Cardeal Tempesta publica nova Carta Pastoral por ocasião do Jubileu de 2025
Com a Carta Pastoral: "Missão, Esperança e Paz",
por ocasião do Ano Santo de 2025 - “Peregrinos da Esperança”, cardeal Tempesta
institui também na Arquidiocese do Rio de Janeiro o Ministério de Catequistas.
Carlos Moioli – Arquidiocese do Rio de Janeiro
O arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, Cardeal
Orani João Tempesta, assinou uma nova Carta Pastoral: "Missão, Esperança e
Paz", por ocasião do Ano Santo de 2025 - “Peregrinos da Esperança”.
A assinatura ocorreu às vésperas do Dia Mundial das Missões, no dia 19 de
outubro de 2024, na Catedral Metropolitana de São Sebastião, no Centro, no
final da celebração eucarística da 40ª Assembleia Arquidiocesana da Iniciação à
Vida Cristã.
Na mesma celebração, foi instalado o Ministério de Catequistas na Arquidiocese
do Rio de Janeiro e a instituição da primeira turma, com 80 catequistas,
representantes dos 12 vicariatos da arquidiocese.
Carta Pastoral
Na nova Carta Pastoral, assinada às vésperas do Dia Mundial
das Missões, Dom Orani aborda a proclamação de um novo jubileu ordinário pelo
Papa Francisco, em 2025, como o tema "Peregrinos da Esperança", os
jubileus na Bíblia, na história da Igreja, peregrinações, indulgências
jubilares e o Jubileu de 2025 em Roma.
Também destaca a realização do jubileu na arquidiocese, a abertura do Ano
Santo, as celebrações jubilares dos vicariatos com o arcebispo, a celebração
arquidiocesana e o jubileu no Regional Leste 1 da CNBB.
A Carta Pastoral sublinha a missão dos meios de comunicação no Ano Santo, o
encerramento e, por fim, sobre o Jubileu e a paz: tempo de reconstrução da
unidade no Rio de Janeiro - Deus habita esta cidade, e legado do jubileu.
MISSÃO, ESPERANÇA E PAZ
Carta Pastoral do Cardeal
Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio
de Janeiro
por ocasião do Ano Santo de 2025
“Peregrinos da Esperança”
20 de outubro de 2024
Dia Mundial das Missões.
Um novo jubileu foi proclamado
1.
A cada 25 anos a Igreja proclama o Ano Santo ordinário. Por isso, em carta
datada de 11 de fevereiro de 2022, o Papa Francisco anunciou para toda a Igreja
o lema que brotou do seu coração para este Jubileu Ordinário em 2025:
Peregrinos da Esperança. A partir da meditação dessa importante virtude
teologal, o Santo Padre indica que o jubileu “poderá favorecer imensamente a
recomposição de um clima de esperança e confiança, como sinal de um renovado
renascimento do qual todos sentimos a urgência.”[1]
De fato a proclamação de jubileus e anos santos na Igreja sempre teve a
motivação de recordar aos cristãos que devemos continuamente manifestar ao
mundo “a razão da nossa esperança” (cf. 1Pd 3, 15), levando a palavra do amor e
da alegria que brota do evangelho de Jesus Cristo.
2.
Também nós, atendendo ao convite do Santo Padre, iremos celebrar solenemente o
jubileu, tanto indo nas peregrinações a Roma como também em nossa Arquidiocese.
Estamos em um mês pleno de sentido, comemorações, celebrações solenes. Nesta
ocasião, depois de celebrarmos tantas festas marianas (Rosário, Aparecida,
Nazaré) e estando celebrando N. Sra. da Penha quisemos também escrever esta
carta da celebração jubilar com as orientações e determinações próprias para
nossa Arquidiocese. Rezemos para que ela nos leve a ser cada vez mais uma
igreja que semeie esperança nesta grande cidade.
3.
Nestes últimos tempos a Igreja tem compreendido que sua atividade pastoral e
missionária deve empenhar-se em avivar a esperança no coração dos fiéis e do
mundo inteiro. Com este fim, escrevemos em 2015 uma carta pastoral intitulada
“A Esperança não decepciona”, ocasião em que a Arquidiocese vivia o Ano da
Esperança como proposta e referência evangelizadora para o Rio de Janeiro em
seu 11º Plano de Pastoral. Em 2024, uma outra carta pastoral “Peregrinos de
Esperança e construtores da paz” foi escrita para celebrar o 15º ano de nossa
posse como Arcebispo Metropolitano.
4.
Ainda ressoam em nossos corações os momentos fortes do Jubileu Extraordinário
da Misericórdia, quando fomos convidados a ser “misericordiosos como o Pai” (Lc
6, 36), refletindo o rosto de Jesus Cristo para tantos irmãos sofredores. A
experiência das várias portas santas abertas em nossa Arquidiocese, em que
diversos grupos puderam fazer peregrinações para lucrar a indulgência jubilar,
foi um belo testemunho de unidade e fé, através das diversas atividades e
eventos organizados nas paróquias, movimentos e pastorais para a vivência das
obras de misericórdia. Também o Grande Jubileu do ano 2000, aberto por São João
Paulo II, foi um momento enriquecedor que preparou todo o mundo cristão para o
início do novo milênio e para os desafios que o mesmo apresenta. Poderíamos
ainda destacar outras comemorações jubilares que marcaram o século passado,
como o Jubileu Extraordinário da Redenção, em 1983; o Jubileu de 1975, dedicado
pelo Papa Paulo VI ao tema da reconciliação; e o Jubileu de 1950, no qual o
Papa Pio XII proclamou o dogma da Assunção da Virgem Maria.
5.
A proclamação do novo jubileu a ser celebrado em 2025 é uma oportunidade para
que o povo cristão reflita acerca do momento histórico que vivemos. Nesses dias
pós-pandêmicos, marcados por conflitos e guerras, bem como por polarizações no
âmbito social e político, mostrar que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5) é
um ato profético, um gesto de caridade para com uma humanidade ferida e marcada
pela divisão e pelas situações difíceis de cada dia.
6.
É nesse espírito de comunhão com toda a Igreja universal que me dirijo a vós,
caríssimos irmãos e irmãs desta arquidiocese, que a cada dia buscam anunciar
Jesus Cristo em meio a esta grande cidade. “Deus habita esta cidade” (cf. Sl
47,9, versão da Liturgia das Horas) e é necessário desvelar o rosto de Deus
presente em nosso meio. É nosso desejo que o jubileu convocado pelo Papa
Francisco seja um tempo fecundo para que cada fiel, nas diversas paróquias,
capelas e comunidades espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro, viva essa
oportunidade de fé, caminhando em meio às vicissitudes como “peregrinos da
esperança. ”
O Jubileu na Bíblia
7.
A origem mais remota das celebrações jubilares se encontra no texto
veterotestamentário da Sagrada Escritura, mais precisamente no capítulo 25 do
Livro de Levítico, o livro dos filhos de Levi, portanto, dos sacerdotes: um
livro cerimonial que regulamentava minuciosa e meticulosamente os rituais do
Templo de Jerusalém. Nele se encontra o termo jobel que, de
acordo com análise do Cardeal biblista Gianfrancesco Ravasi, significava
originalmente a celebração de um ano jubilar que começava solenemente em uma
data específica e ao som da trombeta, e cujo eco, vindo de Jerusalém, rasgava o
ar e se disseminava anunciando a celebração ritual de um tempo próprio, em
conexão com a solenidade do Yôm Kippur, isto é, da expiação pelo
pecado de Israel. Para este autor, o termo amplia a compreensão do Jubileu. Ele
passava a ser visto não apenas como um tempo de celebração ritual, mas também
como um período de reflexão ética, moral e existencial, incluindo, por exemplo,
o perdão de dívidas e a libertação de escravos. Assim, houve uma evolução
conceitual do jobel, de um ato meramente litúrgico para uma
experiência com implicações ético-sociais. Desse modo, as celebrações jubilares
passaram a ser marcadas por três dimensões essenciais: o repouso da terra, o
perdão das dívidas e a libertação dos escravos. Aprofundemos, portanto, a
análise deste termo e a sua compreensão na Escritura.
8.
O termo “jubileu” provém do latim jubilaeus que, por sua vez,
tem origem no termo hebraico yobel. Este termo aparece 27 vezes na
Bíblia Hebraica, a qual corresponde parcialmente ao nosso Antigo Testamento.
Nestas ocorrências ele pode indicar duas coisas: o chifre do carneiro utilizado
como um instrumento musical (Ex 19,13) ou o “ano jubilar” (Lv 25; 27,16-25). O
termo yobel conecta-se à raiz hebraica do verbo yabal,
que significa “levar, conduzir” e que aparece em alguns textos do Antigo Testamento,
como o Sl 45,15.16; 108,11 e Jr 31,9. Particularmente significativo é o uso da
raiz em Jr 31,9, onde Deus anuncia, pela boca do profeta, um tempo de
libertação: “Em lágrimas eles voltam, em súplicas eu os trago de volta.
Vou conduzi-los às torrentes de água, por um caminho reto, em que não
tropeçarão. Porque eu sou um pai para Israel e Efraim é o meu primogênito”. Porque
Deus é “um pai”, Ele não permitirá que o seu povo permaneça para sempre em uma
situação difícil, mas os “trará de volta” (yabal).
9.
O jubileu, no AT, tem muito a ver com este “trazer de volta”. O texto base para
compreendê-lo é Lv 25, que pode ser dividido em três partes: nos vv. 2-22 o
Jubileu é apresentado em estreita relação com o ano sabático e com o próprio
sábado; nos vv. 23-34 apresenta-se o resgate das propriedades; por fim, nos vv.
35-55 fala-se do resgate das pessoas. Vejamos o sentido teológico de cada uma
dessas partes.
10.
Nos vv. 2-22 o autor sagrado começa apresentando a lei do repouso sabático da
terra. Assim como o sétimo dia devia ser consagrado a Deus, para o descanso, o
louvor e a contemplação das suas obras, assim também a terra deveria descansar.
O preceito do repouso sabático semanal encontra-se em Ex 20,8-11 e em Dt
5,12-15 com acentos teológicos próprios em cada um dos textos.
11.
Em Ex 20,8-11 a motivação para o repouso sabático é a necessidade de se fazer
memória da criação: “Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o
mar e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia; por isso o Senhor
abençoou o dia do sábado e o santificou” (Ex 20,11). Se o ser humano
não faz uma pausa para contemplar a obra da criação e para percebê-la como
sinal do amor e da generosidade de Deus que tudo nos deu, ele perde o sentido
da própria existência. Absorvido pelo tempo, apenas produz, olhando sempre para
o que é terreno, sem alçar seus olhos para o que está além, para Deus, que tudo
criou por amor e para a alegria do homem, obra de suas mãos (Gn 2,8).
12.
Em Dt 5,12-15, a motivação para o repouso sabático é a memória do êxodo, por
isso até mesmo o escravo e a escrava deveriam ter direito a este repouso: “Recorda-te
que foste escravo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te fez sair de lá
com mão forte e braço estendido. É por isso que o Senhor teu Deus te ordenou
guardar o dia de sábado” (Dt 5,15). O sábado é, pois, para o judeu
piedoso, memória da criação e memória do êxodo, duas realidades que se reclamam
mutuamente. Deus “criou” o mundo e tudo o que há nele e “criou” também Israel,
a partir do êxodo, para que ele fosse o receptor primeiro da mensagem
salvífica, ou seja, para que, sendo seu povo, reconhecesse que a criação é obra
das mãos de Deus, fruto da sua bondade, tal como foi a libertação e a criação
do seu povo, a partir do êxodo do Egito.
13.
Segundo Lv 25,2-22, também a terra deverá gozar de um sábado. No sétimo ano a
terra deverá repousar. Israel deverá reviver a experiência do deserto, onde
experimentou a providência de Deus que tudo lhes dava mesmo sem que tivessem
que plantar ou colher. Eles deverão usufruir do fruto da terra vivendo um
grande ano de “repouso”. A partir do v. 8 é anunciado propriamente o “jubileu”.
Este será celebrado a cada “sete semanas de anos”. Depois de sete anos
sabáticos consecutivos, será celebrado um grande ano sabático, chamado de
“jubileu”, que deverá começar com o toque da trombeta no Dia das
Expiações: “No sétimo mês, no décimo dia do mês, farás vibrar o toque
da trombeta; no dia das Expiações, fareis soar a trombeta em todo o país.
Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis da libertação de todos os
moradores da terra. Será para vós um jubileu... (Lv 25,9-10).
14.
A segunda parte do v. 10 e o v. 11 trazem já dois temas que serão desenvolvidos
na continuação de Lv 25: o jubileu como libertação dos cativos (v. 10) e como
tempo de remissão das dívidas e devolução das propriedades (v. 13).
Enfatiza-se, contudo, no conjunto dos vv. 2-22 a ligação do jubileu com o ano
sabático. Sem semear e fazer a colheita usual, cada um deve colher e comer,
livremente, o produto dos campos. Esta primeira parte de Lv 25, como também as
duas outras que se seguirão, termina com uma motivação teológica: Deus
abençoará o sexto ano, fazendo com que a colheita produzida nesse ano os
alimente pelo sétimo, oitavo e nono ano. Assim, também no ano jubilar, onde por
dois anos consecutivos não se haveria de plantar nem de colher sistematicamente,
pois ao sétimo ano sabático se seguiria o ano jubilar, o povo teria seu estoque
de alimentos garantido pelo Senhor.
15.
A bênção do Senhor é a garantia que os israelitas têm de que podem observar
suas normas, pondo n’Ele, e não simplesmente no trabalho de suas mãos, a sua
segurança: “eu estabeleço a minha bênção no que colherdes no sexto ano,
de modo que vos garanta produtos por três anos” (Lv 25,21). Tanto o
ano sabático quanto o ano jubilar servem, sobretudo, para demonstrar a Israel
que não é tanto pela força do seu trabalho que os campos produzem, ainda que
este trabalho seja fundamental. Eles devem compreender que é a ação de Deus,
verdadeiro senhor dos campos e do povo, que faz tudo crescer e prosperar,
conforme nos recorda o Salmo 65,10-12: “Visitaste a terra e a
inebriaste; multiplicaste a sua abundância. O rio de Deus está cheio de água;
providenciaste o trigo deles, pois assim preparaste a terra: irrigaste os seus
sulcos, aplanaste seus torrões, com as chuvas a amoleceste, abençoaste os seus
brotos. Coroaste o ano com a tua benignidade, os teus passos destilam
fertilidade”.
16.
Em Lv 25,23-34 apresenta-se o jubileu como o tempo do resgate das propriedades.
Um importante enunciado abre esta seção de Lv 25: “A terra não será
vendida perpetuamente, pois a terra me pertence e vós sois para mim
estrangeiros e hóspedes” (Lv 25,23). Este é o princípio geral que
norteia toda a lei concernente ao resgate das propriedades no ano jubilar. A
terra é dom de Deus ao povo. Eles a “conquistaram”, mas não pela força das
armas e sim, pela ação do Senhor. Os emblemáticos episódios de conquistas das
cidades cananeias no livro de Josué são apresentados mais como ações do Senhor
do que como grandes estratégias de guerra e conquista. Para confirmar isto,
basta ler Js 6, onde as muralhas de Jericó caem ao som das trombetas tocadas
por ordem divina. Já antes, em Ex 17, o povo vence a guerra contra os
amalecitas somente porque Moisés, o servo de Deus, mantém seus braços
estendidos em oração, os quais são sustentados assim por Aarão e Hur (Ex
17,11-13).
17.
Além de servir para que o povo tivesse uma consciência viva de que a terra lhes
fora dada por Deus como dom, tal lei também servia para que se mantivesse um
estilo de vida relativamente igualitário na terra. Em virtude de dívidas,
alguém poderia ter que vender sua propriedade. Contudo, isso não podia ocorrer
de modo absoluto. Se assim o fosse, seria possível que, em Israel, logo se
estabelecesse uma sociedade extremamente desigual, com grandes acúmulos de
terra nas mãos de poucos e uma grande população de israelitas vivendo sob seu
jugo. Seria uma situação de grande dureza, em certa medida bastante parecida
com a que Israel vivera no Egito. Deus não poderia permitir que o seu povo,
liberto para servi-lo, vivesse em tais condições.
18.
Alguns textos nos ajudam a elucidar a situação de acúmulo indevido acontecida
em Israel. Podemos aludir a dois deles. O primeiro seria Is 5,8: “Ai
dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja
mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra”. O
profeta critica duramente os que acumulam sempre mais, tornando-se “os únicos
moradores da terra”. Se a terra pertence a Deus e se Ele a deu para o povo, não
faz sentido que, com o passar do tempo, somente alguns dentre o povo possam se
outorgar o direito de verdadeiros proprietários. O “verdadeiro proprietário” é
Deus, os outros todos são “estrangeiros e hóspedes” (Lv 25,23). Um segundo
texto é o que nos fala da disputa entre Acab e Nabot (1Rs 21). Significativa é
a resposta de Nabot de Jezrael ao rei Acab: “O Senhor me livre de
ceder-te a herança dos meus pais” (1Rs 21,3). Mesmo diante de um
pedido do rei, Nabot não cede. Quem lhe confiscará a propriedade às custas de
mentiras será a rainha Jezabel, uma estrangeira na corte israelita. A resposta
de Nabot demonstra sua clara consciência acerca da importância de preservar a
herança paterna, a terra, uma vez que, retrocedendo às origens do povo, esta
lhes foi dada como dom das mãos do próprio Deus, por meio de Josué, encarregado
de reparti-la entre as tribos. Diante desse quadro, Lv 25,23-34 previa a
possibilidade de resgate dos campos, ainda fora do ano jubilar. Previa ainda
que, independentemente da possibilidade de um resgate, os mesmos voltassem aos
seus primeiros proprietários no ano do jubileu.
19.
A última parte desse texto está nos vv. 35-55, que fala do resgate de pessoas.
No Antigo Oriente Próximo, de modo geral, e também em Israel, era possível que
alguém contraísse uma dívida tão alta que tivesse que vender a si mesmo como
escravo até pagá-la totalmente. Algumas vezes, a família toda poderia ficar em
tal situação. Em Israel, previa-se o resgate e a libertação dessas pessoas. Não
somente Lv 25,35-55, mas também os livros do Êxodo (Ex 21,2-11) e do
Deuteronômio (Dt 15,12-18) falam disso.
20.
Do modo como é formulada em Ex 21,2-11, a lei concernente à liberação dos
escravizados por dívidas preocupa-se com questões familiares, e com a
possibilidade de que o escravo que contraiu matrimônio não tenha que se separar
da sua família. O texto trata também de uma mulher hebreia, vendida como
escrava, que não poderá ser vendida a estrangeiros caso não agrade mais a seu
patrão. O texto se preocupa, ainda, em garantir seus direitos matrimoniais,
caso ela seja tomada como esposa pelo patrão ou por seu filho.
21.
No texto paralelo de Dt 15,12-18, o escravo é chamado de “irmão”. Neste texto
se prevê uma “indenização” para o escravo ou a escrava (Dt 15,13-14) quando da
sua libertação. Esta versão da lei no livro do Deuteronômio parece ser mais
elaborada teologicamente: menciona-se três vezes o nome de Deus (15,14.15.18);
fala-se duas vezes de bênção (15,14.18) e remete-se à experiência do Êxodo
(15,15).
22.
Em se tratando de Lv 23,35-55, pode-se admitir uma relação tanto com Ex 21,2-11
quanto com Dt 15,12-18, mas não um forte vínculo com nenhum desses dois textos,
pois ele possui características muito particulares. Embora o texto recorde aos
israelitas que o endividado é um “irmão”, como o faz o paralelo em
Deuteronômio, a escravidão é quase que abolida, já que Lv 25,39-40 afirma que
não se deve impor sobre este um trabalho escravo, mas sim que ele deve ser
tratado como um “estrangeiro” ou “hóspede”. A motivação teológica está no final
de Lv 25: “Pois é de mim que os filhos de Israel são servos; são servos
meus que fiz sair da terra do Egito. Eu sou o Senhor, vosso Deus (Lv
25,55). Assim como a terra não pode ser vendida perpetuamente porque é
propriedade de Deus, assim também nenhum israelita endividado poderá ser para
sempre submetido ao trabalho servil. Se não for resgatado, será liberto no ano
do jubileu, quando as dívidas serão, assim, definitivamente remidas. Nesse
aspecto, a lei do jubileu garante que nenhum israelita retornará à condição que
tinha antes de ter sido libertado do Egito pelo Senhor. A memória da Páscoa
aparece fortemente como pano de fundo de Lv 25.
23.
Alguns autores concordam em ver na lei concernente ao jubileu uma certa
dimensão escatológica. Embora não se negue que ela tenha sido aplicada em
Israel, no todo ou em parte, percebe-se que sua execução plena remeteria a um
momento ideal: o da redenção definitiva de Israel. O texto de Is 61 parece
apontar nessa direção. O “profeta” por detrás desse capítulo compreende-se como
aquele que veio inaugurar um “grande jubileu”. Aqui não se utiliza o
termo yobel, mas fala-se de um “ano aceitável” a Deus, onde os
homens serão interna e externamente renovados, pois ele vem para curar os de
“coração quebrantado” e para anunciar a “libertação aos cativos”. O termo aqui
traduzido como “libertação” é o termo hebraico derôr, o mesmo que
ocorre em Lv 25,10, onde se fala do ano jubilar como o tempo da “libertação [derôr] de
todos os moradores da terra”.
24.
Este “ano aceitável”, este “jubileu”, este tempo de “libertação e graça” foi
inaugurado por Cristo na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-30). Quando vai à sua
cidade Natal, Jesus entra na sinagoga em dia de sábado e faz a leitura de Is
61,1-2. Este trecho estava associado ao dia das Expiações, que marcava o início
do ano jubilar. Nada é dito em Lucas que nos faça presumir que se tratava de
tais comemorações. Poderia ser um sábado comum, mas que perde o seu caráter de
um simples sábado para se tornar a proclamação feita, pelo próprio Cristo, do
“verdadeiro jubileu”. Nele cumpre-se aquela Escritura que ele acabara de ler
(Lc 4,21). Tudo o que concernia ao jubileu da Antiga Aliança é assumido,
ressignificado e elevado à plenitude em Jesus de Nazaré. Ele veio para romper
todas as cadeias e para fazer com que os homens vivam já hoje este tempo de
graça e renovação.
25. Ao fazer referência ao “ano da graça do Senhor”, Jesus sintetizava a sua missão salvífica, apresentando-a como a própria missão da Igreja: a evangelização dos pobres, isto é, o anúncio da “boa notícia” de Deus aos que se despojam; a libertação dos presos das amarras da injustiça e do egoísmo; a recuperação da vista aos cegos, retirando da escuridão do desespero e da aflição aqueles que viviam à margem da salvação; e, por fim, a libertação dos sofrimentos e males que oprimem não somente o corpo, mas o espírito. A primeira comunidade cristã parece ter compreendido tal ensinamento, que se refletia em seu modo de viver (At 2,42-47; At 4,32-35).
____________
1. Toda a língua, povo e
nação, tua luz encontra na Palavra. / Os teus filhos, frágeis e dispersos se
reúnem no teu Filho amado.
Com afetuosa bênção,
São Sebastião do Rio de Janeiro,
20 de outubro de 2024.
Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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