O exame de consciência diário
São Josemaria recomendava fazer um breve exame de consciência no final de cada dia, para crescer sempre no amor a Deus e evitar tudo o que possa constituir um obstáculo a esse amor.
07/09/2021
2. Conhecimento de Deus e conhecimento próprio
O exame de consciência foi tradicionalmente considerado como
meio de conhecimento próprio, e este, por sua vez, como caminho necessário para
a união com Deus (Delchard, 1961, cols. 1831 – 1838). São Josemaria também o
indica, quando afirma que “o conhecimento próprio leva-nos como que pela mão à
humildade” (Caminho 609). E, com ela, à confiança e ao amor de Deus
em reconhecimento de sua Bondade infinita: “Não esqueças que és...a lata do
lixo. – Por isso, se porventura o Jardineiro divino lança mão de ti, e te
esfrega e te limpa...e te enche de magníficas flores... nem o aroma e nem a cor
que embelezam a tua fealdade devem envaidecer-te” (Caminho 592).
É, no entanto, notável que São Josemaria anteponha o
conhecimento de Deus ao conhecimento de si próprio: “Invoca o Espírito Santo no
exame de consciência, para conheceres mais a Deus, para te conheceres a ti
mesmo, e assim poderes converter-te em cada dia” (Forja, 326; cfr. É
Cristo que Passa 58, 164; Sulco 177; Forja, 184).
Não se trata de uma novidade, mas de um modo de propor a
finalidade do exame de consciência que leva a destacar a primazia do Amor de
Deus por nós (cfr. 1 Jo 4, 19). Para viver vida sobrenatural, é necessário
conhecer a própria realidade do ser cristão: tanto a própria humanidade, com a
sua limitação e a sua miséria, como – e de modo mais fundamental – a
participação na vida divina que recebemos com a graça: “Saber que saímos das
mãos de Deus, que somos objeto da predileção da Trindade Beatíssima, que somos
filhos de tão grande Pai. Eu peço ao meu Senhor que nos decidamos a tomar
consciência disso, a saboreá-lo dia a dia” (Amigos de Deus, 26).
O cristão deve olhar para si mesmo no exame de consciência à
luz destas verdades; se não, alcançará uma visão parcial e com frequência pouco
positiva de si mesmo e da sua atuação, em contraste com a realidade querida por
Deus: “Lança para longe de ti essa desesperança que te produz o conhecimento de
tua miséria. – É verdade: por teu prestígio econômico, és um zero..., por teu
prestígio social outro zero..., e outro por tuas virtudes, e outro por teu
talento... Mas, à esquerda dessas negações está Cristo... E que cifra
incomensurável não resulta!” (Caminho 473). Daí o conselho de São
Josemaria “Medite cada um o que Deus fez por ele e no modo como correspondeu”
(Amigos de Deus, 312). Tendo presentes as graças recebidas por Deus – a vida, a
filiação divina, a redenção – nesse colóquio de amor com Deus que deve ser o
exame, a alma fica sem nada escondido, com dor de amor pelas culpas, agradecida
pelos dons recebidos, esperançada pela ajuda divina, e se enche de desejos de
corresponder melhor, daí para a frente (cfr. Amigos de Deus, 215).
3. Exame geral e exame particular
São Josemaria conhece e torna própria – como já dissemos – a
distinção entre exame geral e exame particular, distinção clássica e bem
conhecida na ascética católica (cfr. Liuima – Derville, 1961, cols. 1838-1849).
Com uma comparação que remete à consideração da vida cristã como luta – “guerra
de paz”, “contenda de amor”, “combate espiritual”, “torneio de amor”
(cfr. É Cristo que Passa 73-77) – apresenta expressivamente a
natureza e a finalidade de ambos os modos do exame de consciência: “O exame
geral assemelha-se à defesa. – O particular ao ataque. – O primeiro é a
armadura. O segundo, espada toledana” (Caminho, 238).
O exame geral, comparado à armadura que protege e defende
quem a usa, tem como objeto o combate diário em seu conjunto. Seu exercício
oferece ao cristão a possibilidade de lutar com continuidade, sem baixar a
guarda nem abandonar a batalha, de “começar e recomeçar” (Forja, 384;
cfr. Caminho 292), de modo que a vida espiritual seja ativa e
forte e, por isso, fique protegida das ciladas do inimigo: “Esse modo
sobrenatural de proceder é uma verdadeira tática militar. – Sustentas a guerra
– as lutas diárias da tua vida interior – em posições que colocas longe dos
redutos da tua fortaleza. E o inimigo acode aí: à tua pequena mortificação, à
tua oração habitual, ao teu trabalho metódico, ao teu plano de vida; e é
difícil que chegue a aproximar-se dos torreões, fracos para o assalto, do teu
castelo. E, se chega, chega sem eficácia” (Caminho, 307).
O exame particular se centraliza em um ponto concreto em que
se quer melhorar: “Com o exame particular tens de procurar diretamente adquirir
uma virtude determinada ou arrancar o defeito que te domina” (Caminho 241).
É a “arma de combate” (Caminho 240), que mantém vivo o espírito de
luta ao longo da jornada, concentrando as forças em uma frente concreta. Não se
trata, porém, de qualquer frente de batalha, mas sim que o objeto do exame
particular seja bem definido para a situação da alma hoje e agora. O cristão
deve pedir ajuda a Deus e na direção espiritual para determinar o que é mais
conveniente para a sua alma: “Pede luz. Insiste. – Até dares com a raiz, para
lhe aplicares essa arma de combate que é o exame particular” (Caminho 240).
E depois, uma vez fixado o ponto, determinar também os meios para conseguir
esse objetivo: assim poderá “ir diretamente” adquirir a virtude ou arrancar o
defeito.
São Josemaria acentua o aspecto positivo da luta ascética,
apresentando como objetivo ou finalidade, em primeiro lugar, “adquirir uma
virtude determinada” (Caminho 241). Mesmo quando às vezes se aspire
a “arrancar um defeito”, será, normalmente, mais atraente e eficaz dirigir a
atenção não a esse defeito e sim à virtude contrária a ele e esforçar-se por
adquiri-la. “O movimento da alma para o bem – escrevia São Tomás de Aquino – é
mais forte que o destinado a afastar-se do mal” (S.Th., 1-2, q. 29, a. 3) e São
Josemaria em seu ensinamento sobre o exame está de acordo com essa observação
antropológica.
Bibliografia: *CECH - “Camino. Edición crítico-histórica”,
pp. 423-431; Agostino Cappelletti, “Examem de consciência”, em Ermanno Ancilli
(dir. ), Diccionario de Espiritualidad, II, Barcelona, Herder, 1983, pp 68-73;
Antoine Delchard et al. , “Examem de conscience”, em DSp, IV, 1961, cols.
1789-1838; Francisco Fernández Carvajal, Hablar con Dios. Meditaciones para
cada día del año, Madri, Palabra, 2004; Antanas Liuima – André Derville,
“Examem particulier”, em DSp, IV, 1961, cols. 1839-1849.
Juan Ramón AREITIO
“Exame de Consciência”, do Diccionario de San
Josemaria Escrivá de Balaguer
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