O exame de consciência diário
São Josemaria recomendava fazer um breve exame de consciência no final de cada dia, para crescer sempre no amor a Deus e evitar tudo o que possa constituir um obstáculo a esse amor.
07/09/2021
No âmbito da conversão interior a Deus, o exame de
consciência costuma ser considerado sob dois aspectos, muito relacionados entre
si: como parte da preparação – identificação diligente dos pecados cometidos –
para receber com fruto o sacramento da Penitência (cfr. CCE, n. 1454), e como
prática ascética necessária para o progresso na vida espiritual. Vamos
cingir-nos ao segundo aspecto, cuja finalidade está bem focada nestas palavras
de São Josemaria, que põem em conexão a chamada e o seguimento de Cristo com a
necessidade de examinar o coração no amor de Deus: “Quando o Senhor os chamou,
os primeiros Apóstolos estavam junto à barca velha e junto às redes furadas,
remendando-as. O Senhor disse-lhes que O seguissem; e eles, "statim"
- imediatamente -, "relictis omnibus" - abandonando todas as coisas,
tudo! -, O seguiram... E acontece algumas vezes que nós - que desejamos
imitá-los - não acabamos de abandonar tudo, e fica-nos um apego no coração, um
erro em nossa vida, que não queremos cortar para oferecê-lo ao Senhor. - Examinarás
o teu coração bem a fundo? - Não há de ficar nada aí que não seja dEle; caso
contrário, não O amamos bem, nem tu nem eu” (Forja, 356).
Nesta última frase está refletido o ponto para o qual se
dirigem todas as considerações que São Josemaria faz sobre o exame de
consciência: a necessidade que o cristão tem de crescer sempre no amor a Deus e
evitar tudo o que possa constituir um obstáculo a esse amor.
1. O exame de consciência no contexto do diálogo entre o
homem e Deus
O cristão, mediante o exame de consciência, situa-se diante
de si mesmo na presença de Deus, para descobrir o que há nele e em suas obras
que não corresponda à sua vocação de filho de Deus em Cristo, chamado à
santidade. O conhecimento que alcança dispõe-no à contrição – à dor por suas
faltas e ao propósito de corrigir-se – a pedir perdão a Deus, a valorizar os
bens que dele recebeu, a agradecer e a procurar os meios adequados para
melhorar nas circunstâncias em que se encontra: “Observa a tua conduta com vagar.
Verás que estás cheio de erros, que te prejudicam a ti e talvez também aos que
te rodeiam. (...) Precisas de um bom exame de consciência diário, que te leve a
propósitos concretos de melhora, por sentires verdadeira dor das tuas faltas,
das tuas omissões e pecados” (Forja, 481).
O exame é uma necessidade para o cristão que quer
corresponder à chamada divina: “Se lutas de verdade, precisas fazer exame de
consciência. – Cuida do exame diário: Vê se sentes dor de Amor, porque não
tratas Nosso Senhor como deverias” (Sulco, 142). São Josemaria
destaca a finalidade fundamental do exame: a dor pela falta de correspondência
ao Amor de Deus, e adverte que o verdadeiro exame de consciência deve terminar
na contrição. Por isso aconselha: “Acaba sempre o teu exame com um ato de Amor
– dor de Amor – por ti, por todos os pecados dos homens... e considera o
cuidado paternal de Deus, que afastou de ti os obstáculos para que não
tropeçasses” (Caminho 246). O exame não acaba em si mesmo, mas na
dor de amor e, precisamente por que é de amor, no pesar pelos pecados próprios
e alheios. É inspirado pelo amor a Deus e leva, perante o Amor de Deus, à dor
pelas faltas e ao agradecimento. E daí, à retificação da conduta: “’Quanto não
devo a Deus, como cristão! A minha falta de correspondência, perante essa dívida,
tem-me feito chorar de dor: de dor de Amor. ‘Mea culpa!’” – Bom é que vás
reconhecendo as tuas dívidas. Mas não te esqueças de como se pagam: com
lágrimas... e com obras” (Caminho 242).
Esse diálogo, fruto da amorosa relação pessoal entre o
cristão e Deus, é o lugar próprio do exame de consciência (CECH*, p. 431). Para
São Josemaria, o exame não é simples introspecção, uma espécie de monólogo
interior que versa sobre si mesmo e suas obras, para verificar, até o exagero,
inclusive, se se vai bem ou mal, pois “o cristão não é um maníaco colecionador
de uma folha de serviços imaculada” (É Cristo que Passa, 75). O exame é
uma forma de oração, na qual o homem considera sua própria vida na presença de
Deus, em diálogo com o Senhor e com a ajuda de sua graça: “Jesus, se há em mim
alguma coisa que te desagrade, dize-o, para que a arranquemos” (Forja, 108).
Neste contexto de trato amoroso com Deus fica fora o perigo da rigidez ou de
uma estima excessiva do esforço humano no progresso espiritual: a alma
confia-se a Deus em seu caminhar pois dele recebe a luz para saber onde lutar e
a força para fazê-lo.
O exame de consciência é tarefa que requer empenho sério,
pois o bem que está em jogo é o mais alto. Para ilustrar esta realidade, São
Josemaria recorre à comparação com a gestão dos negócios humanos: “Exame. –
Tarefa diária. – Contabilidade que nunca descura quem tem um negócio. E há
negócio que renda mais que o negócio da vida eterna?” (Caminho 235).
A comparação, já usada há tempos na Igreja (cfr, CECH, pp. 423-424), é simples
e ilustrativa: a gestão de um negócio requer a contabilidade das despesas e receitas,
detectar o que e como se pode melhorar, remediar as falhas, etc. Alcançar a
vida eterna é a finalidade do grande negócio do cristão, que se concretiza na
luta diária por corresponder à graça divina. Passo prévio e ponto de partida
para essa luta é o exame de consciência. Descuidá-lo constitui sério perigo:
“Há um inimigo da vida interior, pequeno, bobo; mas muito eficaz, infelizmente:
o pouco empenho no exame de consciência” (Forja, 109). Nada importa
tanto para o cristão como aproximar-se cada vez mais de Deus, pelo que
procurará sempre “fazer com consciência o exame de consciência” (Del Portillo,
Carta 8/12/1976, n. 8: Fernández Carvajal, 2004, III, p. 391).
O exame é tarefa diária “Não me deixes todos os dias de
noite, o exame: é questão de três minutos” (CECH, p 422), recomendava São
Josemaria a um de seus filhos, sugerindo o momento e o tempo para fazê-lo: no
fim do dia e brevemente. Para um exame mais detalhado, “mais profundo e mais
extenso” (Caminho 245), há os dias de recolhimento mensal e de
retiro anual: “Dias de retiro. Recolhimento para conhecer a Deus, para te
conheceres e assim progredir. Um tempo necessário para descobrir em que coisas
e de que modo é preciso reforma-se: que tenho que fazer? O que devo evitar?” (Sulco 177).
Na quietude e recolhimento dos dias de retiro, a sós com Deus, nessa “bendita
solidão que tanta falta te faz para teres em andamento a vida interior” (Caminho 304),
o cristão, longe das fadigas de cada dia, tem a oportunidade de considerar com
mais vagar e amplitude sua vida espiritual, e procurar a conversão: “Há alguma
coisa na tua vida que não corresponda à tua condição de cristão e que te leve a
não quereres purificar-te? Examina-te e muda. (Forja, 480).
São Josemaria insiste também na importância de estar
vigilante a todo momento: “Acostumai-vos a ver Deus por trás de todas as
coisas, a saber que Ele nos espera sempre, que nos contempla e pede
precisamente que o sigamos com lealdade, sem abandonar o lugar que nos cabe
neste mundo. Devemos caminhar com vigilância afetuosa, com uma preocupação
sincera de lutar, para não perdermos a sua divina companhia” (Amigos de Deus,
218). Com essa atitude de ‘vigilância’, ele não se refere a um hábito de
autocontrole permanente e sim a uma atitude do espírito, a uma disposição de
ânimo própria da alma enamorada, pois “quando se ama deveras..., sempre se
encontram detalhes para amar ainda mais” (Forja, 420). Trata-se de uma
vigilância serena que procede do amor a Deus, que procura amá-lo mais e melhor
a todo momento, e que se concretiza na amorosa resolução de “começar e
recomeçar [a luta] em cada momento, se for preciso” (Amigos de Deus,
219; cfr. Amigos de Deus, 214). O caminho para formar na alma esse
espírito de exame é fazer bem todos os dias o exame de consciência e crescer no
amor de Deus.
São Josemaria aceita – como depois comentaremos com mais
detalhes – a distinção clássica entre exame geral, que implica um olhar
dirigido ao conjunto do dia, e exame particular, que dirige a atenção para um
ponto concreto em que se deseja melhorar. Faz ocasionalmente diversas
sugestões, e entre os vários métodos que foram propostos para fazer o exame de
consciência, ele não outorga primazia a nenhum deles em concreto, nem direta
nem indiretamente e tampouco indica um próprio. “Não se podem dar regras fixas.
O exame que vai bem para uma pessoa não vai bem para outra; e mesmo para uma
pessoa vai bem apenas durante uma temporada. Isso depende das circunstâncias de
cada um. Cada um deve combinar com o seu diretor espiritual” (Del Portillo,
Carta 8/12/1976, n. 14, em Cartas de família, II; AGP, Biblioteca, P17).
Seja qual for o modo de fazer o exame de consciência, São
Josemaria previne sobre um perigo sempre presente neste exercício espiritual:
“À hora do exame, vai prevenido contra o demônio mudo” (Caminho 236).
Trata-se do demônio – “do qual nos fala o Evangelho” (Forja, 127; cfr. Mt 9,
32-33, Mc 9, 24) – que impede o cristão de ser sincero tanto consigo mesmo no
exame de consciência como na direção espiritual e no sacramento da Penitência
(cfr. Amigos de Deus, 188-189; CECH, pp 416-417). Se faltar a sinceridade, não
se reconhecem as faltas e pecados e a alma se fecha para a dor, para a petição
de perdão e para a graça divina. Daí a recomendação taxativa: “Tem sinceridade
‘selvagem’ no exame de consciência; quer dizer, coragem: a mesma com que olhas
ao espelho, para saber onde te feriste ou te manchaste, ou onde estão os teus
defeitos, que tens de eliminar” (Sulco 148).
Trata-se da valentia que procede de uma esperança firme no
amor de Deus: “As nossas misérias não nos deverão levar nunca a esquivar-nos do
Amor de Deus, mas a acolher-nos a esse Amor (...). Não devemos afastar-nos de
Deus por termos descoberto as nossas fragilidades; temos de atacar as misérias,
precisamente porque Deus confia em nós”. (AD, 187)
Juan Ramón AREITIO
“Exame de Consciência”, do Diccionario de San
Josemaria Escrivá de Balaguer
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