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domingo, 15 de dezembro de 2024

O manto e a sombra de Jesus: a igreja, lar de nossa santidade (I)

combate-proximidade-missão (Opus Dei)

O manto e a sombra de Jesus: a igreja, lar de nossa santidade

Quando Cristo nos alcança em sua Igreja e nos deixa tocar seu manto, a força que sai dele é a sua própria santidade. Ele nos transforma para que possamos usufruir da “largura, do comprimento, da altura e da profundidade de seu coração”.

09/12/2024

Era um dia qualquer em Cafarnaum, e uma mulher ficou curada milagrosamente ao tocar a ponta do manto de Jesus (cfr. Mc 5,25-34). Sabemos pouco sobre ela, temos, mas sabemos menos ainda sobre as multidões que se aproximavam do Senhor com aquela mesma esperança: tocar seu manto para ser curados de suas doenças (cfr. Mt 14,36). E, no entanto, cada pessoa era importante e única para Jesus: como acontece conosco, todo o amor de Deus estava esperando por eles[1].

Nosso Senhor continua caminhando no meio de nós, deixando-se alcançar, tocar, interpelar. Não age em nossas vidas de uma prudente “distância de segurança”, mas com um imediatismo confiante. Os Atos dos apóstolos mostram como esse contato é possível depois de que, por sua ressurreição e ascensão, Jesus se tornou presente de um modo menos perceptível à simples vista, mas realmente muito mais próximo. Seu manto tornou-se acessível na sombra de Pedro: “Traziam os doentes para as ruas e punham-nos em leitos e macas, a fim de que, quando Pedro passasse, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles” (At 5,14-15). É isso: o manto do Senhor subsiste agora na sombra do Apóstolo, convertida em força do Altíssimo que cobre, santifica e cura. O manto de nosso Senhor e a sombra do Apóstolo: essa é “a realidade divino-humana da Igreja”[2], o caminho pelo qual Deus continua a nos alcançar e tocar, o lugar da nossa experiência do amor divino, o lar de nossa santidade.

Tocar o manto do Senhor

Assim como as testemunhas imediatas daqueles milagres, podemos nos surpreender com a simplicidade dos canais pelos quais o coração de Cristo quer entrar em conexão com o nosso. Talvez esperássemos algo mais extraordinário, algo que impactasse mais os nossos sentidos com mais força. E, no entanto, é apenas assim: Deus quer comunicar-nos sua graça deixando-nos apenas tocar seu manto e ser alcançados por sua sombra.

Para poder tocar o Senhor é necessário que estejamos dispostos a caminhar através de intermediários de pouco brilho e, às vezes, inclusive, com mais sombra do que luz; e, no entanto, como acontece com os vitrais de uma catedral, é através desses intermediários que a luz nos alcança adquirindo inclusive tons maravilhosos em alguns momentos. A sombra de Pedro pode parecer simplesmente isso, a sombra de Pedro; e, no entanto, nela se encontra Ele, vivo e atuando.

O manto de Jesus, a sombra de Pedro, são a própria Igreja, que irradia força e luz. Ela é “como um sacramento, isto é, sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano”[3]. Daí que o caminho de nossa santidade passe pelo desejo de manter-nos muito unidos a Jesus Cristo em sua Igreja, porque nossa fortaleza está nele, em sua pessoa “sacramentada”. São Leão Magno dizia que “aquilo que era visível em nosso Salvador passou para seus mistérios”[4]. De modo semelhante, São Josemaria via os sacramentos “como as pegadas de seus passos, para que possamos pisar neles e chegar ao céu”[5]. O desafio consiste então em descobrir o poder e a fecundidade que se oculta sob a aparente simplicidade dessas palavras e gestos, desses rostos e elementos – dessa sombra – através dos quais o Senhor deseja vir ao nosso encontro hoje.

Uma das coisas que a vida do Senhor nos mostra é sua forma de entrar em nossa existência através de um encontro pessoal. Jesus toca o leproso, olha para aqueles a quem chama, impõe as mãos às crianças e se convida a ir à casa de Zaqueu. E não se trata de simples episódios do passado, porque Jesus não mudou seu desejo original: quer continuar se encontrando pessoalmente com cada um. E só assim, através destes formosos encontros, converte-nos, atrai-nos para si.

Sacramentos de humildade

“O que temos ouvido, o que temos visto com os nossos olhos, o que temos contemplado e as nossas mãos têm apalpado (...) nós vos anunciamos” (1 Jo 1,3). Estas palavras autobiográficas do apóstolo São João expõem de modo impressionante o que havia no coração dos primeiros cristãos. Nossos primeiros irmãos na fé não pretenderam apenas transmitir-nos uma reflexão ou relatos comoventes sobre Jesus Cristo, nem um guia para entrarmos em um relacionamento com Deus por conta própria. Comunicaram o mesmo que eles puderam ver, ouvir e tocar; porque sabiam que esse, e não outro, era o caminho do Senhor para transformar-nos em outro Cristo.

Trata-se então de encontrar-nos realmente com Jesus, mas nos “sagrados mistérios de humildade”, como dizia Santo Agostinho[6]. Assim como o Senhor concedeu a vista ao cego de nascimento colocando em seus olhos algo tão precário como o lodo, do mesmo modo nós nos deixamos curar no seio da sua Igreja. Por isso amamos a confissão, a Eucaristia, o sacerdócio comum e ministerial, e cada dom sacramental: porque amamos a santa e humilde humanidade de Cristo. Quando recebemos estes dons com fé e esperança vamos nos identificando cada vez mais com os sentimentos e afetos de Jesus (Fl 2,5). Os gestos, os sinais e as palavras que recebemos vão realizando em nós o prodígio da santidade.

No entanto, como aconteceu com Naamã o sírio, que comparava a pequena corrente do Jordão com os grandes rios de sua pátria (cfr. 2 R 5,10-12), pode surgir também em nós o desejo de águas mais caudalosas ou especiais para alimentar nossa santidade do que as dos sacramentos. Pode parecer, às vezes, que os sacramentos quase não nos mudam, que são um caminho excessivamente lento ou rotineiro. E surge talvez o sonho de algo além deles, de uma experiência espiritual de maior impacto. Esse pode ser o momento de redescobrir, junto da simplicidade desses canais, o contínuo convite que ficou gravado na memória do discípulo amado depois de tantas horas junto do Senhor: permanecer nele[7].

Permanecer unidos ao seu manto, no raio da sombra da sua Igreja e dos seus sacramentos, significa redescobrir o valor de frequentá-los. Esta perseverança atuará em nós, não tanto por um acúmulo de efeitos que possamos perceber facilmente, como por uma progressiva transformação do nosso coração. Dessa forma, ficaremos repletos de confiança de que chegará o vinho novo. Que chega, sempre e quando nos mantemos unidos à única vide e recebemos do mestre as únicas palavras de vida eterna. Permanecer no Senhor por meio de seus sacramentos é, portanto, uma bela maneira de nos abandonarmos em suas mãos. Sabemos que, ao permanecermos nele, permitimos que ele realize sua obra em nós, à sua maneira e em seu próprio ritmo. E então, “nossa vida interior não encerra outro espetáculo a não ser este: É Cristo que passa quasi in occulto[8].

Se nos sacramentos podemos voltar a tocar o manto da sua humanidade, deixar-nos alcançar pela sombra do Apóstolo significa também estar atentos à voz que a Igreja nos dirige. Dela recebemos as palavras de que necessitamos para crescer em santidade. Acolhendo-as e deixando-as atuar, com confiança e amor, vamos nos convertendo naquilo que ouvimos.

Detenhamo-nos um momento nas palavras que ouvimos, por exemplo, no sacramento da reconciliação. Quem se confessa com frequência poderia ter alguma vez a impressão de estar repetindo a mesma coisa e de que os conselhos recebidos também não variam muito. Isso poderia desalentar e fazer perder a esperança na fecundidade deste sacramento. Talvez seja então o momento de redescobrir as palavras que nos são ditas na absolvição: Deus nos concede “o perdão e a paz”[9]. O Senhor, através da sua Igreja, está confirmando nossa condição de seres perdoados. E convida-nos a viver em paz, porque o nosso coração já vive na paz do dEle.

Mas também ouvimos muitas expressões de graça durante a Santa Missa, começando pela Palavra de Deus, que deve encontrar seu caminho em nós. “Escutamos [a Palavra de Deus] com os ouvidos e ela passa para o coração; não permanece nos ouvidos, mas deve chegar ao coração; e do coração às mãos, às boas obras. Eis o percurso da Palavra de Deus: dos ouvidos ao coração e às mãos”[10]. As palavras que ouvimos durante a consagração também nos fazem um bem especial, quando o próprio Cristo nos diz que se entrega por nós e que quer habitar corporalmente em nossas vidas. E o que Ele diz, Ele faz: deixa-se tocar e comer, na comunhão eucarística.


[1] “Eu me pergunto muitas vezes ao dia: o que será quando toda a beleza, toda a bondade, toda a maravilha infinita de Deus se derramar sobre este pobre vaso de barro que sou eu, que somos todos nós?” (São Josemaria, anotações de uma reunião familiar, 22/10/1960).

[2] Mons. F. Ocáriz, Mensagem, 21/10/2023.

[3] Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, n. 1

[4] São Leão Magno, Sermo 74, 2: CCL 138A, 457 (PL 54, 398); citado no Catecismo da Igreja Católica, n. 1115.

[5] Cfr. São Josemaria, Tertúlia em Buenos Aires, Argentina, 15/06/1974.

[6] Santo Agostinho, Confissões 8, 2, 4.

[7] No evangelho de São João este verbo aparece repetidamente nos lábios de Jesus; cfr. Jo 6,56; 8,31; 15,4-10. Em sua primeira carta, o apóstolo far-se-á eco dessa insistência: cfr. 1 Jo 2,6.24.27; 3, 6.24.

[8] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 152.

[9] Cfr. Ritual da penitência.

[10] Papa Francisco, Audiência, 31/01/2018.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/o-manto-e-a-sombra-de-jesus-a-igreja-lar-de-nossa-santidade/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF