ESPERAR, APESAR DA MULTICRISE
Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Vivemos tempos apocalípticos, que revelam situações
escatológicas: pandemia, guerras e emergência climática, fome, injustiça e
violência. O colapso da civilização humana é percebido com maior premência.
Pode-se dizer que estamos inseridos numa multicrise que ameaça a esperança de
muitos.
Vivemos entre uma crise e outra, uma catástrofe e outra.
Esse clima gera medo e sufoca a esperança. Com o medo cresce uma atmosfera
depressiva que atiça o ódio. Os ativistas climáticos receiam do futuro, isso
lhes rouba a esperança. Suas preocupações são inegavelmente justificadas.
Somente a esperança permitirá superar essa pandemia do medo, pois a esperança é
o antônimo do medo.
Nesse contexto preocupante somente a esperança permite
recuperar a vida, pois a esperança nos presenteia com o futuro. Como Abraão que
esperou contra toda esperança, pode-se dizer que quanto mais profunda é a
desesperança mais densa é a esperança.
A esperança não é nem otimista e nem pessimista. Ao otimista
falta a negatividade, ele não conhece dúvidas e desespero, pois é pura
positividade. Assim, o otimista crê que tudo terminará bem e vive num tempo
fechado onde nada o surpreende e não é capaz de perceber a indisponibilidade
daquilo que virá. Por isso, toda esperança precisa contar com a negatividade,
como na cruz já se percebe a ressurreição, e como no Tabor já se anuncia a
experiência do calvário. Trata-se de uma relação dialética que acolhe em si a
dureza da vida, mas espera dias melhores.
Entre o otimista e o pessimista está o peregrino da
esperança em seu movimento de busca. Quem espera avança para o desconhecido
indo além do que já existe. O otimista depende de sua exagerada alegria, o
pessimista está preso ao seu desespero, o esperançoso acolhe o sofrimento do
tempo e com olhos bem abertos caminha para um futuro vindouro que ele não
conhece, mas busca dando crédito ao que virá.
Em nosso tempo quem tem esperança supera os desejos de
consumo. Ele somente tem desejos e necessidades que tendem a ser atendidos pelo
consumo. Um sonho consumido é um sonho consumado. Perde-se o horizonte do
futuro e por isso a vida se torna apática, pois viver supõe ter
esperança.
No intenso desespero o cristão é chamado a proclamar a
esperança. Esta não despreza a negatividade do que estamos vivendo, mas
igualmente não aceita o desespero profundo. Ela orienta para um sentido que
está além dos dados e estatísticas. A esperança desafia até mesmo o caos
absoluto e ela oferece as razões para agir e caminhar rumo ao futuro.
Quem trilha os caminhos da esperança não se baseia em
conceitos, mas se confia ao campo de possibilidades que podem surpreender. Quem
espera não fica preso ao passado, mas sonha para frente em direção ao futuro,
àquilo que virá. A esperança é diferente do otimismo exagerado, e em meio ao
desespero ela reergue quem a ela se confia. Quem tem esperança torna-se
receptivo ao novo, as novas possibilidades. Por isso, quem espera não se
preocupa em adivinhar o futuro ou a fazer prognósticos de um destino fechado. Quem
espera conta com o incalculável, com possibilidades contra toda a
probabilidade.
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