Cardeal You: ainda vale a pena ser padre, somos chamados
a ser felizes
22 de abril de 2024
L’Osservatore Romano conversa com o prefeito do Dicastério
para o Clero em vista do Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que será
celebrado no domingo, 21 de abril
Em vista do Dia Mundial de Oração pelas Vocações, no
domingo, 21 de abril, o L’Osservatore Romano fez algumas
perguntas ao cardeal prefeito do Dicastério para o Clero, Lazarus You
Heung-sik.
O que é uma vocação?
Antes de pensar em qualquer aspecto religioso ou espiritual,
eu diria o seguinte: a vocação é essencialmente o chamado para ser feliz, para
tomar a vida em suas próprias mãos, para realizá-la plenamente e não
desperdiçá-la. Esse é o primeiro desejo que Deus tem para cada homem e mulher,
para cada um de nós: que nossa vida não se apague, que não seja desperdiçada,
que brilhe em sua melhor forma. E, por isso, Ele se fez próximo em Seu Filho
Jesus e quer nos atrair para o abraço de Seu amor; assim, graças ao Batismo,
nos tornamos parte ativa dessa história de amor e, quando nos sentimos amados e
acompanhados, nossa existência se torna um caminho para a felicidade, para uma
vida sem fim. Um caminho que se encarna e se realiza em uma escolha de vida, em
uma missão específica e em muitas situações cotidianas.
Mas como se reconhece uma vocação e qual é a sua relação
com os desejos?
Sobre esse assunto, a rica tradição da Igreja e a sabedoria
da espiritualidade cristã têm muito a nos ensinar. Para sermos felizes – e a
felicidade é a primeira vocação compartilhada por todos os seres humanos – é
necessário que não cometamos erros em nossas escolhas de vida, pelo menos as
fundamentais. E os primeiros sinais de trânsito a serem seguidos são justamente
nossos desejos, o que sentimos em nosso coração ser bom para nós e, por meio de
nós, para o mundo ao nosso redor. No entanto, todos os dias experimentamos como
nos enganamos, porque nossos desejos nem sempre correspondem à verdade de quem
somos; pode acontecer que sejam fruto de uma visão parcial, que surjam de
feridas ou frustrações, que sejam ditados por uma busca egoísta de nosso
próprio bem-estar ou, ademais, às vezes chamamos de desejos o que na realidade
são ilusões. Então é necessário discernimento, que é basicamente a arte
espiritual de entender, com a graça de Deus, o que devemos escolher em nossa
vida. O discernimento só é possível se ouvirmos a nós mesmos e ouvirmos a
presença de Deus em nós, superando a tentação muito atual de fazer com que
nossos sentimentos coincidam com a verdade absoluta. É por isso que o Papa
Francisco, no início das catequeses de quarta-feira dedicadas ao discernimento,
nos convidou a enfrentar o esforço de cavar dentro de nós mesmos e, ao mesmo
tempo, não esquecer a presença de Deus em nossas vidas. Eis que uma vocação é
reconhecida quando colocamos nossos desejos profundos em diálogo com o trabalho
que a graça de Deus realiza em nós; graças a esse confronto, a noite de dúvidas
e questionamentos vai se dissipando e o Senhor nos faz entender qual caminho
seguir.
Esse diálogo entre as dimensões humana e espiritual está
cada vez mais no centro da formação dos sacerdotes. Em que ponto estamos?
Esse diálogo é necessário e, às vezes, talvez o tenhamos
negligenciado. Não devemos correr o risco de pensar que o aspecto espiritual
pode se desenvolver separadamente do aspecto humano, atribuindo assim uma
espécie de “poder mágico” à graça de Deus. Deus se fez carne e, portanto, a
vocação para a qual nos chama está sempre encarnada em nossa natureza humana. O
mundo, a sociedade e a Igreja precisam de sacerdotes que sejam profundamente
humanos, cuja característica espiritual possa ser resumida no mesmo estilo de
Jesus: não uma espiritualidade que nos separe dos outros ou que nos torne
mestres frios de uma verdade abstrata, mas a capacidade de encarnar a
proximidade de Deus com a humanidade, Seu amor por cada criatura, Sua compaixão
por qualquer pessoa marcada pelas feridas da vida. Isso requer pessoas que,
embora frágeis como todo mundo, em sua fragilidade tenham maturidade
psicológica suficiente, serenidade interior e equilíbrio afetivo.
São muitos, entretanto, os sacerdotes que passam por
situações de dificuldade e sofrimento. O que o senhor pensa sobre isso?
Antes de mais nada, sinto-me muito tocado com isso. Dediquei
quase toda a minha vida ao cuidado da formação sacerdotal, ao acompanhamento e
à proximidade com os sacerdotes. Hoje, como prefeito do Dicastério para o
Clero, sinto-me ainda mais próximo dos sacerdotes, de suas esperanças e de suas
fadigas. Não faltam elementos de preocupação, pois em muitas partes do mundo há
um verdadeiro mal-estar na vida dos sacerdotes. Os aspectos da crise são
muitos, mas penso que, em primeiro lugar, precisamos de uma reflexão eclesial
em duas frentes. Primeiro: precisamos repensar nossa maneira de ser Igreja e de
viver a missão cristã, na cooperação efetiva de todos os batizados, porque os
padres muitas vezes estão sobrecarregados, com as mesmas tarefas – não apenas
pastorais, mas também jurídicas e administrativas – de muitos anos atrás,
quando eram efetivamente mais numerosos. Em segundo lugar, é preciso rever o
perfil do sacerdote diocesano, porque, mesmo não sendo chamado à vida
religiosa, ele deve redescobrir o valor sacramental da fraternidade, de
sentir-se em casa no presbitério, junto com o bispo, os irmãos sacerdotes e os
fiéis, porque, especialmente nas dificuldades de hoje, essa pertença pode
sustentá-lo no serviço pastoral e acompanhá-lo quando a solidão se torna
pesada. No entanto, há necessidade de uma nova mentalidade e de novos caminhos
de formação, porque muitas vezes um sacerdote é educado para ser um líder
solitário, um “só homem no comando”, e isso não é bom. Somos pequenos e cheios
de limitações, mas somos discípulos do Mestre. Movidos por Ele, podemos fazer
muitas coisas. Não individualmente, mas juntos, sinodalmente. “Discípulos
missionários – repete o Santo Padre – se pode ser somente juntos”.
Os sacerdotes estão “equipados” para enfrentar a cultura
de hoje?
Esse é um dos principais desafios que enfrentamos hoje,
tanto na formação inicial quanto na permanente. Não podemos ficar fechados em
formas sagradas e fazer do padre um mero administrador de ritos religiosos;
hoje estamos vivendo um tempo marcado por muitas crises globais, com certos
riscos ligados ao crescimento da violência, da guerra, da poluição ambiental,
da crise econômica, tudo isso que repercute na vida das pessoas em termos de
insegurança, angústia, medo do futuro. E há uma grande necessidade de sacerdotes
e leigos capazes de levar a alegria do Evangelho a todos, como profecia de um
mundo novo e uma bússola de orientação no caminho da vida. Sempre se é um
discípulo, mesmo quando se é diácono, padre ou bispo há muitos anos. E o
discípulo sempre tem de aprender com o único Mestre, que é Jesus.
Mas, a seu ver, ainda vale a pena se tornar um padre
hoje?
Apesar de tudo, sempre vale a pena seguir o Senhor nesse
caminho, deixar-se seduzir por Ele, dedicar a vida ao Seu projeto. Podemos
olhar para Maria, essa jovem donzela de Nazaré que, embora surpresa com o
anúncio do anjo, escolheu arriscar a fascinante aventura do chamado,
tornando-se Mãe de Deus e Mãe da humanidade. Com o Senhor, nada está perdido! E
eu gostaria de dizer uma palavra a todos os sacerdotes, especialmente àqueles
que estão desanimados ou feridos no momento: o Senhor nunca quebra Sua promessa.
Se Ele o chamou, não lhe faltará a ternura de Seu amor, a luz do Espírito, a
alegria do coração. De diferentes modos, Ele se manifestará em sua vida de
sacerdote. Gostaria que essa esperança chegasse aos padres, diáconos e
seminaristas de todas as partes do mundo, para confortá-los e encorajá-los. Não
estamos sozinhos, o Senhor está sempre conosco! E Ele quer que sejamos felizes!
Créditos:
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2024-04/cardeal-you-prefeito-clero-entrevista-monda-osservatore-romano.html
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