Transparência
Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André (SP)
Diante do mar de corrupção que assola as sociedades
modernas, se impõe a reflexão sobre a justiça, honestidade e cidadania na
gestão das coisas públicas. Grandes conclomerados econômicos não raro, vão à
falência por falta de transparência na sua gestão. A transparência é importante
não só por motivos éticos, mas também para se obter o sucesso almejado.
No atual pontificado, o papa Francisco colocou para a Igreja
uma agenda de atualização e mudanças que inclui o máximo de transparência no
governo eclesial, em todas as áreas. Isto não é fácil, mas esta é uma proposta
que veio para ficar, mesmo porque já está sendo implementada.
Uma Igreja sinodal necessita da cultura e prática da
transparência e prestação de contas (accountability, um termo inglês
também utilizada noutras línguas), que são indispensáveis a fim de promover
a confiança recíproca, necessária para caminhar juntos e exercer a
corresponsabilidade pela missão comum. Na Igreja, o exercício da prestação
de contas não responde em primeiro lugar a exigências de carácter social e
organizativa. O seu fundamento está na natureza da Igreja que é “mistério
da comunhão”.
Na Biblia se encontram práticas de prestação de contas na
vida da Igreja primitiva ligadas à preservação da comunhão. O cap. 11 dos
Atos dos Apóstolos oferece um exemplo: quando Pedro regressa a Jerusalém
depois de ter batizado Cornélio, um pagão (cf. At 11,2-3). Pedro responde com
uma narrativa que presta contas da sua atuação. A prestação de contas do
ministério à comunidade faz parte da tradição mais antiga da Igreja. A
teologia cristã do serviço (stewardship) oferece um quadro de referência que
permite compreender o exercício da autoridade no priema da transparência e
prestação de contas.
No nosso tempo, impôs-se a exigência de transparência e
prestação de contas na Igreja e por parte da Igreja, após a perda de
credibilidade resultante dos escândalos financeiros e principalmente dos
abusos sexuais. A falta de transparência e de formas de prestação de contas
alimenta o clericalismo, que assenta no pressuposto implícito de que os
Ministros ordenados não devem prestar contas a ninguém no exercício da
autoridade que lhes foi conferida. Erro fruto da exclusão da idéia de serviço
no ministério.
Se a Igreja quer ser acolhedora, então, prestação de
contas e transparência devem situar-se no centro da sua ação a todos os
níveis e não apenas a nível da autoridade. No entanto, quem desempenha
cargos de autoridade tem maior responsabilidade neste campo. Deve incidir
igualmente nos planos pastorais, métodos de evangelização e modalidades com
que a Igreja respeita a dignidade da pessoa humana.
A transparência deve ser uma característica do exercício
da autoridade na Igreja. Hoje em dia, são necessárias estruturas e formas de
avaliação regular do modo como são exercidas todas as responsabilidades. A
avaliação, entendida em sentido não moralista, permite introduzir
ajustamentos e favorece o crescimento e a capacidade dos agentes de pastorais
de prestarem um serviço melhor.
Acostumamos medir a honestidade alheia pela nossa, mas
sempre é necessário ter presente que o melhor caminho é a honestidade, a
transparência. Sabemos que não tardará a transigir sobre o fim quem está
disposto a transigir sobre os meios. Enfim, como escreveu Lacordaire, político,
jornalista orador sacro do oitocentos: “honesto é aquele que mede o seu direito
pelo seu dever”.
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