“Vivemos com naturalidade”, dizem católicos nascidos e criados no rito romano antigo em Campos.
Por Natalia Zimbrão*
31 de agosto de 2024
“É tudo
muito natural”
Para os fiéis da Administração Apostólica Pessoal São João
Maria Vianney, viver o rito romano antigo “é tudo muito natural”, disse o
empresário Brunno Guimarães, 33 anos, de Campos dos Goytacazes. “Muitas pessoas
olham de fora e falam: a Igreja tradicional e a Igreja progressista. Só que
para a gente, isso é muito normal. Assistir uma missa em latim é normal. É como
se a diocese tivesse uma continuidade”, disse.
Brunno participa da Administração Apostólica desde 2006. Ele
é casado com a farmacêutica e professora universitária Amélia Rodrigues, 39
anos, com quem tem quatro filhos entre um e sete anos. Segundo ele, “até a
convivência com as pessoas de fora e daqui da Administração Apostólica” é
natural. “A gente não vê tanto essa separação”, disse.
“Às vezes, vamos a outros lugares e encontramos grupos
ligados a conservadores e sentimos certa diferença”, disse. É comum perguntarem
por que não cantam sempre em gregoriano, por que rezam o Pai-nosso em
português. “Nós temos uma identidade própria que foi criada com o passar dos
anos por essa diocese que nunca deixou de existir”, disse Brunno. “É uma
tradição nossa”, porque “foi tudo construído no nosso meio”.
Mesmo quem veio de fora reconhece essa identidade. O padre
Leonardo Wagner pertence ao clero da arquidiocese de Fortaleza (CE), mas está
desde 2017 na Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. Antes de
se mudar para o Rio de Janeiro, acompanhou pessoas no Ceará que queriam
participar da missa no rito romano antigo. Já na Administração Apostólica, além
de atuar nas paróquias, também passou um tempo no apostolado externo em Belo
Horizonte (MG). O apostolado externo é o envio de padres da administração para
rezar a missa tradicional em outras dioceses, sempre a pedido do bispo local.
Há hoje padres da administração 14 cidades do país, como Rio de Janeiro (RJ),
São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG).
“Quando eu vim para cá, já tinha 15 anos de padre, hoje
tenho 22. A tradição que eu conheci foi esta daqui”, disse.
Para quem quer conhecer a missa tradicional, o padre às
vezes diz: “Vocês precisam conhecer a Administração Apostólica, pelo menos ir
no fim de semana, assistir a missa, ver como são as pessoas que nasceram aqui”.
A dona de casa Doroteia Silva Robert, 52 anos, de Santo
Antônio de Pádua (RJ), também nasceu e cresceu no rito romano antigo. É casada
há 35 anos com o representante comercial Antônio Flávio Bon Robert, 61, com
quem têm três filhos já adultos. “Como você nasce e aprende a língua materna, a
gente aprendeu a tradição”, disse. “Eu nasci na missa sendo rezada em latim,
nesse rito. Participo da missa e sei tudo o que acontece, a gente aprende
tudo”.
Para Paula Gualandi, 45 anos, filha de Rita de Cássia
Gualandi, “é fácil de lidar”. “Eu nunca tive problema [com o latim]. Eu até já
lidei com pessoas assim que ficavam questionando e eu achava estranho”, disse.
“Procuro entender um pouco, traduzir alguma coisa. Mas, mesmo sem entender,
para mim, não é uma questão. Prefiro aquilo pela fé mesmo, mesmo que eu não
entenda”, acrescentou.
O padre João Motta Neto, pároco de Nossa Senhora de Lourdes,
paróquia da zona rural de Bom Jesus do Itabapoana, contou que “esse povo da
zona rural sempre escolheu o rito tradicional”. “Aqui, por exemplo, não tem
nenhuma capela da diocese de Campos, porque sempre o povo quis essa missa na
forma tridentina”, disse.
A paróquia, criada em 2023, “atende mais 14 comunidades,
três situadas em distrito, mas as outras em zona rural, estrada de terra”, onde
predominam o cultivo de café e a criação de gado.
“O rito deixa claro a grandeza de Deus, deixa claro a
sacralidade do nosso contato com Deus nosso Senhor, e de modo bem acessível.
Por exemplo, a missa é em latim, mas nós não falamos em latim com o povo, as
homilias, as leituras, algumas outras passagens da missa são em língua
vernácula”, disse.
O padre João Neto disse que as pessoas da região “têm toda
essa vivência desde seus pais, avós, bisavós, são pessoas simples, mas com
muita fé, muita piedade”. Segundo ele, o rito romano antigo “traz essa
conjunção da simplicidade do povo juntamente com a fé, que também é simples,
porque Deus é simples”.
Para o sacerdote, “um ponto muito importante que é o cerne
da questão é a forma do contato com Deus”. O padre João Neto disse que as
pessoas falam que, “pelo silêncio, pelo rito em si favorece essa participação
que é a participação principal da missa, a união da alma com Cristo
crucificado, que é a renovação do sacrifício da Cruz, que é a santa missa”.
A nova
geração
O padre Silvano Salvatte Zanon, 44 anos, filho de Luzia
Aparecida Salvatte Zanon, é o pároco do Senhor Bom Jesus Crucificado e do
Imaculado Coração de Maria, na região urbana de Bom Jesus do Itabapoana. Também
cresceu e recebeu todos os sacramentos no rito romano antigo. Segundo ele, hoje
se vê um grande número de pessoas em sua paróquia. “Não só meus contemporâneos
e até pessoas anteriores a mim. Mas, agora, a Administração já [está] com 22
anos. Então, muitos dos nossos adolescentes, jovens que frequentam aqui já
foram nascidos depois da criação da Administração Apostólica e também nascidos
e criados vivendo tudo isso”, disse.
O sacerdote contou que busca trabalhar com os jovens para
que eles possam “ter um grande amor a tudo isso, entender o valor e a grandeza
de tudo isso e o quanto isso nos leva ao sobrenatural”. “E algo que buscamos
incutir muito é um grande amor à Igreja, uma grande reverência ao Santo Padre o
papa, um grande respeito com as autoridades da Igreja”, acrescentou.
A professora de educação infantil Andressa Xavier, 21 anos,
participa desde pequena na igreja de Nossa Senhora de Lourdes, na zona rural de
Bom Jesus do Itabapoana. “Eu sempre acompanhei meus pais e a vida toda foi
assim, não tive outra formação, não conheci coisas diferentes”, disse.
A mãe de Andressa, a secretária paroquial Lucileia Mendes,
54 anos, que também cresceu no rito romano antigo, contou à ACI Digital que
sempre educou os quatro filhos nesse rito da Igreja. “Os filhos seguem muito os
pais, o que o pai e a mãe fazem. Então, tem muita coisa do rito novo que eles
nem sabem muito bem por que não passamos. Passamos o rito antigo mesmo”, disse.
Para Andressa, viver neste ambiente “é algo normal”. “Nunca
passou pela minha cabeça [deixar de participar da missa no rito antigo]”,
disse. E o que a motiva a permanecer “é a missa, o silêncio dentro da igreja, a
paz que transmite, [o fato de] a gente ter formação com o padre aqui, de a
gente precisar de alguma coisa e ele estar presente”, disse.
Na paróquia, contou, além da missa e dos sacramentos,
participa do grupo de jovens. “É maravilhoso, não tem explicação. A gente se
reúne, senta, conversa, um vai trocando ideia com outro, dando conselho,
rezamos o terço, assistimos a missa. Depois, fazemos gincana, brincadeiras. É
muito legal”, disse.
O médico Víctor Barcelos, 25 anos, de Campos, cresceu
frequentando a paróquia do Imaculado Coração de Nossa Senhora do Rosário de
Fátima, a igreja principal da Administração Apostólica, e estudou no Colégio
Três Pastorinhos, também da Administração. Além da vivência da fé, na igreja
ele viu despertar outro interesse, pela arte. Hoje, é o organista oficial da
paróquia.
“Aqui eu vejo muita cultura. Dom Fernando, nosso bispo,
sempre falou que a Igreja é uma patrocinadora da arte. Aqui, junto com a capela
musical que temos, os corais e tudo o que tem a oferecer, sempre trouxe para
mim um contato com a cultura que lá fora eu não encontro. Todo tipo de cultura,
arte sacra, música sacra, tudo que tem de mais belo que a gente apresenta a
Deus”, disse. “Aqui na Administração Apostólica, pela sacralidade que a missa
tridentina traz, pela sacralidade da arte que a gente produz, tudo isso faz a
gente enxergar o céu na terra. É um modo de viver a fé que muito enriquece
espiritualmente”.
*Natalia
Zimbrão é formada em Jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
É jornalista da ACI Digital desde 2015. Tem experiência anterior em revista,
rádio e jornalismo on-line.
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