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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Tempo e futuro

Tempo: O passado, o presente e o futuro...(MDig)

TEMPO E FUTURO 

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

Como numa forja as coisas agora estão misturadas. Neste tempo o pensamento percebe, mas as palavras não exprimem. Já houve outros tempos como este, embora as coisas fossem diferentes. 

Naquele tempo, discutiu-se que a cura alcançada por meio de ervas era bruxaria. Substâncias separadas não poderiam ser juntadas, pois assim como o que Deus uniu não deveria o homem separar o que Deus separou não devia o homem reunir. Tudo perfeitamente junto, com fundamentos nos píndaros do conhecimento mais refinado da época. Indivíduos cultos e incultos juravam ser verdadeiro esse epitáfio, e eram capazes de garanti-lo com um juramento arqueando a mão sobre a própria bíblia. Se não deve o homem juntar o que Deus separou, então, diziam eles, o futuro é o devir, e o devir é pecado contra a unidade. 

Quando o pensamento pensa, mas a palavra não exprime, segue-se uma ignorância radicada no espírito do presente. Por ignorância também se alcança certos êxitos, mas, via de regra, só o que procuramos conscientemente pode ser chamado de descoberta. 

A ignorância encontra certas coisas, é verdade, mas em sua natureza está encerrada apenas a possibilidade de encontrar o que já existe, mas não tem a capacidade de engendrar e construir. Esse pensamento levou ignorantes a instituírem, por força da política ou da palavra ruidosa, a cura para vírus e doenças da humanidade. O ignorante pensa ter encontrado a solução para os males que arruínam o mundo. Encontram levianamente soluções medianas para a política e para a medicina.  

No presente surgiu uma dupla luta. A humanidade contra ela mesma, forjando as batalhas; os elementos em luta entre si, gerando o caos. Assim, batalha e caos quando coincidem rompem o limiar de uma época e arremessa tudo para o desconhecido. 

O fim do processo exitoso que trouxe o mundo moderno para o seu apogeu, grande parte baseado na relação de produção e consumo, apena com grande esforço ainda consegue respirar. A falta de matéria disponível e a busca acelerada pelas últimas reservas agitam os elementos e produz distorções das quais a mais vistosa é a mudança climática, mas há muito mais por baixo dessas vagas rasas que se aproximam do litoral. 

O paradeiro entre estar e ser arremessado é o que em linguagem náutica exprime as correntes marinhas. Elas correm abaixo da superfície do oceano, e, ao menos que encontrem resistência ou empecilho, permanecem calmas, mas se encontram resistência se tornam caóticas. Elas combatem contra as resistências e se misturam com elas. Suas diferenças são combatidas com tamanha altivez que já não se parecem mais com elementos distintos, mas um único e mesmo elemento em luta consigo mesmo. 

Quando presa por uma dessas correntes calmas que conduzem a um enfrentamento com elementos distintos, a nau não pode voltar. A única possibilidade é embrenhar-se no desconhecido, esperando deixá-lo para trás em algum momento. É isso, basicamente, que chamamos futuro. 

Tendo as vagas se aproximado do litoral, a humanidade já consegue se ressentir da luta dos elementos e, ainda distorcida pela visão opaca, produz suas batalhas. A política, sem entender o que está acontecendo, coloca grupos contra grupos, países contra países, pessoas contra pessoas, imaginando que seja tudo uma questão de muros, e não o fim do sistema de produção e consumo que nos trouxe até aqui. Os próprios indivíduos que exercem o poder de governo, muito ciosos de seus cargos e menos interessados em compreender o mundo, ajudarão a distorcer a realidade. As ondas, contudo, chegarão a tocar o litoral. 

Adentrar o futuro, contudo, não é para nós uma escolha, mas uma necessidade. Entrar no futuro, onde a humanidade combate e os elementos se estranham, é uma necessidade fática que assusta, mas é incontornável. 

Ver-se-á por algum tempo, talvez longo ainda, a hostilidade de um pensamento que não consegue se exprimir, e a expressão de uma fala que não pensa. 

Nesse mar sitiante de calmaria e correntes o futuro chega. O sublime no futuro que vem é o não teimoso. Como o escândalo da Cruz, acolhe a contradição e concilia a fatalidade do porvir com o que será. A vitalidade do que foi deve ser reencontrada no futuro. O querer e a fé precisam se unir. A Fé sem o querer termina vencida. 

A fé que deseja quer ver o que tem porvir. O teme, é bem verdade, mas a necessidade exige que o encare em algum momento. Nessa coragem do querer que aquece a fé, a humanidade se separa dos brutos, pois ficando espantada e assombrada quando o futuro se retira, ela colhe nesse retirar-se uma abertura para o infinito, e tudo acontece! O futuro chega! 

Uma obra desmedida que o pensamento e a fé geram, pois só quem é capaz de espanto e assombro constrói. 

Chegar ao futuro é constatar a necessidade de que há mais futuro, um abismo infindo que pede para si a contemplação! 

No caminho para o futuro não nos cansamos porque não queremos nos cansar, queremos ver o que há, mas as coisas se cansam. É tempo, então, que as coisas cansadas sejam substituídas, para que o tempo continue tendo futuro. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF