“A aurora do ‘dia do Sol’”. A exposição eucarística e a
antífona mariana
A bênção com o Santíssimo Sacramento e a antífona mariana
dos sábados nos preparam para a celebração dominical e unem os nossos dois
grandes amores, Cristo e Maria, em um momento da semana.
11/06/2024
“No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos
os que moram nas cidades ou nos campos”[1].
É deste modo que São Justino começa a sua descrição da liturgia eucarística dos
primeiros cristãos, pouco mais de um século depois da morte de Cristo. Desde a
ressurreição do Senhor no “dia do Sol”, os cristãos não deixaram de celebrar
juntos a fração do pão no primeiro dia da semana, que cedo rebatizaram
como Dies Domini ou Dominicus: o Dia do Senhor.
Dentro do tesouro de piedade cristã que se vive na Obra, há
duas práticas que têm em comum o seu caráter de preparação para
o Dia do Senhor, porque são características do sábado e constituem como um
prólogo da celebração dominical: a exposição eucarística e o cântico ou
recitação de uma antífona mariana. Usando uma imagem, podíamos dizer que são o
primeiro resplendor – no fundo do horizonte – do dia que nos traz o Sol que
nasce do alto (cf. Lc 1, 78) e que começará a brilhar em algumas horas. São,
portanto, como a aurora do dia do Sol.
Além disso, estas práticas unem os nossos dois grandes
amores, Cristo e Maria, em um momento da semana. “Procura dar graças a Jesus na
Eucaristia, cantando louvores a Nossa Senhora, a Virgem pura, a sem mancha,
aquela que trouxe ao mundo o Senhor. E, com audácia de criança, atreve-te a
dizer a Jesus: – Meu lindo Amor, bendita seja a Mãe que te trouxe ao mundo! Com
certeza que Lhe agradas, e Ele porá na tua alma ainda mais amor”[2].
Comer com os olhos
A origem histórica da exposição e bênção eucarísticas
encontra-se no desenvolvimento da espiritualidade e da teologia sobre a
Eucaristia que ocorreu na Idade Média. Os ensinamentos da Igreja que respondiam
e refutavam quem negava a presença real de Cristo na Eucaristia, bem como
o milagre
de Bolsena (1263) – que deu origem à festa de Corpus
Christi –, suscitaram um grande movimento de devoção no povo
cristão. O florescimento das procissões eucarísticas, o gesto da genuflexão
diante das sagradas espécies, a sua elevação durante a consagração da Missa e a
maior importância que o sacrário adquiriu nos templos são algumas das
manifestações da progressiva reverência ao Santíssimo Sacramento que o Espírito
Santo suscitava na Igreja.
Crescia nos fiéis um desejo ardente de contemplar a Hóstia
Santa para se nutrir espiritualmente dela: era a chamada manducatio
per visum (comer com os olhos). No entanto, surgiu um problema:
esta visão ficava limitada ao tempo da sua elevação durante o cânone da Missa.
Por isso, algumas dioceses da Alemanha começaram a difundir no século XIV o
costume de manter o Santíssimo Sacramento exposto durante períodos de tempo
mais longos, em momentos diferentes da celebração eucarística. A exposição era
animada por cânticos tirados da Liturgia das Horas e da Missa da festa de Corpus
Christi, cujos textos foram compostos por São Tomás de Aquino: Pange
lingua, O salutaris Hostia,Tantum ergo, Ecce
panis angelorum…
O culto eucarístico fora da Missa continuou a se difundir
nos séculos seguintes, especialmente depois do Concílio de Trento (1545-1563).
A reforma da liturgia que ocorreu depois do Concílio Vaticano II quis continuar
a fomentar esta prática, sublinhando a sua íntima conexão com a santa Missa:
“Os fiéis, ao adorarem o Cristo presente no Sacramento, lembrem-se de que está
presença decorre do Sacrifício e tende à Comunhão sacramental e espiritual”[3].
A exposição e bênção eucarísticas constituem, em outro momento do dia, a
continuidade natural da celebração da Missa: dela nascem e a ela conduzem. A
adoração ajuda-nos a ser “almas de Eucaristia”, atentos a Ele de manhã à noite
e da noite até à manhã: “Aprendemos então a agradecer ao Senhor mais outra
delicadeza: que não tenha querido limitar a sua presença ao instante do
Sacrifício do Altar, mas tenha decidido permanecer na Hóstia Santa que se
reserva no Tabernáculo, no Sacrário”[4].
Um coração que começa a cantar
A tradição de venerar especialmente a Santíssima Virgem na
véspera de domingo é antiquíssima na Igreja. Talvez o seu antecedente remoto
seja a reunião dos discípulos ao redor de Maria no Sábado Santo; enquanto a
escuridão e a incerteza reinavam nos seus corações, ela, modelo de discípula e
de crente, constituiu a continuidade da presença do Seu Filho
no mundo. Um autor medieval, Cesáreo de Heisterbach (+ 1240), explicava-o
assim: “Só Maria manteve a fé na ressurreição do Seu Filho, dentro da
desesperança geral de Sábado Santo, quando Cristo jazia morto no sepulcro. A devoção
mariana do sábado compreende-se a partir do domingo, o dia comemorativo da
ressurreição”[5].
Junto com o Dia do Senhor, desde tempos antigos observou-se
também em algumas regiões uma certa veneração, com diversos tons, pelo sábado,
como o prelúdio ou o irmão do domingo. O costume de celebrar a
Missa de Santa Maria aos sábados remonta a Alcuíno de York (+ 804), teólogo e
conselheiro de Carlos Magno, que compôs uma série de Missas para os dias da
semana, que eram celebradas quando não se comemoravam memórias de santos. Além
disso, não muito depois, difundiu-se amplamente o costume de rezar o Pequeno
Ofício de Santa Maria no sábado da Liturgia das Horas.
Durante o século XIII, surgiu em Itália uma devoção
vespertina conhecida como a laude, que consistia numa celebração
com cânticos ao fim do dia ou da semana, entre os quais não podia faltar um
dedicado a Santa Maria, sobretudo a Salve Regina. Posteriormente,
difundiu-se realizar a laude na presença de Cristo
sacramentado, conservado na píxide ou visível no ostensório. No fim, o povo era
abençoado com a Eucaristia e despedido. Deste modo, embora a tradição de
venerar a presença permanente de Jesus e a de honrar a Virgem Maria especialmente
ao sábado tenham surgido na Igreja de modo independente, ambas confluíram
felizmente no final da Idade Média. Esta foi a origem de uma tradição litúrgica
e devocional que se manteve ao longo dos séculos.
São Josemaria gostava de considerar que, quando o coração
transborda de amor, estala em cantos. Muitas vezes mostrou-nos como rezar com
canções humanas com sentido divino. Efetivamente, dedicou a Santa Maria com
frequência as suas serenatas de amor: “Canta diante da Virgem Imaculada,
recordando-lhe: Ave, Maria, Filha de Deus Pai; Ave, Maria, Mãe de Deus Filho;
Ave, Maria, Esposa de Deus Espírito Santo… Mais do que tu, só Deus!”[6].
Em toda a sua história, a Igreja não deixou de cantar louvores à Virgem Maria,
confirmando o que Ela própria anunciou no Magnificat: “Doravante
todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1, 48).
Desde o começo da Obra
São Josemaria quis que os sábados fossem dias para
manifestar especialmente o nosso amor à Senhora, de diversos modos: através de
mais alguma mortificação e do canto ou recitação de uma antífona mariana,
especialmente a Salve Regina e o Regina Cœli na
Páscoa. Além disso, desde os primeiros passos da Obra, nos centros de São
Rafael fazia-se neste dia uma coleta para comprar flores para enfeitar a sua
imagem no oratório e para ajudar os pobres da Virgem, obra de caridade que o
fundador do Opus Dei viu o seu pai realizar com frequência.
Num ponto de Forja, São Josemaria explica alguns
dos motivos pelos quais quis que na Obra se vivessem estes pormenores de
carinho com a Virgem Maria: “Há duas razões, entre outras - dizia de si para si
aquele amigo -, para que desagrave a minha Mãe Imaculada todos os sábados e nas
vésperas das suas festas.
– A segunda é que, em vez de dedicarem à oração os domingos
e as festas de Nossa Senhora (que costumam ser festas nos vilarejos), as
pessoas os dedicam - basta abrir os olhos e ver - a ofender o Nosso Jesus com
pecados públicos e crimes escandalosos.
– A primeira: que os que queremos ser bons filhos não
vivemos com a devida atenção, talvez empurrados por satanás, esses dias
dedicados ao Senhor e à sua Mãe.
- Já percebes que, infelizmente, essas razões continuam a
ser muito atuais, para que também nós desagravemos”[7].
Nas primeiras décadas do século XX na Espanha era frequente
em igrejas e oratórios a prática da sabatina, que consistia em
recitar algumas orações e cânticos a Nossa Senhora, como o Terço e a Salve
Rainha, e podia incluir alguma breve pregação. São Josemaria participou
nelas com a família em Barbastro e no seminário em Saragoça. Sabemos também
notícia de que, como muitos outros sacerdotes da época, oficiava com frequência
a bênção eucarística como parte do seu ministério em Madri, também com aqueles
primeiros rapazes que frequentavam as atividades da Obra: no Patronato de
Enfermos, nas aulas de formação cristã no asilo Porta Cœli, nos
recolhimentos na igreja dos redentoristas ou na academia-residência DYA aos
sábados e em alguns retiros e solenidades. O primeiro círculo de São Rafael que
o fundador do Opus Dei deu a três estudantes acabou com a exposição
eucarística: era sábado, 21 de janeiro de 1933. Ao dar a bênção, São Josemaria
entreviu projetada no tempo a fecundidade que ao longo dos séculos ia ter esse
trabalho apostólico com jovens: “Terminada a aula, fui à capela com aqueles
rapazes, tomei o Senhor sacramentado no ostensório, elevei-o, abençoei aqueles
três..., e eu via trezentos, trezentos mil, trinta milhões, três bilhões (...).
E fiquei aquém, porque é uma realidade passado quase meio século. Fiquei aquém,
porque o Senhor foi muito mais generoso”[8].
Como parte da história do Opus Dei, em dezembro de
1931, São Josemaria resolveu que a Salve rainha fosse cantada aos sábados nos
centros. Quanto à bênção eucarística desse dia, parece que se foi consolidando
de modo progressivo na vida de família, unindo-se habitualmente ao cântico da
antífona mariana.
Além disso, na Obra, a bênção eucarística pode ser entendida
também no contexto do prolongamento que São Josemaria desejava que a Santa
Missa tivesse ao longo do dia, com várias manifestações de piedade[9],
para santificar a vida diária na e através da graça da Missa e da Comunhão.
Portanto, estando submersos nos compromissos do dia a dia – em que o Senhor nos
chama –, essa continuidade da Missa pode ser estimulada de
vários modos, quer participemos ou não de uma bênção eucarística: com uma
visita ao Santíssimo, jaculatórias, a comunhão espiritual, etc. Compreende-se
que a prática de piedade da bênção eucarística – embora não faça parte dos
costumes do espírito do Opus Dei – tenha surgido com naturalidade, por
desejo de São Josemaria, nos centros e atividades da Obra em determinados dias,
tais como as solenidades ou algumas festas litúrgicas, em celebrações de
família, em momentos em que procuramos renovar a nossa vida espiritual junto do
Senhor com calma – como num dia de recolhimento espiritual – e todas as
semanas, ao sábado, dia habitualmente um pouco mais tranquilo e que nos prepara
para o dia eucarístico por excelência: o domingo.
No horizonte da alma
A participação em família na Eucaristia dominical nos
permite experimentar a proximidade de Deus em nossas vidas, graças à escuta da
palavra de Deus, da homilia, da Comunhão e do encontro com a comunidade cristã.
O cântico ou recitação da antífona mariana e também, se as nossas
circunstâncias permitirem, a participação na exposição eucarística dos sábados,
podem se tornar modos de preparar a nossa alma para esse momento central da
semana e para aumentar o nosso amor a Jesus sacramentado. Poderíamos dizer que
ambas as práticas constituem exercícios para avivar concretamente o desejo de
receber o Senhor. “Só se recuperarmos o gosto da adoração é que se renova o
desejo. O desejo leva-te à adoração e a adoração renova em ti o desejo. Porque
o desejo de Deus cresce apenas permanecendo diante de Deus. Porque só Jesus
cura os desejos. Do quê? Cura-os da ditadura das necessidades. Com efeito, o
coração adoece quando os desejos coincidem apenas com as necessidades; ao passo
que Deus eleva os desejos e purifica-os; cura-os, sanando-os do egoísmo e
abrindo-nos ao amor por Ele e pelos irmãos”[10].
O culto eucarístico fora da Missa educa a alma para desejar ardentemente a
Comunhão sacramental e espiritual: a adoração tende à união. A antífona mariana
faz-nos crescer no amor a Maria, cuja missão é sempre conduzir-nos a Jesus.
Para evitar que as duas práticas, se tornem rotineiras pelo
fato de repetidas semana após semana (a rotina é o “sepulcro da verdadeira
piedade”)[11],
pode ser útil meditar pausadamente sobre os textos que são cantados ou se
rezados todos os sábados: os hinos eucarísticos, as leituras bíblicas, as
orações, ladainhas e antífonas marianas. Neste sentido, durante o tempo de
silêncio da exposição, entramos em diálogo interior com Cristo e saboreamos o
que foi cantado ou lido. Não se trata apenas de uma simples pausa, mas de um
recolhimento que nos permite concentrar-nos no que é verdadeiramente importante
na nossa vida, para depois transmitir isso aos outros. “Quando falamos da
grandeza de Deus, a nossa linguagem revela-se sempre inadequada e, deste modo,
abre-se o espaço da contemplação silenciosa. Desta contemplação nasce, em toda
a sua força interior, a urgência da missão, a necessidade imperiosa de ‘anunciar
o que vimos e ouvimos’, a fim de que todos estejam em comunhão com Deus (cf.
1Jo 1, 3)”[12].
Ao mesmo tempo, a liturgia também nos convida a manter essa atitude de
recolhimento em cada Missa, de maneira “que a palavra de Deus realize
efetivamente nos corações o que ressoa nos ouvidos”[13].
Despertar o desejo de receber o Senhor. Saborear as palavras
dirigidas a Deus. Cada um pode ver o modo de saborear e participar com mais
amor nas celebrações litúrgicas. Este esforço repetido, próprio de uma pessoa
apaixonada, para fazer de cada uma delas um momento de encontro único com
Jesus, pode abrir horizontes insuspeitados à nossa vida de piedade.
Deste modo, a exposição eucarística e a antífona mariana dos
sábados facilitarão que o resplendor do Sol, que é Cristo, brilhe com uma
claridade especial nos nossos corações na véspera do domingo, enchendo o
horizonte da alma com uma aurora de amor e de esperança. Especialmente o
cântico mariano, que é um conjunto de elogios carinhosos, vai aquecer a nossa
alma em devoção a Maria. “É uma mulher maravilhosa – exclamava o São Josemaria
numa tertúlia –, a criatura mais esplêndida que o Senhor pôde criar, cheia de
perfeições. Gostar de galanteios não é uma imperfeição. Portanto, já sabes: tu
e eu vamos elogiá-l’A”[14].
[1] São
Justino, Apologia, n. 67, 3.
[2] São
Josemaria, Forja, n. 70.
[3] A
Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa, n. 80.
[4] São
Josemaria, É Cristo que passa, n. 154.
[5] cf.
A. Heinz, Der Tag, den der Herr gemacht hat. Gedanken zur Spiritualität
des Sonntags, “Theologie und Glaube” 68 (1978) 40-61.
[6] São
Josemaria, Caminho, n. 496.
[7] Ibid.Forja,
n. 434.
[8] Andrés
Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei, vol. I, p. 440.
[9] cf.
São Josemaria, Forja, n. 69; Cristo que passa, n. 154,
entre outros textos possíveis.
[10] Francisco,
Homilia, 06/01/2022.
[11] São
Josemaria, Caminho, n. 551.
[12] Bento
XVI, Mensagem, 20/05/2012.
[13] Missal
Romano, Ordenação das leituras da Missa, n. 9.
[14] São
Josemaria, citado em San Josemaría Escrivá de Balaguer a los pies de la
Virgen de Guadalupe, em SEDS, número especial, México, 02/10/1976, Ed. de
Revistas S. A.
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