RESPONSABILIDADE MORAL NO USO DA LINGUAGEM
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
Wittgenstein, em suas “Investigações Filosóficas”, ressalta
que a linguagem desempenha diversas funções, indo além da simples descrição do
mundo. Ao proferirmos certas palavras ou frases, realizamos ações que geram
efeitos concretos no mundo e na vida das pessoas, transcendendo a mera
transmissão de informações. Essa perspectiva é ilustrada por meio dos “jogos de
linguagem”, que mostram como o uso de uma palavra está profundamente conectado
às práticas sociais e aos contextos em que é empregada. Nas “Investigações
Filosóficas”, Wittgenstein sugere que, ao usar palavras, não estamos apenas
nomeando objetos ou descrevendo fatos, mas participando de ações e interações
sociais, como dar ordens, fazer promessas ou assumir compromissos. A
linguagem tem várias funções, portanto, não se limita a representar o mundo,
mas também tem o poder de criá-lo e modificá-lo. Essa ideia é o ponto de
partida para a função performativa da linguagem, na qual ao dizer algo, o
falante não apenas descreve uma situação, mas age sobre ela.
Essa concepção é aprofundada por J.L. Austin em seu livro
“Quando Dizer é Fazer”, onde ele desenvolve a teoria dos atos de fala. Austin
distingue entre declarações constatativas, que descrevem fatos e podem ser
verdadeiras ou falsas, e atos performativos, que realizam ações simplesmente
pelo fato de serem proferidos. Exemplos clássicos de atos performativos incluem
promessas, ordens e votos. Ao dizer “sim” em um casamento ou “eu prometo”, o
falante está, de fato, realizando uma ação – casar-se ou comprometer-se.
Segundo Austin, a função performativa da linguagem revela
que as palavras não apenas descrevem a realidade, mas têm o poder de
transformá-la. Quando um sacerdote diz “eu te batizo…”, “eu te abençoo…”, ou
“eu te absolvo…”, ele cria um fato no mundo. O que é dito realiza uma mudança
real, uma transformação espiritual ou social na pessoa a quem se refere. Para
que esses atos performativos sejam eficazes, é necessário que certas condições
sejam atendidas. Essas condições incluem, por exemplo, o contexto apropriado, a
intenção sincera do falante e a conformidade com as normas sociais ou rituais
estabelecidos. Austin se refere a isso como as “condições de felicidade”, que
determinam o sucesso ou fracasso de um ato de fala.
Além de seu poder criativo, o uso performativo da linguagem
implica uma responsabilidade moral do falante. Quando usamos palavras para
prometer, ordenar ou perdoar, ofender, imprecar… estamos realizando ações que
têm consequências reais na vida de outras pessoas. A linguagem, nesse sentido,
é uma ferramenta poderosa que pode gerar confiança, moldar comportamentos, bem
como enganar, ofender e manipular. O que dizemos tem o potencial de criar
vínculos, influenciar decisões, e até alterar o curso de eventos em uma escala
pessoal ou social. O uso da linguagem tem implicações éticas e nos
responsabilizar moral e juridicamente. Devemos estar cientes de que nossas
palavras podem tanto construir quanto destruir realidades.
Austin explora essa relação entre palavras e ações,
destacando que o poder de “fazer coisas” com palavras exige reflexão e
responsabilidade. Wittgenstein, por sua vez, nos lembra que o significado de
uma palavra é o seu uso. Isso reforça a ideia de que, ao utilizar a linguagem,
estamos moldando o mundo ao nosso redor e interferindo nele. Cada vez que
falamos, não estamos apenas relatando fatos, mas criando realidades e relações.
Por isso, é essencial que o uso da linguagem seja pautado por uma ética responsável,
já que nossas palavras têm um impacto profundo e duradouro no mundo e na vida
das pessoas.
A compreensão das diversas funções da linguagem e sua
capacidade de criar fatos e alterar a realidade, sublinha a importância de
utilizá-la com cuidado e consciência. As palavras não são apenas veículos de
comunicação; elas têm o poder de transformar contextos sociais e até mudar
vidas. Cabe a nós, usá-las com precisão e responsabilidade, cientes de que
aquilo que dizemos molda o mundo de maneiras muitas vezes mais profundas do que
imaginamos.
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