No dia de santa Cecília, perguntamos como vai a música litúrgica no Brasil hoje
Por Monasa Narjara*
22 de nov de 2024
Hoje a Igreja celebra santa Cecília, a nobre romana que
converteu seu marido, preservou sua virgindade e, junto com ele, foi
martirizada no século II ou III. Forçada a se casar com um pagão, Cecília, no
dia de seu casamento, manteve-se à parte cantando, de improviso a Deus. Por
isso, ela é a padroeira dos músicos.
Assim como foi para a santa Cecília em seu casamento, a
música na missa “deve ajudar os fiéis a elevar a mente e o coração para Deus”,
disse o liturgista da arquidiocese de Fortaleza, padre Rafhael Maciel a ACI
Digital, citando o papa são Pio X.
São Pio X, em sua luta contra o modernismo na Igreja,
escreveu em sua encíclica Tra le sollicitude (Dentre as
preocupações), de 1903, querer que “a música sacra seja cultivada com especial
cuidado no modo devido nos seminários e faculdades eclesiásticas de Roma”.
Assim, para o padre Maciel, a música litúrgica é “ao mesmo
tempo também “ritual”.
“Deve ser executada de tal modo que, quem a executa não
tome o lugar da assembleia, não seja uma apresentação artística, mas seja um
modo de execução que leve o fiel ‘a se sintonizar’ com o Divino, com Deus, com
Nosso Senhor”.
Para o mestre e doutor em música, Delphim Rezende Porto,
professor de música sacra e litúrgica e maestro da catedral de São Paulo, “o
maior zelo que um artista sacro pode desenvolver em relação à Igreja e ao canto
litúrgico é de nunca se contentar com a mera qualidade técnica do que faz”.
Para ele, “qualquer música que pretenda acompanhar o rito da missa deve ser uma
música ligada estreitamente à cena ritual, de modo que não haja distinção entre
a oração e a música”.
“É muito importante a formação técnica, contudo, não se
pode haver uma verdadeira música litúrgica sem que o espírito do artista esteja
realmente conectado ao que pede a Igreja e o seu magistério desde os tempos
apostólicos, que não é apenas produzir melodias afinadas e harmonias corretas,
mas sim congregar os irmãos e favorecer a disseminação da Palavra de Deus
através da música”, disse o musicista a ACI Digital.
Aspectos da música litúrgica
Padre Rafhael Maciel disse que nem todo canto religioso é
litúrgico. “Muitas vezes um canto religioso é catequético, mas não é
litúrgico”, como “muitos cantos por exemplo, do padre Zezinho e de outros
grandes autores católicos”, destacou o liturgista.
“Os critérios do canto” litúrgico, segundo padre Rafhael “é
que, primeiro ele esteja de acordo” com “os livros rituais (missal), inclusive
com as letras” e que tenha a “inspiração a partir dos livros litúrgicos
aprovados”. “Por exemplo, o hino de louvor segue a letra do hino de louvor e, é
claro, nós temos que encontrar também algum ritmo que se encaixe e que não
destoe da solenidade ou do ritual”.
O sacerdote ainda explicou que a música litúrgica
tradicional “são cantos feitos apropriadamente para a liturgia” e “provém do
canto gregoriano e tem nele sua inspiração”, mas também é “aquilo que está no
nosso hinário litúrgico”. Ele ressaltou que, a Sacrosanctum Concilium, primeira constituição
apostólica aprovada pelo Concílio Vaticano II e que deu origem à reforma da
liturgia, “mantém o canto gregoriano como canto litúrgico para missa, mas,
dando abertura para as adaptações”. Essas orientações, “nesse exato momento que
nós estamos vivendo, tem sido um pouco mais pensadas aqui no Brasil”, segundo
Maciel. “Tem muita gente boa trabalhando com a o auxílio de muitos bispos
diocesanos para incrementar bem as orientações de Sacrosanctum
Concilium”.
Limites na música litúrgica
Segundo Delphim Porto, “o limite ou a baliza para a música
litúrgica deve ser sempre a qualidade artística que é intrínseca à exigência
ritual que ela possui”. Ele acha que a música deve “ser suficientemente simples
para que todas as pessoas, das mais ilustradas e cultas às mais simples e mais
humildes, possam participar igualmente do louvor divino”.
“Hoje, penso que tudo aquilo que leva a música litúrgica
a se configurar ao que a indústria cultural coloca como padrão, me parece que
esteja inadequado”, diz o músico.
O liturgista da arquidiocese de Fortaleza também acredita
“que existe limite sim” e que, na música litúrgica, “não se pode usar tudo e
fazer tudo”.
“Por exemplo: um rock, um samba, um forró não são ritmos
apropriados para que a gente cante na liturgia”, disse. “Inclusive, a própria
letra do canto se perde no meio digamos assim, da batucada dos instrumentos.
Então, claro que existem limite sim, naquilo que pode ser aceitável como música
litúrgica”.
“É preciso aprender que a liturgia não pode ser uma liturgia
personalista, principalmente no canto. Mas que, a liturgia precisa seguir
aquilo que a igreja nos orienta”, como “a Sacrosanctum Concilium nos
orienta desde a reforma do Concílio Vaticano II”, advertiu o padre.
Cantos tradicionais nas missas
Embora o canto gregoriano e a polifonia sacra tradicional da
liturgia católica estejam “um pouco esquecidos, padre Maciel vê melhoras na
música litúrgica do Brasil. “Hoje, nós temos escutado muitos bonitos coros
diocesanos e até paroquiais que têm retomado o estilo da polifonia sacra”, que
“tem dado uma entonação muito mais bonita nas nossas missas”.
Para Delphim Porto, “o canto gregoriano, a polifonia sacra,
devem ser avaliados a partir de um contexto mais estrito de uso litúrgico e
ritual, e não apenas como um grande adorno museológico ou de arqueologia, mas
sim, como o grande repertório sacro que se desenvolveu e legou à Igreja latina
um verdadeiro patrimônio que foi resguardado por tantos séculos”.
Para o musicista, “a música em nossas paróquias precisa ser
orientada por um sentido genuinamente pastoral, em vez de buscar títulos que
expressem algo extraordinário ou desvinculado desse objetivo”.
*Monasa Narjara é jornalista da ACI Digital desde 2022 e foi jornalista na Arquidiocese de Brasília entre 2014 a 2015.
Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/60159/no-dia-de-santa-cecilia-perguntamos-como-vai-a-musica-liturgica-no-brasil-hoje
Nenhum comentário:
Postar um comentário