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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A democracia é uma planta que precisa de cuidados

Cuidar da democracia como uma planta frágil | PÚBLICO

A DEMOCRACIA É UMA PLANTA QUE PRECISA DE CUIDADOS

Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

Vivi a adolescência e a primeira fase da juventude em Anchieta, uma pequena cidade do interior de Santa Catarina. Com minha geração, cantei emocionado as canções que falavam de um país que só ia para frente. Naqueles “verdes anos”, ignorava que gente da minha idade sofria perseguição política, era presa e torturada. Não sabia eu que vivíamos tempos nos quais a democracia havia sido pisoteada por uma ditadura militar. 

Somente no início da década de 1980, com o ingresso no mundo universitário, muito lentamente fui tomando consciência dos valores da democracia e da força corrosiva e destruidora dos regimes autoritários. Mas foi preciso avançar vários anos no calendário da vida para que eu chegasse a compreender que a democracia não está inscrita na nossa certidão de nascimento; ela é uma conquista sempre precária, e pode ser destruída. 

Embora seja tentador, não podemos deduzir das Sagradas Escrituras um sistema ou regime político, nem uma forma específica de governo (monarquia, aristocracia, democracia ou ditadura). Mas a Bíblia e a Tradição cristã viva deixam suficientemente claro que, aos olhos de Deus, o povo é sujeito de direitos, e deve ser respeitado. As escrituras atestam que o clamor dos pobres e oprimidos move a ação do próprio Deus. 

A Igreja católica ensina que “o sujeito da autoridade política é o povo, considerado na sua totalidade como detentor da soberania”. O povo transfere o exercício dessa autoridade soberana àqueles que elege livremente como seus representantes, mas mantém o direito e o dever do controle sobre eles. Por isso, graças aos seus mecanismos de controle, a democracia é o sistema que melhor garante a soberania de um povo. 

A Igreja aprecia a democracia, pois ela “assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade de escolher e controlar os próprios governantes” (João Paulo II). Ao mesmo tempo, sublinha que a democracia não pode ser refém de “grupos restritos que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares”.  A democracia deve servir ao bem comum. 

Mas a democracia pode ser limitada gravemente por vários fatores, inclusive pelas imposições do “mercado”. Por isso, o Estado precisa subordinar a economia à política e as empresas ao bem comum. “A globalização das finanças, da economia, do comércio e do trabalho, jamais devem violar a dignidade e a centralidade da pessoa humana, nem a liberdade e a democracia”, diz a Igreja (Compêndio de Doutrina Social, nº 322). 

Hoje estamos às voltas com um perigoso enfraquecimento da democracia. Sinais disso são as investidas do mercado financeiro sobre a soberania dos países, a manipulação da informação, a crescente polarização política e social, e a sedução que as soluções autoritárias e sectárias sobre a população. A democracia não sobrevive quando a lógica dos interesses parciais de alguns especuladores se antepõe à busca do bem comum.  

Cuidemos desse bem precioso conquistado a duras penas. Milton Nascimento canta, em outro contexto: “Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu… Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia. E há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto”. Ainda estamos aqui! 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF