A comunicação silenciosa entre as plantas
Author: Sven Batke
Role: The Conversation*
12 outubro 2024
Pela manhã, minha filha de seis anos entrou no nosso quarto
e começou a ler uma história de um livro. Ela leu palavra por palavra em cada
página, formando lentamente frases completas. Às vezes, ela tropeçava e pedia
ajuda com algumas "palavras engraçadas" — mas, quando o livro acabou,
ela havia nos contado uma história sobre um urso na neve.
A comunicação verbal é uma das muitas razões pelas quais os
seres humanos se tornaram tão bem-sucedidos como espécie. Desde alertar uns aos
outros sobre perigos até comunicar informações complexas, nossa capacidade de falar tem
sido crucial.
Mas não são apenas os seres humanos e outros animais que
desenvolveram uma comunicação sofisticada. Muitas pessoas pensam nas plantas
como seres passivos, mas elas têm sua própria maneira de interagir umas com as
outras. Esta ideia já existe há algum tempo, tendo inspirado até mesmo filmes
de Hollywood, como Avatar.
Mas a ciência recente
está mostrando que os sistemas de comunicação das plantas podem ser mais
complexos do que imaginávamos.
Estas redes de comunicação são sensíveis e estão em
equilíbrio. Imagine o quão afetado nosso mundo seria se os sistemas de rede
global sofressem uma pane de repente.
Os recentes apagões
cibernéticos da CrowdStrike são apenas um exemplo de como estes
sistemas são delicados e de como a comunicação é importante — e este também é o
caso das plantas.
Para entender como organismos que não conseguem falar
transmitem informações uns aos outros, é importante compreender que os seres
humanos também têm um sistema de comunicação não verbal. Isso inclui nossos sentidos de
visão, olfato, audição, paladar e tato.
Por exemplo, as empresas de gás natural adicionam uma
substância química chamada mercaptano ao gás natural, dando a ele aquele cheiro
característico de "ovo podre" para nos alertar sobre vazamentos.
Pense também em como desenvolvemos a linguagem de sinais, enquanto muitas
pessoas são hábeis em leitura labial.
Além destes sentidos, também temos a equilibriocepção (a
capacidade de manter o equilíbrio e a postura corporal), a propriocepção (a
percepção da posição relativa e da força das partes do nosso corpo), a
termocepção (a sensação de mudanças de temperatura) e a nocicepção (a
capacidade de sentir dor). Todas estas habilidades permitiram que os seres
humanos se tornassem altamente sofisticados na comunicação e no envolvimento
com o mundo natural.
Outras espécies, particularmente as plantas, usam seus
sentidos para espalhar informações à sua própria maneira.
O que os vizinhos estão fazendo?
A maioria de nós está familiarizada com o cheiro de grama
recém-cortada. Os voláteis, ou substâncias químicas, liberados pela grama, que
associamos a este cheiro, são uma maneira de comunicar a outras plantas
próximas que um predador — ou, neste caso, um cortador de grama — está
presente, provocando um ajuste nas defesas das plantas.
Em vez de usar sinais auditivos, as plantas utilizam uma
comunicação induzida por substâncias químicas. Mas a comunicação das plantas
não se restringe aos voláteis.
Recentemente, cientistas descobriram quão bem conectadas as
plantas são — e com que eficiência são capazes de enviar mensagens para seus
pares por meio de suas raízes, sinais elétricos, uma rede subterrânea de fungos
e micróbios do solo. O sistema de patrulha da vizinhança das plantas foi
descoberto.
Por exemplo, a eletrofisiologia é uma área científica
relativamente nova que estuda como os sinais elétricos dentro e entre as
plantas são comunicados e interpretados.
Com os grandes avanços no setor de tecnologia e inteligência
artificial (IA), observamos um crescimento acelerado e significativo
nesta área de pesquisa nos últimos anos.
Os cientistas podem estar prestes a fazer descobertas
notáveis, com avanços recentes que integram a comunicação de sinais elétricos
dentro e entre as plantas em estufas modernas para monitorar e controlar a
irrigação de plantações ou detectar deficiências nutricionais.
Os cientistas conseguem isso inserindo pequenas sondas
elétricas, semelhantes a agulhas de acupuntura, para testar como mudanças nos
sinais elétricos se relacionam com o desempenho da planta, como o transporte de
água, nutrientes e a conversão de luz em açúcares importantes.
Os pesquisadores chegaram a influenciar o comportamento das
plantas enviando sinais elétricos a partir de telefones celulares, fazendo com
que elas executassem respostas básicas, como abrir ou fechar as folhas em uma
planta carnívora.
Em breve, poderemos ser capazes de traduzir completamente a
linguagem das nossas plantas.
Grande parte da comunicação entre as plantas acontece no
subsolo, facilitada por grandes redes de
fungos conhecidas como "wood wide web" — "rede
global florestal", em tradução livre, uma analogia à world wide web (www),
a rede digital que permite usufruir do conteúdo transferido pela internet.
Esta rede de fungos conecta árvores e plantas no subsolo,
permitindo que compartilhem recursos como água, nutrientes e informações. Por
meio deste sistema, árvores mais velhas podem ajudar as mais novas a crescer, e
as árvores podem avisar umas às outras sobre ameaças, como pragas.
É como uma internet subterrânea para árvores e plantas,
ajudando-as a se apoiar e se comunicar umas com as outras. A rede é extensa —
acredita-se que mais de 80% das plantas estejam conectadas —, o que faz dela um
dos sistemas de comunicação mais antigos do mundo.
Assim como a internet nos permite conectar, compartilhar
ideias, conhecimento e informações que podem influenciar a tomada de decisões,
a wood wide web permite que as plantas usem fungos simbióticos
para se preparar para as mudanças ambientais.
No entanto, perturbar o solo por meio do uso de produtos
químicos, do desmatamento ou das mudanças climáticas pode
interromper os nós de comunicação, ao afetar os ciclos de água e nutrientes
nessas redes, tornando as plantas menos informadas e conectadas. Ainda não
foram realizadas muitas pesquisas sobre os efeitos da interrupção dessas redes.
Mas sabemos que o comportamento responsivo das plantas, como
as respostas de defesa e a regulação dos genes, pode ser alterado por sua rede
de fungos se elas estiverem conectadas a uma.
Portanto, esta desconexão da comunicação pode torná-las mais
vulneráveis, dificultando a proteção e a restauração de ecossistemas ao redor
do mundo. Ainda há muita coisa que os cientistas precisam aprender sobre essas
redes altamente complexas.
Sabemos que é importante ajudar as crianças a aprender a ler
para que elas possam navegar pelo mundo ao seu redor. Isso é tão importante
quanto garantir que não desconectemos a comunicação das plantas. Afinal,
dependemos das plantas para nosso bem-estar e sobrevivência.
* Sven Batke é chefe do departamento de pesquisa e
intercâmbio de conhecimento e professor de ciência botânica na Universidade
Edge Hill, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de
notícias acadêmicas The
Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative
Commons. Leia
aqui a versão original (em inglês).
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