita que a educação se
enquadre, realmente, no quadro de uma relação única, alheia a estereótipos; por
outro, a relação com os temperamentos e caráteres dos diversos filhos favorece
a pluralidade de situações educativas.
Por isso, se bem que o caminho da fé seja o mais pessoal que
existe – pois faz referência ao mais íntimo da pessoa, a sua relação com Deus
–, podemos ajudar a percorrê-lo; e isso é a educação. Se considerarmos com
calma na nossa oração pessoal o modo de ser de cada pessoa, Deus dar-nos-á
luzes para acertar.
Transmitir a fé não é tanto uma questão de estratégia ou de
programação, mas é facilitar que cada um descubra o desígnio de Deus para a sua
vida. Ajudá-lo a que veja, por si próprio, que deve melhorar e em quê, porque
nós, de fato, não mudamos ninguém, eles mudam porque querem.
DIVERSOS ÂMBITOS DE ATENÇÃO
Há diversos aspetos que têm grande importância para
transmitir a fé. Um primeiro é talvez a vida de piedade na família, a
proximidade a Deus na oração e nos sacramentos. Quando os pais não a “escondem”
– às vezes involuntariamente –, esse convívio com Deus manifesta-se em ações
que O tornam presente na família, de um modo natural e que respeita a autonomia
dos filhos. Abençoar as refeições, ou rezar com os filhos pequenos as orações
da manhã ou da noite, ou ensinar-lhes a recorrer aos Anjos da Guarda ou a ter
manifestações de carinho com Nossa Senhora, são modos concretos de favorecer a
virtude da piedade nas crianças, tantas vezes dando-lhes recursos que os
acompanharão por toda a vida.
Outro meio é a doutrina; uma piedade sem doutrina é muito
vulnerável perante o assédio intelectual que sofrem ou sofrerão os filhos ao
longo da vida; necessitam de uma formação apologética profunda e, ao mesmo
tempo, prática.
Logicamente, também neste campo é importante saber respeitar
as peculiaridades próprias de cada idade. Muitas vezes, falar sobre um tema de
atualidade ou de um livro poderá ser uma ocasião de ensinar a doutrina aos
filhos mais velhos (isto, quando não sejam eles próprios que se nos dirijam
para nos perguntarem).
Com os menores, a formação catequética que podem receber na
paróquia ou na escola é uma ocasião ideal. Rever com eles as lições que
receberam ou ensinar-lhes de modo sugestivo aspectos do Catecismo que talvez
tenham sido omitidos, fará com que as crianças entendam a importância do estudo
da doutrina de Jesus, graças ao carinho que os pais demonstram por ela.
Outro aspecto relevante é a educação nas virtudes. Quando há
piedade e doutrina, mas faltam virtudes, os filhos acabarão pensando e sentindo
como vivem, e não como lhes dite a razão iluminada pela fé, ou a fé assumida,
porque pensada. Formar as virtudes requer salientar a importância da exigência
pessoal, do empenho no trabalho, da generosidade e da temperança.
Educar nesses bens eleva o ser humano acima dos desejos
materiais; torna-o mais lúcido, mais apto para entender as realidades do
espírito. Aqueles que educam os filhos com pouca exigência – nunca lhes dizem
que “não” a nada e procuram satisfazer todos os seus desejos – fecham-lhes as
portas do espírito.
É uma condescendência que pode nascer do carinho, mas também
do querer poupar o esforço que exige educar melhor, pôr limites aos apetites,
ensinar a obedecer ou a esperar. E como a dinâmica do consumismo é de per si
insaciável, cair nesse erro leva as pessoas a estilos de vida caprichosos e
volúveis e introduzem-nos numa espiral de procura de comodidade que implica
sempre um déficit de virtudes humanas e de interesse pelos outros.
Crescer num mundo em que todos os caprichos são saciados é
uma pesada carga para a vida espiritual, que incapacita a alma – quase na raiz
– para a doação e o compromisso.
Outro aspeto importante é o ambiente, pois tem uma grande
força de persuasão. Todos conhecemos jovens educados na piedade que se viram
arrastados por um ambiente que não estavam preparados para superar. Por isso, é
preciso estar pendentes de onde se educam os filhos e criar ou procurar
ambientes que facilitem o crescimento da fé e da virtude. É algo parecido ao
que ocorre num jardim: nós não fazemos crescer as plantas, mas podemos sim
proporcionar os meios – adubo, água, etc. – e o clima adequados para que cresçam.
Como aconselhava São Josemaria aos pais: "procurai
dar-lhes bom exemplo, procurai não esconder a vossa piedade, procurai ser puros
na vossa conduta: então aprenderão e serão a coroa da vossa maturidade e da
vossa velhice" [5].
A. Aguiló
[5] São Josemaria Escrivá, Tertúlia, 12-11-1972, em "Educação
dos filhos"
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