TEMPO E FUTURO
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Como numa forja as coisas agora estão misturadas. Neste
tempo o pensamento percebe, mas as palavras não exprimem. Já houve outros
tempos como este, embora as coisas fossem diferentes.
Naquele tempo, discutiu-se que a cura alcançada por meio de
ervas era bruxaria. Substâncias separadas não poderiam ser juntadas, pois assim
como o que Deus uniu não deveria o homem separar o que Deus separou não devia o
homem reunir. Tudo perfeitamente junto, com fundamentos nos píndaros do
conhecimento mais refinado da época. Indivíduos cultos e incultos juravam ser
verdadeiro esse epitáfio, e eram capazes de garanti-lo com um juramento
arqueando a mão sobre a própria bíblia. Se não deve o homem juntar o que Deus
separou, então, diziam eles, o futuro é o devir, e o devir é pecado contra a
unidade.
Quando o pensamento pensa, mas a palavra não exprime,
segue-se uma ignorância radicada no espírito do presente. Por ignorância também
se alcança certos êxitos, mas, via de regra, só o que procuramos
conscientemente pode ser chamado de descoberta.
A ignorância encontra certas coisas, é verdade, mas em sua
natureza está encerrada apenas a possibilidade de encontrar o que já existe,
mas não tem a capacidade de engendrar e construir. Esse pensamento levou
ignorantes a instituírem, por força da política ou da palavra ruidosa, a cura
para vírus e doenças da humanidade. O ignorante pensa ter encontrado a solução
para os males que arruínam o mundo. Encontram levianamente soluções medianas
para a política e para a medicina.
No presente surgiu uma dupla luta. A humanidade contra ela
mesma, forjando as batalhas; os elementos em luta entre si, gerando o caos.
Assim, batalha e caos quando coincidem rompem o limiar de uma época e arremessa
tudo para o desconhecido.
O fim do processo exitoso que trouxe o mundo moderno para o
seu apogeu, grande parte baseado na relação de produção e consumo, apena com
grande esforço ainda consegue respirar. A falta de matéria disponível e a busca
acelerada pelas últimas reservas agitam os elementos e produz distorções das
quais a mais vistosa é a mudança climática, mas há muito mais por baixo dessas
vagas rasas que se aproximam do litoral.
O paradeiro entre estar e ser arremessado é o que em
linguagem náutica exprime as correntes marinhas. Elas correm abaixo da
superfície do oceano, e, ao menos que encontrem resistência ou empecilho,
permanecem calmas, mas se encontram resistência se tornam caóticas. Elas
combatem contra as resistências e se misturam com elas. Suas diferenças são
combatidas com tamanha altivez que já não se parecem mais com elementos
distintos, mas um único e mesmo elemento em luta consigo mesmo.
Quando presa por uma dessas correntes calmas que conduzem a
um enfrentamento com elementos distintos, a nau não pode voltar. A única
possibilidade é embrenhar-se no desconhecido, esperando deixá-lo para trás em
algum momento. É isso, basicamente, que chamamos futuro.
Tendo as vagas se aproximado do litoral, a humanidade já
consegue se ressentir da luta dos elementos e, ainda distorcida pela visão
opaca, produz suas batalhas. A política, sem entender o que está acontecendo,
coloca grupos contra grupos, países contra países, pessoas contra pessoas,
imaginando que seja tudo uma questão de muros, e não o fim do sistema de
produção e consumo que nos trouxe até aqui. Os próprios indivíduos que exercem
o poder de governo, muito ciosos de seus cargos e menos interessados em compreender
o mundo, ajudarão a distorcer a realidade. As ondas, contudo, chegarão a tocar
o litoral.
Adentrar o futuro, contudo, não é para nós uma escolha, mas
uma necessidade. Entrar no futuro, onde a humanidade combate e os elementos se
estranham, é uma necessidade fática que assusta, mas é incontornável.
Ver-se-á por algum tempo, talvez longo ainda, a hostilidade
de um pensamento que não consegue se exprimir, e a expressão de uma fala que
não pensa.
Nesse mar sitiante de calmaria e correntes o futuro chega. O
sublime no futuro que vem é o não teimoso. Como o escândalo da Cruz, acolhe a
contradição e concilia a fatalidade do porvir com o que será. A vitalidade do
que foi deve ser reencontrada no futuro. O querer e a fé precisam se unir. A Fé
sem o querer termina vencida.
A fé que deseja quer ver o que tem porvir. O teme, é bem
verdade, mas a necessidade exige que o encare em algum momento. Nessa coragem
do querer que aquece a fé, a humanidade se separa dos brutos, pois ficando
espantada e assombrada quando o futuro se retira, ela colhe nesse retirar-se
uma abertura para o infinito, e tudo acontece! O futuro chega!
Uma obra desmedida que o pensamento e a fé geram, pois só
quem é capaz de espanto e assombro constrói.
Chegar ao futuro é constatar a necessidade de que há mais
futuro, um abismo infindo que pede para si a contemplação!
No caminho para o futuro não nos cansamos porque não
queremos nos cansar, queremos ver o que há, mas as coisas se cansam. É tempo,
então, que as coisas cansadas sejam substituídas, para que o tempo continue
tendo futuro.
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