Transmitir a fé (II)
Dar exemplo, dedicar tempo, rezar… a transmissão da fé aos filhos é uma tarefa que exige empenho. Segunda parte do editorial sobre a fé e a família.
02/08/2012
AJUDÁ-LOS A ENCONTRAR SEU CAMINHO
Acima de tudo, educar neste campo é pôr os meios para que os
filhos convertam sua existência inteira em um ato de adoração a Deus. Como
ensina o Concílio, “a criatura sem o Criador desaparece"[7]: na adoração
encontramos o verdadeiro fundamento de maturidade pessoal: se as
pessoas não adoram a Deus, adoram-se a si mesmas nas diversas formas que
registra a história; o poder, o prazer, a riqueza, a ciência, a beleza...[8].
Promover essa atitude exige necessariamente que as crianças descubram por si
mesmas a figura de Jesus; algo que pode estimular-se desde que são pequenos,
propiciando que aprendam a falar pessoalmente com Ele. Isso não é, por acaso,
fazer oração com os filhos, contar-lhes coisas sobre Jesus e seus amigos, ou
entrar com eles nas cenas do Evangelho, à raiz de algum fato cotidiano?
No fundo, estimular piedade nas crianças quer dizer
facilitar que ponham o coração em Jesus, que lhes expliquem os acontecimentos
bons ou maus; que escutem a voz da consciência, na qual o próprio Deus revela
sua vontade, e tentem pô-la em prática. As crianças adquirem estes hábitos
quase por osmose, vendo como seus pais se relacionam com o Senhor, ou o têm
presente em seu dia a dia. Pois a fé, mais que seu conteúdo ou deveres, tem a
ver, em primeiro lugar, com uma pessoa, a qual aceitamos sem reservas: confiamo-nos
a ela. Se se pretende mostrar como uma Vida - a de Jesus – muda a existência do
homem, comprometendo todas as faculdades da pessoa, é lógico que os filhos
notem que, em primeiro lugar, tenha mudado a nós próprios. Ser bons
transmissores da fé em Jesus Cristo, implica manifestar com nossa vida nossa
adesão a sua Pessoa[9]. Ser um bom pai é, na maioria das vezes, um pai que
luta, por ser santo: os filhos o veem, e podem admirar esse esforço e tentar
imitá-lo.
Os bons pais desejam que seus filhos alcancem a excelência e
sejam felizes em todos os aspectos da existência: no profissional, no cultural,
no afetivo; é lógico, portanto, que desejem também que não permaneçam na
mediocridade espiritual. Não há projeto mais maravilhoso que o que Deus previu
para cada um. O melhor serviço que se pode prestar a uma pessoa – a um filho de
modo especial – é apoiá-lo para que responda plenamente à sua vocação cristã, e
descubra o que Deus quer para ele. Por que não se trata de uma questão
acessória, da qual depende só um pouco mais de felicidade, mas afeta o
resultado global de sua vida.
Descobrir como se concretiza a própria chamada à santidade é
encontrar a pedrinha branca, com um nome novo que ninguém conhece senão
o que o recebe[10]: é o encontro com a verdade sobre si mesmo que dá um
sentido à existência inteira. A biografia de um homem será distinta segundo a
generosidade com que encare as diferentes opções que Deus lhe apresentará:
porém, em todo caso, a felicidade própria e a de muitas outras pessoas
dependerá dessas respostas.
VOCAÇÃO DOS FILHOS, VOCAÇÃO DOS PAIS
A fé é por natureza um ato livre, que não se pode impor, nem
sequer indiretamente, mediante argumentos “irrefutáveis": crer é um dom
que penetra suas raízes no mistério da graça de Deus e a livre correspondência
humana. Por isso, é natural que os pais cristãos receiem por seus filhos,
pedindo que a semente da fé que estão semeando em suas almas frutifique; com
frequência o Espírito Santo se servirá desse afã para suscitar, no seio das
famílias cristãs, vocações de tipos muito diferentes para o bem da Igreja.
Sem dúvida, a chamada do filho pode supor para os pais a
entrega de planos e projetos muito desejados. Porém isso não é um simples
imprevisto, pois forma parte da maravilhosa vocação à maternidade e à
paternidade. Poderia dizer-se que a chamada divina é dupla: a do filho que se
dá, e a dos pais que o dão: e, às vezes, pode ser maior o mérito destes
últimos, escolhidos por Deus para entregar o que mais amam, e fazê-lo com
alegria.
A vocação de um filho converte-se assim em um
motivo de santo orgulho[11], que leva os pais a apoiá-la com sua oração
e com seu carinho. Assim o explicava São João Paulo II: “Estai abertos às
vocações que surjam entre vós. Orai para que, como sinal de amor especial, ao
Senhor se digne a chamar a um ou mais membros de vossas famílias a servir-lhe.
Vivei vossa fé com uma alegria e um fervor que sejam capazes de alentar tais
vocações. Sede generosos quando vosso filho ou vossa filha, vosso irmão ou
vossa irmã decida seguir Cristo por este caminho especial. Desejai que sua
vocação vá crescendo e fortalecendo-se. Prestai todo vosso apoio a uma escolha
Feita com liberdade"[12].
As decisões de entrega a Deus germinam no seio de uma
educação cristã: poderia se dizer que são como seu cume. A família converte-se
assim, graças à solicitude dos pais, em uma verdadeira Igreja doméstica[13], de
onde o Espírito Santo promove seus carismas. Deste modo, a tarefa educadora dos
pais transcende a felicidade dos filhos, e chega a ser fonte de vida divina em
ambientes até então alheios a Cristo.
A. Aguiló
[7] Conc. Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes,
n. 36.
[8] D. Javier Echevarria, Carta Pastoral,
1-06-2011.
[9] São Tomás, S. Th. II-II, q.
11, a. 1: “dado que o que crê aceita as palavras de outro, parece que o
principal e como fim de qualquer ato de crer é aquele em cuja ação se crê; são,
em troca, secundárias as verdades às que se aceita crendo nele".
[10] Ap, 2, 17.
[11] Forja, n. 17.
[12] João Paulo II, Homilia, 25-II-1981.
[13] Cfr. Conc. Vaticano II, Const. dogm. Lumen
Gentium, n. 11.
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