JESUS E BARTIMEU
Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira
Bispo da Prelazia do Marajó (PA)
O Evangelho do 30º domingo do Tempo Comum, Ano B, nos
oferece este encontro entre Jesus e o cego/mendigo Bartimeu.
Jesus saiu
O encontro de Bartimeu com Jesus somente foi possível porque
Jesus saiu de Jericó (cf. Mc 10, 46). Se Jesus tivesse ficado em casa, em
Jericó, o encontro de Bartimeu com Jesus não teria acontecido. Isto mostra a
importância de se viver de forma sempre mais intensa o nosso ser Igreja em
saída, como tantas vezes nos falou o Papa Francisco. Basta lembrarmos aqui o
que ele disse na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, nº 49: “Prefiro uma
Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma
Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias
seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro”. Encerrando o mês
missionário este evangelho do encontro de Bartimeu com Jesus nos interpela, nos
provoca. Deveremos nos perguntar: como estamos vivendo a dimensão missionária
de nosso batismo, de nossa crisma, de nossa vocação? Estamos ajudando a
fortalecer o trabalho missionário de nossa Comunidade, de nossa Paróquia e de
nossa Prelazia, Diocese, Arquidiocese? O mês missionário com o seu tema “com a
força do Espírito, testemunhas de Cristo” e com o seu lema “ide, convidai a
todos para o banquete” nos impulsionou para ser Igreja em estado permanente de
missão. Em sua Mensagem para o Dia Mundial das Missões 2024, nº 1, o Papa
Francisco nos diz: “não esqueçamos que todo o cristão é chamado a tomar parte
nesta missão universal com o seu testemunho evangélico em cada ambiente, para
que toda a Igreja saia continuamente com o seu Senhor e Mestre rumo às ‘saídas
dos caminhos’ do mundo atual”.
Bartimeu, cego e mendigo
Marcos faz questão de dizer o nome do cego, Bartimeu, sua
família, filho de Timeu e sua situação social: cego, mendigo e sentado à beira
do caminho (Mc 10, 46). Nós sabemos falar sobre quem são os empobrecidos,
excluídos, sua condição social. Sabemos os nomes, a situação das famílias e a
realidade social dos empobrecidos e excluídos que vivem nas áreas territoriais
onde estão nossas Comunidades e Paróquias?
Bartimeu e “Bartimeus”
Meditamos hoje sobre a história de Bartimeu do tempo de
Jesus. Conhecemos sua realidade social de exclusão (“sentado à beira do caminho
– Mc 10, 46). Mas não podemos ficar apenas meditando sobre o Bartimeu do
evangelho. Deveremos nos perguntar: quem são os “Bartimeus” de nossos tempos,
que estão em nossas cidades, vilas, assentamentos, em situação de rua? Quem são
os “cegos e mendigos” que estão em nossos dias à margem da sociedade, da
família, da Igreja?
O grito de Bartimeu
Marcos informa que o cego e mendigo Bartimeu ao ouvir dizer
que Jesus estava passando, começou a gritar (cf. Mc 10, 47). Bartimeu nos
ensina que precisamos ter coragem de gritar para que nossos direitos sejam
respeitados, preservados e recuperados. Os que vivem excluídos da sociedade,
muitas vezes, por causa de seus sofrimentos, não tem nem ânimo e nem coragem de
gritar, de reivindicar direitos. Acabam se “acostumando” com a situação em que
vivem e perdem a esperança de ver chegar dias melhores. Precisamos ser a voz
dos “Bartimeus” de nossos tempos; precisamos estar do lado deles para que
possam, também, ter coragem de lutar, de gritar para conquistarem seus direitos
e ter vida com abundância, desejo de Jesus (cf. Jo 10, 10). Nossa Igreja no
Brasil, desde 1995 realiza nas proximidades do 7 de setembro, o Grito dos
Excluídos e das Excluídas. Temos participado do Grito dos Excluídos de nossa
Paróquia, Comunidade? Desde 2017 somos chamados a viver o Dia Mundial dos
Pobres, a pedido do Papa Francisco, no domingo que antecede a Solenidade de
Cristo Rei. Estamos assumindo este apelo do Papa Francisco? Temos desde 2017
ajudado na reflexão e realização de ações de solidariedade junto aos
empobrecidos? Temos lido, meditado e divulgado a Mensagem que o Papa Francisco nos
envia a cada ano para o Dia Mundial dos Pobres? Temos apoiado as atividades da
Caritas, da Rede um Grito pela Vida, da CPT – Comissão Pastoral da Terra, do
CIMI – Conselho Indigenista Missionário, CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores
e das Pastorais Sociais (Saúde, Criança, Pessoa Idosa, Sobriedade, Carcerária,
Moradia, Operária, Ecologia Integral, Povo de Rua, Migrantes)? Em sua Mensagem
para o Dia Mundial dos Pobres 2024, nº 7, o Papa Francisco afirma: “O Dia Mundial dos Pobres tornou-se um compromisso na
agenda de cada comunidade eclesial. É uma oportunidade pastoral que não deve
ser subestimada, porque desafia cada fiel a escutar a oração dos pobres,
tomando consciência da sua presença e das suas necessidades. É uma ocasião propícia
para realizar iniciativas que ajudem concretamente os pobres, e, também, para
reconhecer e apoiar os numerosos voluntários que se dedicam com paixão aos mais
necessitados”. Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, nº 48, o Papa
Francisco afirma com muita clareza: “Hoje e sempre, ‘os pobres são os
destinatários privilegiados do Evangelho’, e a evangelização dirigida
gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem
rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os
deixemos jamais sozinhos!”.
Bartimeu e os que se incomodam com seu grito
Marcos relata que “muitos o repreendiam para que se calasse”
(Mc 10, 48). Mas Bartimeu não se intimidou, foi forte, resistente, resiliente e
gritou ainda mais forte (cf. Mc 10, 48). Também em nossos dias, são muitos, até
quem se diz crente, cristão e católico, que querem fazer calar a voz profética
da Igreja e o grito dos empobrecidos. Devemos nos inspirar no cego e mendigo
Bartimeu e não nos calarmos. Devemos sempre nos lembrar do que cantamos: “se
calarem a voz dos Profetas, as pedras falarão”, letra inspirada nas palavras de
Jesus no evangelho de Lucas 19, 40: “Se eles se calarem, as pedras falarão”.
Bartimeu não calou, não deixou que as pedras falassem. Nós, também, não podemos
nos calar. As pedras não precisam falar como disse Jesus. Somos nós, humanos,
que devemos falar, gritar, apoiar o grito dos “Bartimeus” de nossos dias.
Acolhamos a orientação do Papa Francisco na Exortação Apostólica Querida
Amazônia, nº 15: “faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência
social”. Não deixemos que calem a nossa voz em defesa da vida, da verdade, da
fraternidade, do bem comum, da natureza, dos empobrecidos. Façamos como
Bartimeu, gritemos mais ainda: queremos vida, queremos terra para nela
trabalhar e viver, queremos vacina para combater as doenças, queremos um
SUS com mais recursos, queremos a floresta em pé, queremos limpas as águas de
nossos rios, lagos e igarapés, queremos um trânsito seguro, queremos o fim do
tráfico de pessoas e da exploração sexual de crianças e adolescentes, queremos
mais educação de qualidade e gratuita, queremos mais respeitos aos Povos
indígenas e quilombolas com seus territórios e culturas, queremos mais
compromisso com a verdade, queremos alimentos de qualidade, sem venenos (sem
agrotóxicos)… E a lista pode continuar!
Jesus parou e deu atenção a Bartimeu
Marcos diz que “Jesus parou e disse chamai-o”, referindo-se
ao cego e mendigo Bartimeu (Mc 10, 49). Jesus parou, ouviu o grito de Bartimeu,
chamou-o para perto dele, para vir para o meio, inseriu, resgatou a sua
dignidade. E nós? Estamos prestando atenção ao grito dos empobrecidos e
marginalizados, aos “Bartimeus” de nossos dias? Ou eles estão aí jogados na
beira do caminho e são invisíveis a nós? Façamos nosso o pedido de Bartimeu
para Jesus: “Mestre, que eu veja!” (Mc 10, 51). Peçamos a Jesus que possamos
ver a nossa realidade, possamos ver os que precisam de nós, possamos fazer
nosso o grito dos empobrecidos e excluídos e vendo, a realidade de quem está
sofrendo, está abandono e excluído, possamos, como Jesus, dar atenção, ser
solidários, fazer o bem, devolver a dignidade e a alegria de viver. Na
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, nº 187, o Papa Francisco nos ensina:
“Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao
serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se
plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o
clamor do pobre e socorrê-lo” e no nº 193 ele nos diz: “Este imperativo de
ouvir o clamor dos pobres faz-se carne em nós, quando no mais íntimo de nós
mesmos nos comovemos à vista do sofrimento alheio”. Jesus em sua atenção e
cuidado com Bartimeu faz-se nosso Mestre para o serviço junto aos empobrecidos,
os que chegam até nós ou que, andando, nos encontramos com eles onde
estão.
Para concluir
Jesus sai e encontra o cego e mendigo Bartimeu. Dá atenção,
escuta, ouve seu pedido, realiza o que ele pediu. Seguindo este modelo de ser e
de agir, Jesus Servo e Bom Samaritano, queremos concluir trazendo esta outra
afirmação do Papa Francisco: “ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação
pelos pobres e pela justiça social” (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, nº
201).
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