O manto e a sombra de Jesus: a igreja, lar de nossa
santidade
Quando Cristo nos alcança em sua Igreja e nos deixa tocar
seu manto, a força que sai dele é a sua própria santidade. Ele nos transforma
para que possamos usufruir da “largura, do comprimento, da altura e da
profundidade de seu coração”.
09/12/2024
Uma força que transforma
Do manto de nosso Senhor e da sombra de Pedro emerge uma
força capaz de curar o corpo; mas, sobretudo, de converter o coração. Quando
Cristo nos alcança em sua Igreja e nos deixa tocar seu manto, a força que sai
dEle é a sua própria santidade. Assim vai nos transformando para que Ele viva
em nós, e possamos usufruir “a largura, o comprimento, a altura e a
profundidade” do seu coração (Ef 3,18).
Esta dilatação do coração leva-nos a tornar nossa aquela
experiência de são Paulo: fazer-se “tudo para todos, a fim de salvar a todos”
(1 Cor 9,22). Quando a Igreja realmente se torna nossa casa, percebemos que
desejamos com obras que todos possam experimentar o amor de Deus em suas vidas.
“Deus nos chamou (...) para fazer que conheçam a Jesus Cristo tantas
inteligências que não sabem nada dele e – ao querer-nos em sua Obra – deu-nos
também um modo apostólico de trabalhar, que nos move à compreensão, à desculpa,
à caridade delicada com todas as almas”[11].
Um belo sinal de que a força transformadora do coração do
Senhor encontra acolhida em nós é que começam a desaparecer certas distâncias
ou barreiras interiores para com os outros, que antes pareciam muito difícil de
superar. Os motivos humanos que originavam essas atitudes deixam de ser a
última palavra e a força do amor de Deus impõe-se com paz em nós. O Senhor
dilata o nosso coração para que ele se possa abrir em caridade fraterna para
com todos os homens e em todas as direções. Sentimo-nos em comunhão com todos,
de modo que nada do que diz respeito aos outros é indiferente para nós.
Jesus quis formar seus primeiros seguidores com esse
espírito. Ao escolher os doze, não procurou criar um círculo de pessoas
homogêneas, antes pelo contrário. Por isso, humanamente falando, não faltaram
motivos para divisão entre. Era quase uma provocação levar a conviver dia após
dia pessoas de proveniências, sensibilidades políticas e estratos sociais tão
diferentes. E, no entanto, é justamente assim que a Igreja renasce
continuamente: quando, por amor ao Senhor e ao Evangelho, os motivos humanos de
divisão já não têm a última palavra. O amor de Deus triunfa em nossa conduta
quando deixamos que a Igreja faça prevalecer em nós o desejo da comunhão por
cima da fácil tendência à divisão.
A santidade que a Igreja suscita em nossa alma por isso
também se manifesta num forte desejo de reconciliação, de perdão e de unidade
profunda entre todos os filhos de Deus. A comunhão dos santos já não é vista
como um ideal, algo que sabemos que é verdadeiro, mas que nos aparece
inalcançável. Experimentamos o que escrevia nosso Padre: “cada um sentirá, à
hora da luta interior, e à hora do trabalho profissional, a alegria e a força
de não estar só”[12].
Essa união com todos na Igreja torna-se assim, um chamado entusiasta ao qual
queremos responder com atitudes novas, nascidas do coração de Cristo:
“Compreendei-vos, desculpai-vos, amai-vos, vivei com a certeza de estar sempre
nas mãos de Deus, acompanhados pela sua bondade (...). Nunca vos sintais sós,
sempre acompanhados, e estareis sempre firmes: os pés no chão, e o coração lá
em cima, para saber seguir o que é bom”[13].
Dar esperança
Ao lado dessa nova capacidade de amar, a força que sai do
Senhor e da sua Igreja leva-nos a olhar a realidade através de uma nova lente:
a esperança. O Papa Francisco quis precisamente que celebrássemos o próximo
Jubileu da Redenção nessa chave[14].
Jesus continua caminhando através da história e em meio à humanidade. O seu
manto é mais amplo do que nossos olhos podem ver. Somos tomados pela certeza de
que o Senhor continua atuando, tocando e deixando-se alcançar pelos homens em
meio à agitação de um mundo que em tantas coisas parece desorientado. Sem
deixar de ver o drama da história, com toda a sua de dor e tragédia, a
santidade que a Igreja semeia em nós ajuda-nos a não ceder ao desânimo ou a
nostalgia diante de um mundo aparentemente pós-cristão, como se a ampliação ou
o estreitamento de certas esferas de influência fossem tudo o que se pode
esperar como triunfos ou lamentar como derrotas.
“Depois de ter conhecido Jesus, nós só podemos perscrutar
a história com confiança e esperança. Jesus é como uma casa, e nós estamos
dentro dela, e das janelas desta casa olhamos para o mundo. Portanto não nos
fechemos em nós mesmos, não tenhamos saudades de um passado que se presume
dourado, mas olhemos sempre para a frente, para um futuro que não é só obra das
nossas mãos, mas que antes de tudo é uma preocupação constante da providência
de Deus”[15].A
santidade que nasce do seio da Igreja faz-nos recordar que o Senhor está
fazendo continuamente “novas todas as coisas” (Ap 21,5). Onde alguns poderiam
ver unicamente decadência, nós vemos, apesar de tudo, o germe de uma
transformação. Nas bodas em que o vinho acaba, descobrimos a condição
necessária para que tragam o novo, aquele que só Cristo pode trazer.
“O desafio mais importante para a Igreja – e para a
sociedade em seu conjunto – é dar esperança para cada pessoa, especialmente
para os jovens, as famílias e aqueles que padecem de mais necessidades
materiais ou espirituais”[16].
E a esperança que a Igreja deseja inspirar em nossos corações é a certeza de
que o Senhor não deixa de vir em auxílio dos homens; e que o verdadeiramente
definitivo na história é a realidade de nossa redenção, que continua presente e
cresce, não obstante a cizânia.
São Josemaria escrevia aos fiéis do Opus Dei que se
acostumassem a olhar “primeiro e sempre a Igreja santa”[17].
São palavras que na realidade, valem para todos os cristãos. Na Igreja, o olhar
do da pessoa de fé vê o próprio Cristo vivendo entre nós. O mesmo que caminhava
entre as multidões e que agora se aproxima de nós, toca-nos e santifica-nos. O
olhar de fé vê nela o manto inconfundível de Cristo, que está muito perto de
nós, para nos dar vida e comunicar o seu amor infinito. Com este olhar, chega
também um sentimento de profunda confiança e afeto, de modo de que tudo que vem
dela encontrará sempre em nosso interior “uma atitude de abandono filial
esperançoso”[18].
Receberemos assim, como nos dizia São Josemaria, “qualquer notícia que nos
venha da Esposa de Jesus Cristo”[19].
Porque não duvidamos que dela só podem vir coisas boas, e que cada uma delas
orienta-se sempre para a principal de todas: a nossa santidade.
[11] São
Josemaria, Carta 4, n. 1.
[12] São
Josemaria, Caminho, n. 545.
[13] São
Josemaria, Em diálogo com o Senhor, n. 79
[14] Cfr.
Papa Francisco, Spes non confundit, Bula de convocação do Jubileu
ordinário do ano 2025.
[15] Papa
Francisco, Audiência, 11/10/2017.
[16] Mons.
F. Ocáriz, Entrevista de 3/07/2017.
[17] São
Josemaria, Carta 18, n. 27.
[18] Mons.
F. Ocáriz, Mensagem, 13/09/2023.
[19] São
Josemaria, Carta 8, n. 54.
Nenhum comentário:
Postar um comentário