Translate

sábado, 30 de novembro de 2024

Uma breve história do cristianismo: MONGES E EREMITAS (III)

São Bento (Aleteia)

Uma breve história do cristianismo

MONGES E EREMITAS

Por Geoffrey Blainey

O CHAMADO DOS BENEDITINOS

            Bento foi talvez o membro mais importante da Igreja, em seu tempo, e a influência exercida por ele ainda aumentou muito depois de sua morte. Nascido em Nórcia, na Itália central, uma cidade de planície, famosa por produtos de carne de porco e funghi, utilizados na culinária italiana, mudou-se para Roma, por causa dos estudos. Por volta do ano 500, abandonou o que chamava de “males de Roma”, e foi viver como eremita em um caverna perto de Subiaco. Com cerca de vinte anos, possuía a força interior de um líder natural. Seu primeiro passo para exercer essa liderança foi deixar de ser eremita.

            Bento foi assumindo a administração de pequenos mosteiros, até chegar a dez, cada um com doze monges. Como preferia liderar pelo exemplo, manteve a vida contemplativa, em vez de organizar e dar ordens constantemente. Sua última moradia foi o mosteiro que fundou por volta de 529 em Monte Cassino, entre Roma e Nápoles. Pouco afeito a conferências, reunia-se uma vez por ano à irmã, Escolástica, que administrava um convento nas proximidades, para discutirem questões ligadas ao espírito. Ela morreu antes dele, e os dois foram enterrados no mesmo túmulo.

“OS MONGES DEVEM PRATICAR O SILÊNCIO EM TODOS OS MOMENTOS, MAS EM ESPECIAL NAS HORAS NOTURNAS.”

            Bento havia aos poucos desenvolvidos uma combinação própria de ideias acerca da vida monástica, incluindo aí conceitos defendidos por monges e bispos de locais distantes, como o Egito e a França. Depois da morte de Bento, alguns monges incluíram ainda outras regras, em nome dele. Muitas eram semelhantes às adotadas pelos primeiros mosteiros do Egito, embora mais elaboradas. Os beneditinos apreciavam ter um abade firme, devoto e paciente, de preferência eleito pelos colegas.

            A organização adotada por Bento não permitia a propriedade privada nem as conversas, que ele considerava desperdício de tempo. “Os monges devem praticar o silêncio em todos os momentos, mas em especial nas horas noturnas”, determinava a regra de número 42. Nos mosteiros administrados conforme as determinações, até as refeições aconteciam em silêncio, pois os monges deviam dedicar total atenção à leitura das escrituras, feita enquanto comiam. A cada semana um monge era indicado como leitor oficial. Antes que ele começasse a ler, todos diziam três vezes: “Abre, Senhor, os meus lábios, e minha boca entoará o teu louvor.” A oração se espalhou pelo mundo, sendo recitado por milhões de cristãos.

            Havia sempre um monge experiente à porta do mosteiro, inclusive durante a noite, pois alguns viajantes se perdiam e chegavam lá em meio à escuridão. Quando o recém-chegado era peregrino ou um “servo da fé”, os monges acorriam humildemente à porta para bem recebe-lo. A regra 53 lembrava que o abade devia unir-se aos outros para cumprir o sagrado dever, “lavando os pés de todos os hóspedes”.

            Uma das habilidades inusitadas dos beneditinos – pelo menos até o ano de 1100 – era a de fazer cirurgias. Eles fundaram hospitais e enfermarias, plantavam ervas medicinais e tomaram-se os principais curadores da saúde dos habitantes da região em torno do mosteiro. Tal como Cristo, seus servos deviam curar os enfermos.

            A invasão do sul da Itália pelos lombardos afetou diretamente os primeiros beneditinos. O mosteiro de Monte Cassino, o principal, foi atacado em 577, e permaneceu abandonado por cerca de 140 anos. Depois de alvo de sucessivas invasões, sofreu com ataques dos sarracenos e dos normandos, além dos danos causados pelas armas pesadas da Segunda Guerra Mundial, mas passou por várias reconstruções.

            Enquanto isso, os beneditinos se expandiam. Tornaram-se poderosos na França, Alemanha e Holanda, onde fizeram um trabalho importante entre arianos e pagãos, em especial. Das dezessete catedrais que havia na Inglaterra na Idade Média, sete eram controladas por beneditinos, inclusive as de Canterbury (ou Cantuária) e Winchester. A Abadia de Westminster, onde são coroados os monarcas ingleses, era também beneditina.

UMA LUZ NA ESCURIDÃO

            Os beneditinos não sentiram necessidade de se estabelecer maciçamente na Irlanda, já que lá os mosteiros prosperavam, ao contrário da maior parte dos mosteiros da Europa, que enfrentavam dificuldade. Em 560, entre os mosteiros ativos, talvez o de Bangor, perto do Mar da Irlanda e da atual cidade de Belfast, fosse o que estava situado mais ao norte. Fundado por Comgall, o estilo de vida austero do mosteiro, os longos períodos de jejum e os cantos e orações que ocupavam noite e dia atraíam os monges locais. Aquela se tornou a maior casa religiosa da Irlanda, ou talvez das Ilhas Britânicas.

            Da Irlanda, os monges partiram para espalhar sua mensagem em regiões onde o cristianismo não era conhecido ou lutava para sobreviver. Columba deixou a Irlanda para fundar um mosteiro e uma igreja na ilha de Iona, na costa oeste da Escócia, enquanto Columbano partiu de Bangor com doze companheiros, para fundar mosteiros na França.

            A versão do cristianismo exercida pelos beneditinos era peculiar: para determinar a data em que seria comemorada a Páscoa, utilizavam cálculos diferentes dos empregados em Roma; os monges mais instruídos mantinham o conhecimento do idioma grego, mesma muito tempo depois que a liturgia em latim passou a ser adotado em regiões a oeste e ao norte de Roma; os abades irlandeses não aceitavam os bispos – uma forma de administração que pertencia às tradições romanas; adoravam uma cruz desenhada por eles – a cruz celta, que guarda alguma semelhança com a cruz copta.

            Por algum tempo a Europa ocidental viveu duas migrações simultâneas de monges. Os que saíram da Irlanda com a intenção de fundar novos mosteiros rumaram para leste, percorrendo as regiões onde se situam atualmente Escócia, Inglaterra, França, Suíça, Itália e Áustria. Os que viviam em Roma pretendiam fundar instituições próprias em regiões próximas ao Mar do Norte e à costa sul do Mar Báltico. Assim, em 595, seguindo as instruções do papa Gregório I, Agostinho cruzou o Canal da Mancha e chegou a Canterbury, onde fundou a abadia beneditina que se tornou a mais famosa igreja da Inglaterra.

São Beda, o Venerável (Wikipedia)

UM AVISO NO CÉU

            Beda foi um monge beneditino que viveu pela maior parte da vida em Jarrow, a nordeste da Inglaterra. Sua vestimenta habitual era um manto de pele de carneiro. Muito curioso acerca do mundo e criterioso na análise do que via e ouvia, escreveu à mão, em latim, um livro sobre o cristianismo, que completou em 731. Seguindo o exemplo de Isidoro de Sevilha, Beda organizou uma lista do que considerava os eventos mais significativos do mundo moderno, a começar pelo nascimento de Cristo. Diz-se que foi o melhor livro do gênero escrito na Europa, na época.

            Com uma simplicidade encantadora, o livro de Beda começa assim: “A Britânia, antes conhecida Álbion, é uma ilha no oceano.”

            Beda apreciava o clima da Inglaterra e da Irlanda, notando como as videiras floresciam em ambas as ilhas. Realmente, os habitantes das terras frias do norte da Europa devem ter recebido bem aquele período de aquecimento global, na Idade Média. Ele relatava que, ao contrário da Irlanda, havia muitas serpentes na Britânia. Recusando-se a aceitar o mito de que São Patrício eliminava as serpentes da Irlanda, Beda ingenuamente explicou que as serpentes levadas nos navios “morriam ao respirar o ar irlandês”. O livro termina com uma prece “a ti, nobre Jesus”, e com a esperança de poder “viver na tua presença para sempre”. Em uma nota de esclarecimento, Beda se refere aos “que possam ouvir ou ler esta história”. Ouvir ou ler? A sequência de palavras mostra que os seguidores de Beda eram, em maioria, analfabetos e dependiam de alguém que lesse o livro para eles em voz alta.

            Aquele foi um tempo perigoso para todos os cristãos. Em janeiro de 729, um evento agitou a região: dois cometas surgiram no céu, e por duas semanas puderam ser vistos como “tochas incandescentes”, conforme as palavras do próprio Beda. As pessoas deviam acorrer para olhar, porque cometas eram considerados mensageiros de más notícias – possivelmente calamidades. No mesmo período, os muçulmanos conquistaram a Palestina, a Síria e as terras do litoral da África, e avançavam para a Espanha. Significariam aqueles cometas que os mulçumanos estavam prestes a obter uma vitória maciça sobre o cristianismo? Talvez Itália, França e Inglaterra fossem tomadas. Segundo Beda, os cometas aterrorizaram os ingleses.

Fonte: Livro "Uma breve história do cristianismo", de Geoffrey Blainey, Editora Fundamento Educacional, págs 77/86, Ano 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF