As Sagradas Escrituras e a Tradição
Concílio Vaticano II descreve a Sagrada Tradição e as
Sagradas Escrituras como sendo “semelhante a um espelho em que a Igreja
peregrinante na terra contempla a Deus” (Constituição Dogmática Dei Verbum,
sobre a Revelação Divina, nº 7).
A palavra revelada de Deus chega até você mediante palavras
faladas e escritas por seres humanos. A Escritura Sagrada é a Palavra de Deus
“enquanto é redigida sob a moção do Espírito Santo”(Dei Verbum, nº 9). A
sagrada Tradição é a transmissão da Palavra de Deus pelos sucessores dos
apóstolos. Juntas, a Tradição e a Escritura constituem um só sagrado depósito
da palavra de Deus, confiado à Igreja”(Dei Verbum, nº 10).
A Bíblia: seus
livros e sua mensagem
A Sagrada Escritura, a Bíblia, é uma coleção de livros.
Conforme o cânon da Escritura (a lista dos livros que a Igreja católica aceita
como autênticos), a Bíblia contém 73 livros. Os 46 livros
do Antigo Testamento foram escritos aproximadamente entre os anos 900 a.C. e
160 a.C. – isto é, antes da vinda de Cristo. Os 27 livros
do Novo Testamento foram escritos aproximadamente entre os anos 50 D.C. e 140
D.C.
A coleção do Antigo Testamento é constituída de livros
históricos, didáticos (que ensinam) e proféticos (que contém as palavras
inspiradas dos profetas, pessoas que experimentavam a Deus de maneiras
especiais e eram seus autênticos porta-vozes). Esses livros, com poucas
exceções, foram escritos originalmente em hebraico.
Em síntese, os livros do Antigo Testamento são um testemunho
da experiência que o povo israelita teve de Javé, “o Deus de seus pais” (veja
Êx 3, 13-15). No seu conjunto, esses livros revelam a reflexão de Israel
sobre a realidade pessoal do Deus único, Javé, que age na história humana,
guiando-a com um plano e um objetivo. Javé, o Deus do Antigo Testamento, é o
mesmo Deus que Jesus, um judeu, chamava de Pai.
Os livros do Novo Testamento, escritos originalmente em
grego, são constituídos de Evangelhos (proclamações da Boa-Nova) e Epístolas
(cartas). Primeiro, na ordem em que aparecem na Bíblia, estão os Evangelhos
chamados sinóticos (do grego synoptikos, ver o
conjunto ao mesmo tempo), porque em boa parte eles contam a mesma história da
mesma maneira. O livro intitulado Atos dos Apóstolos, que vem após o Evangelho
de São João (também denominado Quarto Evangelho) completa a imagem de Jesus
encontrada nos três Evangelhos sinóticos.
A seguir vem as Epístolas de São Paulo – os documentos mais
antigos do Novo Testamento – que foram escritas em cada caso para responder a
necessidades particulares das várias comunidades cristãs locais.
Depois das Epístolas de Paulo vêm as Epístolas Católicas.
Essas cartas são chamadas católicas, ou universais, porque não foram escritas
em vista de determinadas necessidades das igrejas locais, mas com temas
importantes para todas as comunidades cristãs.
O último livro do Novo Testamento é o Apocalipse, mensagem
de esperança para os cristãos perseguidos, prometendo o triunfo final de Cristo
na história.
tema fundamental do Novo Testamento é Jesus Cristo. Cada
livro revela um aspecto diferente do seu mistério. Os quatro Evangelhos referem
as palavras e atos de Jesus como eram recordados e transmitidos nas primeiras
gerações da Igreja. Narram a história da sua Paixão e Morte, e o que esta morte
significa à luz da sua Ressurreição. Em certo sentido, os Evangelhos começaram com
a Ressurreição; a doutrina de Jesus e os fatos de sua vida adquiriram sentido
para os primeiros cristãos só depois da Ressurreição. Os
Evangelhos refletem a fé comum dos primeiros cristãos no Senhor que ressuscitou
e agora habita no meio de nós.
Os escritos do Novo Testamento não relatam quem Jesus era,
mas quem Ele é. Mais que meros documentos históricos, esses
escritos têm o poder de mudar a sua vida. No “espelho” do Novo Testamento você
pode encontrar Jesus Cristo. Se você aceita o que vê neste espelho, o sentido
que Jesus tem para você, na sua situação concreta, você pode também
encontrar-se consigo mesmo.
A
tradição, o Vaticano II e os Santos Padres
A Sagrada Tradição é a transmissão da Palavra de Deus. Esta
transmissão é feita oficialmente pelos sucessores dos apóstolos, e não
oficialmente por todos os que cultuam, ensinam e vivem a fé, tal como a Igreja
a entende.
Certas ideias e costumes originam-se do processo da Tradição
e se tornam meios para ela, alguns até mesmo por vários séculos. Mas um produto
da Tradição constitui um elemento básico seu, apenas quando tal produto serviu
para transmitir a fé numa forma invariável desde os primeiros séculos da
Igreja. Exemplos de elementos básicos são a Bíblia (como um instrumento
tangível usado na transmissão da fé), o Símbolo dos Apóstolos ou Credo, e as
formas básicas da liturgia da Igreja.
Numa determinada época, um produto da Tradição pode exercer
um papel especial na transmissão da fé. Os documentos dos concílios ecumênicos
são disso os principais exemplos. Concílio Ecumênico é uma assembleia oficial
de todos os bispos do mundo que estão em comunhão com o Papa, com a finalidade
de tomar decisões. Os ensinamentos de um Concílio Ecumênico – produtos da
Tradição no sentido estrito – desempenham uma função decisiva no processo da
Tradição. Os documentos do Concílio de Trento, realizado no séc. XVI,
desempenharam tal função. Assim também sucedeu com os documentos do Concílio
Vaticano I, celebrado no séc. XIX.
Nos nossos dias, os documentos do Concílio Vaticano II estão
exercendo o mesmo papel no processo da tradição. Conforme declarou o Papa Paulo
VI numa alocução de 1966. “Devemos dar graças a Deus e ter confiança no futuro
da Igreja, quando pensamos no Concílio: ele será o grande catecismo dos
nossos tempos”.
O Vaticano II fez o que a Igreja docente sempre tem feito:
expressou o conteúdo imutável da revelação, traduzindo-o para formas de
pensamento do povo de acordo com a cultura de hoje. Mas esta “tradução do
conteúdo imutável” não é como que vestir notícias velhas com linguagem nova.
Como afirmou o Vaticano II: “Esta Tradição, oriunda dos Apóstolos, progride na
Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Cresce, com efeito, a
compreensão tanto das coisas como das palavras transmitidas… no decorrer dos
séculos, a Igreja tende continuamente para a plenitude da
verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de Deus”. (Dei Verbum,
nº 8).
Pelo Vaticano II a Igreja deu ouvidos ao Espírito,
empenhou-se na sua “tarefa de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los
à luz do Evangelho” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a
Igreja no Mundo Moderno, nº 4). Nem sempre é claro aonde o Espírito está
nos conduzindo. Mas o terreno no qual nós, a Igreja, caminhamos adiante da
nossa peregrinação é firme: o Evangelho de Cristo. Nesta etapa da nossa
história, um de nossos instrumentos básicos de Tradição – de transmissão da fé
– são os documentos do Vaticano II.
A Tradição é um processo inteiramente pessoal. A fé é
transmitida de pessoa para pessoa. Papas e Bispos, sacerdotes e
religiosos, teólogos e mestres transmitem a fé. Mas as pessoas mais envolvidas
nesse processo são os pais e seus filhos. Filhos de pais chineses dificilmente
aprendem um dialeto irlandês. E filhos de pais não-praticantes dificilmente
aprendem uma fé profunda e vivencial. Assim, com relação à Tradição, guarde bem
na memória as palavras do célebre sacerdote e educador inglês, Cônego
Drinkwater: “Você educa até certo ponto… pelo que você diz, mais pelo que você
faz e ainda mais pelo que você é; mas acima de tudo, pelas coisas que você
ama”.
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