O sofrimento e o amor
A cruz que ensina a amar
Sim, cada uma das nossas dores traz uma mensagem de Cristo
que pergunta por nós. Do alto da Cruz, Ele olha-nos pessoalmente, chama-nos
pelo nosso nome e nos pergunta: “Não queres aprender a sofrer comigo? Não
queres transformar a tua dor em amor? Não queres ter um sofrimento
santificador?”
Quando nos decidiremos a isso? Quando perceberemos estas
interrogações afetuosas, estas sugestões da graça de Deus? “Perante esse
pequeno desaforo –Deus nos diz-, por que não respondes com um silêncio paciente
e humilde como o meu, sem ódio nem discussões? Se te custa aguentar o caráter
daquela pessoa, por que não te esforças por viver melhor a compreensão e a
desculpa amável? Quando alguém te ofende, por que -sem deixares de defender
serenamente o que é justo- não te esforças por perdoar, como Deus te perdoa?”
E, assim, quando as dores físicas ou morais –os desgostos,
as decepções, os fracassos, os fastios, o tédio, a solidão, a depressão…- nos
acabrunham, a voz cálida de Cristo crucificado convida-nos a ser generosos e a
subir um degrau na escada do amor: a crescer na mansidão, na bondade e na
grandeza de alma; a aumentar a confiança em Deus; a ser mais desprendidos de
êxitos, bem-estar e posses materiais; sobretudo, a meter-nos mais decididamente
na fogueira de amor que é o coração de Cristo, com desejos inflamados de
corresponder, de desagravá-lo, de imitá-lo, de unir-nos ao seu Sacrifício
redentor. Todos esses sentimentos fazem grande a alma cristã.
Queremos fazer este aprendizado cada vez melhor? Meditemos
com frequência a Paixão de Jesus. É uma prática espiritual que, ao longo dos
séculos, alimentou o amor e a generosidade de milhões de cristãos. Peguemos
muitas vezes os relatos detalhados da Paixão, que os quatro Evangelhos
conservam como um tesouro; ou livros que comentem piedosamente a Paixão e Morte
de Cristo; e fiquemos contemplando, representando as cenas com a imaginação,
“metendo-nos” nelas, e dialogando com o Senhor.
“Queres acompanhar Jesus de perto, muito de perto?… Abre o
Santo Evangelho e lê a Paixão do Senhor. Mas ler só, não: viver. A diferença é
grande. Ler é recordar uma coisa que passou; viver é achar-se presente num
acontecimento que está ocorrendo agora mesmo, ser mais um naquelas cenas.
Deixa, pois, que teu coração se expanda, que se coloque junto do Senhor…
Procuremos proceder assim, porque, então, choraremos os
nossos pecados, que tão dolorosamente rasgaram o corpo e a alma de Cristo;
teremos ânsias de reparar esses nossos males, oferecendo ao Senhor os nossos
sofrimentos com espírito de penitência; e as nossas dores nos parecerão
pequenas em comparação com as de Jesus: “O que vale, Jesus, diante da tua Cruz,
a minha; diante das tuas feridas, os meus arranhões? O que vale, diante do teu
Amor imenso, puro e infinito, esse pesadume de nada que me puseste às costas?”
E ainda chegaremos mais longe. Desejaremos identificar-nos
com Cristo, para “redimir” com Ele, para salvar o mundo com Ele.
A cruz que faz “co-redimir”
Há umas palavras de São Paulo que encerram um grande
mistério, ou seja, que encerram uma verdade muito sobrenatural e profunda sobre
a vida nova do cristão. São as seguintes: Agora me alegro nos sofrimentos
suportados por vós. Completo na minha carne o que falta às tribulações de
Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja (Cl 1, 24).
A rigor, nada falta à Paixão de Cristo, pois o sacrifício de
Jesus mereceu infinitamente a redenção de todos os crimes e pecados do mundo.
Mas o Senhor quis que os cristãos, membros do seu Corpo Místico, “outros
Cristos”, pudessem associar-se ao seu sofrimento redentor, unindo a ele os seus
próprios padecimentos.
Na Carta Apostólica já antes citada sobre o Sentido cristão
do sofrimento, o Papa João Paulo II, desenvolve uma bela reflexão sobre esta
verdade: “O Redentor sofreu em lugar do homem e em favor do homem. Todo homem
tem a sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a
participar daquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é
chamado a participar daquele sofrimento por meio do qual foi redimido também
todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo
elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível da Redenção. Por isso, todos
os homens, com o seu sofrimento, podem tornar-se participantes do sofrimento
redentor de Cristo” (n. 19).
E, mais adiante, glosando a frase de São Paulo que agora
meditamos, o Papa complementa essa reflexão: “O sofrimento de Cristo criou o
bem da Redenção do mundo. Este bem é em si mesmo inexaurível e infinito.
Ninguém lhe pode acrescentar coisa alguma. Ao mesmo tempo, porém, Cristo, no
mistério da Igreja, que é o seu Corpo, em certo sentido abriu o próprio
sofrimento redentor a todo o sofrimento humano. Na medida em que o homem se
torna participante dos sofrimentos de Cristo –em qualquer parte do mundo e em
qualquer momento da história—tanto mais ele completa, a seu modo, aquele
sofrimento, mediante do qual Cristo operou a Redenção do mundo” (n. 24).
Neste mundo em que, ao lado de tantas bênçãos de Deus e
tantas almas boas, se deixam sentir com força os ventos e tempestades do
pecado, as almas generosas que sofrem com amor, unidas ao Senhor, são como que
“outros Cristos”, que contrabalançam com a sua “Cruz” o peso dos crimes do
mundo. Tornados eles próprios uma só coisa com Cristo sofredor, são esses
homens e mulheres bons –os santos, os mártires, os inocentes, os doentes, as
crianças, os “humilhados e ofendidos”…- os que mantêm no mundo, como uma tocha
acesa, a esperança da salvação. Uma só mulher humilde que oferece, na sua cama
de hospital, seus sofrimentos a Deus, faz mais pelo bem do mundo do que muitos
dos que o governam.
Estamos perante a dimensão mais alta a que a Cruz elevou as
dores humanas.
Que alegria podermos dizer como São Paulo: Estou pregado à
Cruz de Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim! (Gl 2,
19-20). Que alegria poder ter nos lábios e no coração as palavras de Cristo: Eu
vim para servir e dar a vida para a redenção de muitos! (Mt 20,28).
Com esta visão grandiosa da fé, entendem-se os ardores dos
santos. “Não peças perdão a Jesus apenas de tuas culpas –dizia São Josemaria
Escrivá-; não O ames com o teu coração somente… Desagrava-O por todas as
ofensas que Lhe têm feito, que Lhe fazem e que Lhe hão de fazer…; ama-O com
toda a força de todos os corações de todos os homens que mais O tenham amado…”.
“Que importa padecer, se se padece por consolar, para dar gosto a Deus Nosso
Senhor, com espírito de reparação, unido a Ele na Cruz…, numa palavra: se se
padece por Amor?”
Agora já não nos parece estranha a sede de Cruz, de
sofrimento, que tinham os grandes santos; um desejo que não era doentio, mas
uma “chama viva de amor”, que lhes fazia ter ânsias de identificar-se com Jesus
na Cruz.
É paradigmática a cena de São Francisco de Assis no Monte
Alverne. Era a manhã de 14 de setembro de 1224, festa da exaltação da Santa
Cruz. Retirado nas solidões dos Apeninos, o Poverello rezava ajoelhado diante
da sua cela, antes de que raiasse a alva. Tinha as mãos elevadas e os braços
estendidos, e pedia: “Ó Senhor Jesus, há duas graças que eu te pediria
conceder-me antes de morrer. A primeira é esta: que na minha alma e no meu
corpo, tanto quanto possível, eu possa sentir os sofrimentos que tu, meu doce
Jesus, tiveste que sofrer na tua cruel Paixão! E o segundo favor que desejaria
receber é o seguinte: que, tanto quanto possível, possa sentir em meu corpo
esse amor desmedido em que tu ardias, tu, o Filho de Deus, e que te levou a
querer sofrer tantas penas por nós, miseráveis pecadores”.
A oração foi ouvida. Um serafim, que trazia em si a imagem
de um crucificado, imprimiu-lhe as chagas de Cristo nas mãos, nos pés e no
lado. Francisco, até no corpo, tornou-se visivelmente um “outro Cristo”.
Fonte: PeFaus@1928 (Adaptação de um trecho do
livro de F. Faus: A sabedoria da Cruz)
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