A FELICIDADE E A ALEGRIA DO NATAL
Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
Aproxima-se o Natal, e o clima é de alegria. Não cansamos de
repetir: “Feliz Natal!” Por razões diferentes, também aquele Natal do ano zero
da era cristã está cercado de alegria. A quem duvida disso, recomendo que dê
uma olhada, mesmo que seja rápida e superficial, nos dois primeiros capítulos
do evangelho segundo Lucas. A alegria é a moldura na qual o evangelista insere,
com mãos de artista, uma a uma as cenas do anúncio, da espera e do nascimento
de Jesus. O cenário é simples, camponês e doméstico, e não o apelativo e
artificial espaço das vitrines e dos shoppings centers.
Esta alegria vem da realização de uma promessa que manteve
um povo de cabeça erguida e peregrinando na esperança por muitos séculos.
Depois de cada fracasso ou frustração, uma esperança insistente, antiga e
repaginada erguia os derrotados, fortalecia os fracos, reunia os dispersos,
consolava quem caíra prisioneiro da desolação. E suscitava iniciativas que
antecipavam no tempo aquilo que esperavam para o futuro. Aquele povo não
precisou do mito comercial do “bom velhinho” do “ho-ho-ho”.
A Igreja escolhe como um dos textos que iluminam a festa do
Natal o capítulo 9 do profeta Isaías (v. 1-6). Num tempo em que o povo vivia
oprimido, ameaçado e em risco de vida, Isaías fala do surgimento de uma luz
para quem anda nas trevas, de uma dupla dose de felicidade e de multiplicação
da alegria; uma alegria como aquela que vem de uma colheita abundante, de uma
luta vitoriosa, da superação de grandes dificuldades.
E qual é o motivo dessa alegria? É o nascimento de um bebê,
um “filho pequenino, cujos pais não são nomeados. É a teimosa esperança, que se
torna certeza inquebrantável, de que da humanidade nascerá um líder que a todos
maravilhará com sua bondade, que a todos ajudará com seu conselho, que
estenderá seu braço forte aos fracos, que será o primeiro na pacificação das
relações, que resgatará o direito e a justiça para os pobres. Maria entendeu
bem isso, e expressou claramente no seu cântico (cf. Lc 1,46-55).
Mesmo que a criança se pareça a um broto frágil que surge
das raízes de uma árvore decepada (cf. Is 11,1), este nascimento quebra os
instrumentos de opressão e a destrói os fardamentos ensanguentados dos
militares numa grande fogueira. A paz duradoura será verdade quando as armas
são transformadas em ferramentas para produzir alimentos! “Das suas espadas,
forjarão arados, e das suas lanças, podadeiras” (Is 2,4). Eis a glória de Deus
nas alturas e a paz para as criaturas que ele ama (cf. Lc 2,14).
Os questionamentos não pedem licença e são inevitáveis. Isso
não é apenas romantismo vazio e fuga da realidade? Não temos aqui mais uma
dessas detestáveis leituras ideológicas das sagradas escrituras? Que
possibilidades tem de realizar isso alguém que nasceu numa estrebaria e acabou
executado na cruz? Olhando o presépio e a cruz, Jesus não parece mais um
perdedor que um salvador, um excluído que um unificador?
Creio que o Natal de Jesus, mistério e promessa, desafia a
nossa fé, assim como sua morte e ressurreição. O recém-nascido “envolto em
faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12) continua sendo um sinal e um apelo
capaz de despertar em nós a humanidade adormecida, a bondade entorpecida e a
solidariedade enrijecida. Não seria esse o jeito de Jesus de salvar a
humanidade? Não seria pela sua fragilidade que ele dá força aos fracos? Não
seria pela sua proximidade que ele reestabelece a paz? Não seria fazendo-se pequeno
que ele revela a grandeza do ser humano?
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