O SENTIDO DAS ROMARIAS
Dom Antonio de Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)
As celebrações que compõem a grande Festividade do Círio de
Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará, têm muitos aspectos, dimensões,
ambientes, sujeitos, atividades, dinâmicas, ícones. O Círio de Nossa Senhora de
Nazaré é um conjunto de eventos socio-pastorais que tem como ponto culminante a
procissão da manhã no segundo domingo de Outubro. Más é impensável esse evento
sem as celebrações precedentes e subsequentes! Por isso o Círio de Nazaré não é
um evento fugaz!
Como a maniçoba que vai sendo curtida e temperada ao fogo
por dias, assim também o Círio vai sendo gestado, reunindo gente de todas as
partes e aquecendo as massas ao calor da fé, animadas pela atração materna da
mãe de Jesus Cristo e nossa mãe. O Círio é mistério de fé, de paixão por Deus
através de Maria.
A natureza do Círio
No Círio não impera o aspecto meramente litúrgico e formal,
muito pelo contrário, o clima festivo e a dinamicidade dos eventos nos falam da
beleza do dinamismo da fé católica, com sua pluridimensionalidade, abertura,
humanismo, fraternidade. Por isso, os eventos do Círio não devem ser
transformados em eventos de protestos. Quem pode julgar-se digno de estar na
presença de Jesus e Maria? E se todos os indignos saíssem das romarias, quem
ficaria? Sobre isso, Jesus já se manifestou: “Quem não tiver pecado, atire a
primeira pedra” (Jo 11,7). Isso significa que a presença no Círio deve ter,
para cada fiel, um significado e que seja compromisso de conversão. Nesse
caminho devemos estar todos caminhando em comunhão, no mesmo rumo, em sintonia
com os mesmos ideais do Reino de Deus.
Todas as manifestações coletivas e institucionalizadas fazem
parte do dinamismo da fé reconhecida, celebrada e encarnada na realidade
paraense, como autêntica piedade popular. As expressões de fé de um povo passam
sempre por muitas manifestações religiosas permeadas pela sensibilidade
cultural. Há uma contínua conexão entre a mente elevada que ora e os pés
fincados na realidade concreta.
Não tenho dúvidas que o Espírito Santo ainda vai provocar o
surgimentos de novos elementos que, no futuro, vão enriquecer ainda mais a
beleza e o conteúdo dessa festividade, em vista do fortalecimento e da
ampliação das possibilidades da evangelização.
O objetivo de tudo isso é a evangelizar, uma vez que o
mistério da Palavra de Deus se serve de muitos canais para chegar até o coração
e a consciência dos fiéis. Mesmo para quem não tem sensibilidade religiosa
cristã e nem senso de pertença à Igreja Católica, deve se dobrar humildemente
diante das extraordinárias manifestações de fé. Respeitar a piedade do outro é
uma exigência ética.
A propósito, é digno de reconhecimento e aplauso as várias
manifestações solidárias de outras Igrejas e grupos religiosos. “O amor é a
plenitude da lei” (Rm 13,10). Então, a ausência do amor na prática da religião
invalida tudo! (cf. 1Cor 13). O Círio de Nossa Senhora de Nazaré, aos poucos,
desponta como evento que convoca para a unidade fraterna e amizade. Quem não
está contra nós, está conosco! (cf. Lc 9,50).
O sentido das Romarias
Dentre as tantas celebrações da Festividade de Nazaré temos
um conjunto de 14 “Romarias”. Mas o que isso significa? Qual é o seu sentido? A
palavra “romeiro” nos remete à cidade de Roma, onde por muitos séculos e ainda
hoje, continua sendo a meta de milhões de peregrinos ao longo de todos os anos.
Após Jerusalém, a cidade mais significativa para o cristianismo é Roma. Para lá
os apóstolos Pedro e Paulo, na fidelidade ao Mestre, se fizeram peregrinos e
concluíram seu testemunho de fé; lá estão os mais dramáticos testemunhos de fé
dos cristãos mártires dos primeiros séculos.
A Roma deste mundo é símbolo da cidade eterna, a Jerusalém
do alto, para onde todos caminhamos, que é o Paraíso, a Cidade de Deus (cf. Ap
3,12), cidade santa, pura, bela e preciosa (cf. Ap 11,2; 21.2.7). Quando os
católicos se colocam a caminho em romaria, em procissão, em peregrinação estão
renovando o dinamismo da própria esperança. Para a Cidade Celeste não
caminhamos isoladamente, mas vamos juntos, como irmãos, fraternalmente. As
romarias imitam o dinamismo de vida fraterna da Igreja, todos juntos, lado a
lado, em espírito solidário, nos exercitamos na Caridade traduzindo em obras a
nossa esperança da Vida eterna.
Nas romarias caminhamos no mesmo rumo sendo orientados por
líderes animadores, pregadores e muitos outros servidores. Essa imagem
representa a beleza da vida de comunhão da Igreja Católica e da valorização dos
dons que cada um recebeu que enriquece a Igreja peregrina. Quem está
fundamentado na mesma fé, animado pela única esperança e dinamizado pelo mesmo
amor de Cristo, não deve isolar-se e nem andar por direções contrárias àquela
da Jerusalém do Alto. Cada romaria é um testemunho da fé coletiva, comunitária,
eclesial envolvendo uma multiplicidade de sujeitos de gerações, origens,
culturas, status diferentes. Todos estamos na mesma condição de santos e
pecadores. Caminhando! O romeiro é movido pela esperança e pelo ideal da
santidade que o leva à conversão!
As Romarias representam o mandato missionário comunitário
que a Igreja recebeu de Jesus. A Igreja não é um clube fechado, mas é uma
família e um povo que vivem sendo movido pela dinâmica do amor, testemunhando o
Reino de Deus. O dinamismo das romarias, na sua diversidade de sujeito e
atividades, representa a Igreja missionária que nunca pode parar! Participar de
uma Romaria, procissão ou peregrinação, significa o compromisso de renovação do
dinamismo da própria fé.
A fé cristã não é estacionária. Mas corre-se esse risco
quando nos fixamos em atividades estanques perdendo a visão da totalidade da
identidade e da missão da Igreja. As romarias nos educam a pôr-nos a caminho,
desapegando-nos sempre de tudo o que no escraviza e paralisa. Sobre isso nos
alerta o Papa Francisco: “Prefiro uma Igreja ferida e suja, que sai pelas
ruas, do que uma Igreja prisioneira de si mesma. Que não se tenha medo de
deixar se inquietar pelo fato de que muitos irmãos vivem sem a amizade de Jesus”
(EG, 49).
Ser romeiro é assumir um ato de reconhecimento de que a vida
cristã é dinâmica, assim como foi aquela de Jesus Cristo e de sua Mãe. O Filho
de Deus é o peregrino do Pai por excelência (foi enviado) e a sua mãe se fez
peregrina do Filho, com Ele e por Ele! Maria é modelo do verdadeiro romeiro!
Movidos pela fé, de uma forma ou de outra, somos todos peregrinos neste mundo a
caminho da nossa pátria definitiva!
Como toda caminhada, também as romarias nos provocam cansaço
e somos tentados ao desânimo e a parar. Educados pela fé e animados pela
Esperança da recompensa final, renovamos os esforços, a firmeza de ânimo e
conservamos a alegria do testemunho do amor! Quem ama se movimenta!
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
O que podemos fazer para evitar conflitos e protestos nos
eventos do Círio?
Como promover na consciência dos fiéis, o fato de que o
Círio é oportunidade de conversão pessoal e renovação da fé e nunca seja
instrumentalizado para outros fins?
Qual dos significados das romarias mais lhe chamou a
atenção?
Nenhum comentário:
Postar um comentário