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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

“Maior que teu coração”: contrição e reconciliação (1)

Combate, proximidade,  missão (Opus Dei)

“Maior que teu coração”: contrição e reconciliação

Só Deus é maior que nosso coração, e por isso só Ele pode curá-lo, reconciliá-lo até o fundo. Sexto artigo da série “Combate, proximidade, missão”.

10/09/2024

Parte do fascínio que Jesus provocava em seus contemporâneos devia-se à sua capacidade de curar o incurável. O Senhor atraía também muito interesse pelo caráter surpreendente de seus prodígios, pela força e originalidade de sua pregação, por sua simpatia e seu bom humor, porque aparecia como o Messias prometido nas Escrituras... mas muitos aproximavam-se dele sobretudo pela cura milagrosa de enfermos. Havia se espalhado a notícia de que leprosos, paralíticos, cegos, surdos-mudos ou pessoas com problemas de mobilidade, haviam sido curados graças às suas palavras e seus gestos.

Mas aquele misterioso médico curava os corpos também para mostrar um poder maior: curar as almas. Jesus reconcilia como só Deus poderia fazer: vem curar o fundo de nosso coração. “O que é mais fácil dizer: teus pecados estão perdoados, ou dizer: levanta-te e anda? Pois, para que saibais que o Filho do homem tem na terra poder de perdoar os pecados – disse ao paralítico – eu te digo: levanta-te, pega o leito e vai para casa” (Lc 5, 23-24). O que interessa ao Senhor, sobretudo, é curar nossa cegueira interior: aquela que nos impede de perceber tudo o que recebemos dele; quer curar nossa mudez, nossa incapacidade de nomear o mal que há em nós; a surdez que nos impede de ouvir a voz de Deus e as necessidades de nosso próximo; nossa paralisia para caminhar rumo ao que nos pode tornar verdadeiramente livres; ou a lepra que nos faz acreditar que somos indignos de um Deus que nunca se cansa de nos procurar. Cada momento da vida de Cristo, e em especial sua paixão e sua ressurreição, manifesta seu desejo de curar. A única coisa de que precisa é encontrar em nós esse mesmo desejo. A cura só é possível se não escondermos nossa ferida diante de quem tem o poder de curar.

Deus é maior que nosso coração

“Tudo vem de Deus, que, por Cristo, nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação”, escreve São Paulo aos de Corinto. “Com efeito, em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação” (2 Cor 5, 18-19). As primeiras comunidades cristãs, talvez pelo contraste com a dura lógica social que as rodeava, foram compreendendo que a reconciliação com Deus e com os outros era um dom que só podia vir do alto. Percebiam que nós não podemos “causar” o perdão de Deus com nossa penitência ou com nossos atos de reparação, mas podemos apenas aceitar com agradecimento o regalo gratuito – a “graça” – que ele nos oferece.

É fácil que, sem perceber, nos vejamos aplicando ao perdão de Deus a lógica de um perdão excessivamente humano. Para uma mentalidade estritamente legalista, o importante é o pagamento de uma sanção, a quantia que se deve reparar, o esforço por voltar a um equilíbrio anterior ao dano. Essa lógica, porém, precisamente com o desespero silencioso que ela pode gerar em quem não tem como reparar, é o que Jesus veio superar. “Repara que entranhas de misericórdia tem a justiça de Deus! – Porque, nos julgamentos humanos, castiga-se a quem confessa a sua culpa; e no divino perdoa-se”[1].

A primeira carta de São João também traz esta notícia consoladora, com palavras que podem nos encher de paz: “Aí está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar diante dele o nosso coração, pois, se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1 Jo 3, 19-20). Jesus diz muitas vezes que veio nos salvar e não nos condenar[2], mas mesmo assim podem surgir facilmente em nosso interior vozes que nos inquietam: a de uma esperança frágil, que convida a jogar a toalha, porque não acredita plenamente que Deus pode perdoar tudo; ou a de uma soberba que não suporta constatar mais uma vez a própria debilidade.

O Papa nos alenta a ir ao encontro dessas vozes: “Tu, irmã, irmão, se teus pecados te assustam, se teu passado te inquieta, se tuas feridas não cicatrizam, se tuas contínuas quedas te desmoralizam e parece que perdeste a esperança, por favor não temas. Deus conhece tuas debilidades e é maior que teus erros. Deus é maior que nossos pecados, muito maior. Pede apenas uma coisa: que não guardes dentro de ti tuas fragilidades, tuas misérias; mas que as leves a Ele, as coloques diante dele, e os motivos de desolação converter-se-ão em oportunidades de ressureição”[3].

Nesse mesmo sentido, São Josemaria convidava a prestar atenção aos personagens que se aproximam de Jesus, conscientes de não ter nenhuma possibilidade de pagar a fatura de sua cura, nem a física e nem a espiritual. Essa convicção abre-lhes, porém, as portas da verdadeira vida espiritual, o espaço da gratuidade, onde essa “graça” é o mais importante: “Talvez penses que os teus pecados são muitos, que o Senhor não poderá ouvir-te. Não é assim porque Ele tem entranhas de misericórdia (...). E observemos o que nos conta São Mateus, quando coloca um paralítico diante de Jesus. Aquele doente não faz nenhum comentário: fica ali simplesmente, na presença de Deus. E Cristo, comovido por essa contrição, por essa dor de quem sabe não merecer, não demora a reagir com a sua misericórdia habitual: Tem confiança, que te são perdoados os teus pecados[4].

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[1] São Josemaria, Caminho, n. 309

[2] Cfr. por exemplo Jo 3, 17; 12, 47.

[3] Francisco, Homilia, 25/03/2022.omilia HoH

[4] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 253

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/maior-que-teu-coracao-contricao-e-reconciliacao/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF