Uma breve história do
cristianismo
MONGES E EREMITAS
Por Geoffrey Blainey
O CHAMADO DOS BENEDITINOS
Bento
foi talvez o membro mais importante da Igreja, em seu tempo, e a influência
exercida por ele ainda aumentou muito depois de sua morte. Nascido em Nórcia,
na Itália central, uma cidade de planície, famosa por produtos de carne de
porco e funghi, utilizados na culinária italiana, mudou-se para Roma,
por causa dos estudos. Por volta do ano 500, abandonou o que chamava de “males
de Roma”, e foi viver como eremita em um caverna perto de Subiaco. Com cerca de
vinte anos, possuía a força interior de um líder natural. Seu primeiro passo para
exercer essa liderança foi deixar de ser eremita.
Bento
foi assumindo a administração de pequenos mosteiros, até chegar a dez, cada um
com doze monges. Como preferia liderar pelo exemplo, manteve a vida
contemplativa, em vez de organizar e dar ordens constantemente. Sua última
moradia foi o mosteiro que fundou por volta de 529 em Monte Cassino, entre Roma
e Nápoles. Pouco afeito a conferências, reunia-se uma vez por ano à irmã,
Escolástica, que administrava um convento nas proximidades, para discutirem
questões ligadas ao espírito. Ela morreu antes dele, e os dois foram enterrados
no mesmo túmulo.
“OS MONGES DEVEM PRATICAR O SILÊNCIO EM
TODOS OS MOMENTOS, MAS EM ESPECIAL NAS HORAS NOTURNAS.” |
Bento
havia aos poucos desenvolvidos uma combinação própria de ideias acerca da vida
monástica, incluindo aí conceitos defendidos por monges e bispos de locais
distantes, como o Egito e a França. Depois da morte de Bento, alguns monges
incluíram ainda outras regras, em nome dele. Muitas eram semelhantes às
adotadas pelos primeiros mosteiros do Egito, embora mais elaboradas. Os
beneditinos apreciavam ter um abade firme, devoto e paciente, de preferência
eleito pelos colegas.
A
organização adotada por Bento não permitia a propriedade privada nem as
conversas, que ele considerava desperdício de tempo. “Os monges devem praticar
o silêncio em todos os momentos, mas em especial nas horas noturnas”,
determinava a regra de número 42. Nos mosteiros administrados conforme as
determinações, até as refeições aconteciam em silêncio, pois os monges deviam
dedicar total atenção à leitura das escrituras, feita enquanto comiam. A cada
semana um monge era indicado como leitor oficial. Antes que ele começasse a
ler, todos diziam três vezes: “Abre, Senhor, os meus lábios, e minha boca
entoará o teu louvor.” A oração se espalhou pelo mundo, sendo recitado por
milhões de cristãos.
Havia
sempre um monge experiente à porta do mosteiro, inclusive durante a noite, pois
alguns viajantes se perdiam e chegavam lá em meio à escuridão. Quando o
recém-chegado era peregrino ou um “servo da fé”, os monges acorriam
humildemente à porta para bem recebe-lo. A regra 53 lembrava que o abade devia
unir-se aos outros para cumprir o sagrado dever, “lavando os pés de todos os
hóspedes”.
Uma
das habilidades inusitadas dos beneditinos – pelo menos até o ano de 1100 – era
a de fazer cirurgias. Eles fundaram hospitais e enfermarias, plantavam ervas
medicinais e tomaram-se os principais curadores da saúde dos habitantes da
região em torno do mosteiro. Tal como Cristo, seus servos deviam curar os
enfermos.
A
invasão do sul da Itália pelos lombardos afetou diretamente os primeiros
beneditinos. O mosteiro de Monte Cassino, o principal, foi atacado em 577, e
permaneceu abandonado por cerca de 140 anos. Depois de alvo de sucessivas
invasões, sofreu com ataques dos sarracenos e dos normandos, além dos danos
causados pelas armas pesadas da Segunda Guerra Mundial, mas passou por várias
reconstruções.
Enquanto
isso, os beneditinos se expandiam. Tornaram-se poderosos na França, Alemanha e
Holanda, onde fizeram um trabalho importante entre arianos e pagãos, em
especial. Das dezessete catedrais que havia na Inglaterra na Idade Média, sete
eram controladas por beneditinos, inclusive as de Canterbury (ou Cantuária) e
Winchester. A Abadia de Westminster, onde são coroados os monarcas ingleses,
era também beneditina.
UMA LUZ NA ESCURIDÃO
Os
beneditinos não sentiram necessidade de se estabelecer maciçamente na Irlanda,
já que lá os mosteiros prosperavam, ao contrário da maior parte dos mosteiros
da Europa, que enfrentavam dificuldade. Em 560, entre os mosteiros ativos,
talvez o de Bangor, perto do Mar da Irlanda e da atual cidade de Belfast, fosse
o que estava situado mais ao norte. Fundado por Comgall, o estilo de vida
austero do mosteiro, os longos períodos de jejum e os cantos e orações que
ocupavam noite e dia atraíam os monges locais. Aquela se tornou a maior casa
religiosa da Irlanda, ou talvez das Ilhas Britânicas.
Da
Irlanda, os monges partiram para espalhar sua mensagem em regiões onde o
cristianismo não era conhecido ou lutava para sobreviver. Columba deixou a
Irlanda para fundar um mosteiro e uma igreja na ilha de Iona, na costa oeste da
Escócia, enquanto Columbano partiu de Bangor com doze companheiros, para fundar
mosteiros na França.
A
versão do cristianismo exercida pelos beneditinos era peculiar: para determinar
a data em que seria comemorada a Páscoa, utilizavam cálculos diferentes dos
empregados em Roma; os monges mais instruídos mantinham o conhecimento do
idioma grego, mesma muito tempo depois que a liturgia em latim passou a ser
adotado em regiões a oeste e ao norte de Roma; os abades irlandeses não
aceitavam os bispos – uma forma de administração que pertencia às tradições
romanas; adoravam uma cruz desenhada por eles – a cruz celta, que guarda alguma
semelhança com a cruz copta.
Por
algum tempo a Europa ocidental viveu duas migrações simultâneas de monges. Os
que saíram da Irlanda com a intenção de fundar novos mosteiros rumaram para
leste, percorrendo as regiões onde se situam atualmente Escócia, Inglaterra,
França, Suíça, Itália e Áustria. Os que viviam em Roma pretendiam fundar
instituições próprias em regiões próximas ao Mar do Norte e à costa sul do Mar
Báltico. Assim, em 595, seguindo as instruções do papa Gregório I, Agostinho
cruzou o Canal da Mancha e chegou a Canterbury, onde fundou a abadia beneditina
que se tornou a mais famosa igreja da Inglaterra.
UM AVISO NO CÉU
Beda
foi um monge beneditino que viveu pela maior parte da vida em Jarrow, a
nordeste da Inglaterra. Sua vestimenta habitual era um manto de pele de
carneiro. Muito curioso acerca do mundo e criterioso na análise do que via e
ouvia, escreveu à mão, em latim, um livro sobre o cristianismo, que completou
em 731. Seguindo o exemplo de Isidoro de Sevilha, Beda organizou uma lista do
que considerava os eventos mais significativos do mundo moderno, a começar pelo
nascimento de Cristo. Diz-se que foi o melhor livro do gênero escrito na
Europa, na época.
Com
uma simplicidade encantadora, o livro de Beda começa assim: “A Britânia, antes
conhecida Álbion, é uma ilha no oceano.”
Beda
apreciava o clima da Inglaterra e da Irlanda, notando como as videiras
floresciam em ambas as ilhas. Realmente, os habitantes das terras frias do
norte da Europa devem ter recebido bem aquele período de aquecimento global, na
Idade Média. Ele relatava que, ao contrário da Irlanda, havia muitas serpentes
na Britânia. Recusando-se a aceitar o mito de que São Patrício eliminava as
serpentes da Irlanda, Beda ingenuamente explicou que as serpentes levadas nos
navios “morriam ao respirar o ar irlandês”. O livro termina com uma prece “a
ti, nobre Jesus”, e com a esperança de poder “viver na tua presença para
sempre”. Em uma nota de esclarecimento, Beda se refere aos “que possam ouvir ou
ler esta história”. Ouvir ou ler? A sequência de palavras mostra que os
seguidores de Beda eram, em maioria, analfabetos e dependiam de alguém que
lesse o livro para eles em voz alta.
Aquele
foi um tempo perigoso para todos os cristãos. Em janeiro de 729, um evento
agitou a região: dois cometas surgiram no céu, e por duas semanas puderam ser
vistos como “tochas incandescentes”, conforme as palavras do próprio Beda. As
pessoas deviam acorrer para olhar, porque cometas eram considerados mensageiros
de más notícias – possivelmente calamidades. No mesmo período, os muçulmanos
conquistaram a Palestina, a Síria e as terras do litoral da África, e avançavam
para a Espanha. Significariam aqueles cometas que os mulçumanos estavam prestes
a obter uma vitória maciça sobre o cristianismo? Talvez Itália, França e Inglaterra
fossem tomadas. Segundo Beda, os cometas aterrorizaram os ingleses.
Fonte: Livro "Uma breve história do cristianismo", de Geoffrey Blainey, Editora Fundamento Educacional, págs 77/86, Ano 2012.
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