SOBRE O ESCÂNDALO
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
“É inevitável que aconteçam escândalos. Mas ai de quem os
provoca! Seria melhor para ele ser atirado ao mar com uma pedra de moinho
amarrada ao pescoço, do que escandalizar um só destes pequeninos. Tenham
cuidado!” (Lc 17,1-3).
O termo escândalo, como ensinado por Jesus no Evangelho de
Lucas (17,1-3), vem da palavra grega “skandalon”, que significa “tropeço” ou
“armadilha”. Santo Tomás de Aquino, na “Suma Teológica”, define o escândalo
como um “dito ou ato menos reto que dá ocasião à queda espiritual” de alguém,
podendo ser de forma essencial ou acidental. Ele distingue entre dois tipos de
escândalo: o ativo e o passivo. O escândalo ativo ocorre quando alguém,
intencionalmente ou não, realiza um ato que leva outra pessoa ao pecado. O
escândalo passivo, por sua vez, ocorre quando alguém, espiritualmente
vulnerável, é induzido ao pecado por influência do exemplo ou comportamento de
outrem (Suma Teológica. Secunda Secundae. Tratado sobre a Caridade,
Questão 43).
Santo Tomás enfatiza que, embora o escândalo possa ser
acidental, ele é considerado um pecado grave quando há a intenção de induzir
outro ao erro, pois tal ação contraria diretamente a virtude da caridade. No
entanto, ele também argumenta que, em casos de escândalo passivo, a verdadeira
causa do tropeço pode residir na fragilidade espiritual daquele que cai, e não
necessariamente em culpa da pessoa que provocou o escândalo, desde que esta
tenha agido corretamente. Isso ressalta a complexidade moral do escândalo, que
pode envolver tanto ações diretas quanto indiretas, mesmo quando não há
intenção de causar dano espiritual (Suma Teológica, Questão 43).
O escândalo, por sua própria natureza, tende a gerar
repercussão pública, especialmente quando envolve figuras de relevância social,
como líderes religiosos ou pessoas públicas. A expectativa de uma conduta
exemplar intensifica o impacto de suas ações inadequadas, que podem não apenas
chocar a sociedade, mas também comprometer a confiança pública e espiritual. O
escândalo é ainda mais grave quando envolve líderes religiosos, pois deles se
espera uma vida irrepreensível. As consequências espirituais podem ser
devastadoras, muitas vezes afastando aqueles mais frágeis na fé de suas
práticas religiosas.
O Papa Francisco também reflete sobre o escândalo,
especialmente quando causado por pastores ou cristãos em posições de liderança.
Ele afirma que essas atitudes incoerentes afastam as pessoas da Igreja e minam
o que chama de “coerência de vida” do cristão. Essa coerência é fundamental
para o testemunho da fé e para evitar o enfraquecimento da fé dos outros. O
Papa sublinha que o escândalo tem um efeito devastador na vida espiritual da
comunidade, principalmente entre os mais vulneráveis, pois fere sua fé e confiança.
Ele adverte que atitudes contrárias ao Evangelho, embora professando a fé,
podem “matar” esperanças e corações, causando graves danos espirituais.
Francisco enfatiza a responsabilidade dos pastores e líderes em viver uma vida
coerente com o Evangelho, para que não minem a confiança dos fiéis (PP
Francisco, Meditações Matutinas, 13/11/2017).
O escândalo é, portanto, um pecado que afeta tanto quem o
provoca quanto quem é levado a pecar. O cristão tem uma responsabilidade moral
de zelar pela fé dos outros, principalmente dos mais vulneráveis, evitando ser
motivo de tropeço. O escândalo ativa mecanismos de destruição espiritual que
podem levar à perda da fé, seja pela incoerência na vida dos fiéis ou pela
negligência dos líderes em viver conforme a moral cristã. Evitar o escândalo é,
portanto, um dever para todos os que professam a fé cristã, e fundamental para
proteger a integridade espiritual da comunidade.
Em síntese, o escândalo vai além de um simples erro moral
cometido em privado que se torna público. Quando envolve figuras de relevância,
seus efeitos reverberam na vida moral, social e espiritual das pessoas, gerando
perplexidade e perigo espiritual. Por isso, o cristão é chamado a viver em
conformidade com o Evangelho, evitando ser motivo de tropeço para os outros e
contribuindo para a edificação da fé na comunidade, protegendo os mais
vulneráveis das armadilhas do escândalo.
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