O Mandamento da
Caridade
11. Os
efeitos da lei do amor: o amor causa a vida espiritual.
Deve-se
saber, também, que esta lei, a do amor divino, produz quatro coisas no homem
imensamente desejáveis, a primeira das quais é causar no mesmo a vida
espiritual. É, de fato, manifesto que o amado está naturalmente no amante e por
isto, quem a Deus ama, possui Deus em si: “Quem permanece na caridade
em Deus permanece, e Deus nele” (I Jo. 4). A natureza do amor é
também tal que transforma o amante no amado; de onde que se amamos o que é vil
e caduco, vis e instáveis nos tornamos: “Fizeram-se abomináveis assim
como o que amaram” (Os. 1). Se, porém, a Deus amarmos, divinos nos
tornaremos, porque, como está escrito: “Aquele que se une ao Senhor,
constitui com Ele um só espírito” (I Cor. 6). Neste sentido é que
Santo Agostinho diz que assim como a alma é a vida do corpo, assim Deus é a
vida da alma, e isto é manifesto. Porquanto dizemos o corpo viver pela alma,
quando tem as operações próprias da vida, e quando opera e se move. Apartando-
se, porém, a alma, nem o corpo opera, nem se move. Assim também a alma opera
virtuosa e perfeitamente quando opera pela caridade, pela qual Deus habita
nela. Sem a caridade, porém, não opera: “Quem não ama, permanece na
morte” (I Jo. 3). Deve-se considerar, também, que se alguém tiver todos os
dons do Espírito Santo sem a caridade, não tem a vida. Seja, de fato, a graça
de falar em línguas, seja o dom da fé, ou seja, qualquer outro, sem a caridade
não concedem a vida. Com efeito, se o corpo dos mortos é vestido de ouro e de
pedras preciosas, não obstante isto, morto permanece. Causar a vida espiritual
é, portanto, o primeiro dos efeitos da caridade.
12. O amor
causa a observância dos mandamentos.
O
segundo efeito da caridade é a observância dos mandamentos divinos. Diz São
Gregório: “Nunca o amor de Deus é ocioso”. Porquanto, se existe,
opera grandes coisas; se, porém, se recusa a operar, amor não é. De onde que um
sinal manifesto da caridade é a prontidão na execução dos preceitos divinos.
Vemos, de fato, os que amam operar por causa do amado coisas grandes e
difíceis. Diz também o Evangelho de João: “Se alguém me ama, observará
os meus mandamentos” (Jo. 14). Mas quem observa o mandamento e a lei
do amor divino cumpre toda a lei. Pois há dois modos de mandamentos divinos.
Alguns são afirmativos, e estes a caridade cumpre porque a plenitude da lei que
consiste nos mandamentos é o amor pelo qual os mandamentos são observados. Já
outros são proibitórios, e estes também a caridade cumpre, porque “não
age maldosamente”, como diz o Apóstolo na primeira aos Coríntios.
13. O amor
é refúgio contra as adversidades.
A
terceira coisa que faz a caridade é ser refúgio contra as adversidades. Ao que
tem caridade, nenhuma adversidade causa dano, antes, se converte em coisa
útil: “Todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus” (Rom.
8). As coisas adversas e difíceis parecem suaves para os que amam, como entre
nós o vemos manifestamente.
14. O amor
conduz à eterna BEM-AVENTURANÇA.
O
quarto efeito da caridade é o de conduzir à felicidade. Somente aos que tiverem
caridade a felicidade eterna é prometida, pois todas as coisas sem a caridade
são insuficientes: “Desde já me está reservada a coroa de justiça, que
me dará o Senhor, justo juiz, naquele dia. E não somente a mim, mas a todos os
que tiverem esperado com amor a sua vinda” (II Tim. 4)
E deve-se saber
que somente segundo a diferença da caridade será a diferença da
bem-aventurança, e não segundo nenhuma outra virtude. Muitos, na verdade,
fizeram maiores jejuns do que os apóstolos, mas estes na bem-aventurança
superam todos os outros por causa da excelência da caridade. Eles, com efeito,
foram as primícias dos que têm o Espírito, como diz o Apóstolo, no oitavo de
Romanos. De onde que a diferença da bem-aventurança provém da diferença da
caridade, e assim são patentes as quatro coisas que em nós faz a caridade.
15. Outros
efeitos do amor: o amor produz o perdão dos pecados.
Além
destas, porém, a caridade faz outras coisas que não se devem deixar passar.
Primeiro, causa o perdão dos pecados, algo que já vemos manifestamente
acontecer entre nós. Porquanto, se alguém ofender algum homem e posteriormente
vier a amá-lo entranhadamente, o ofendido, por causa do amor com que é amado,
perdoará a ofensa. Assim também Deus perdoa os pecados dos que o amam: “A
caridade encobre uma multidão de pecados” (I Pe. 4). E diz bem o
apóstolo que os encobre, porque para Deus não parece que devam ser punidos.
Mas, posto que São Pedro diga que encobre uma multidão, todavia Salomão diz no
décimo de Provérbios que “a caridade encobre todos os delitos”, o
que o exemplo da Madalena maximamente manifesta: “São-lhe perdoados
muitos pecados”, e a causa é mostrada: “já que muito amou”
(Luc. 7). Mas talvez alguém dirá: “Então a caridade basta para apagar
os pecados, e não é necessário o arrependimento?” Deve-se considerar,
porém, que ninguém verdadeiramente ama, que não se arrependa verdadeiramente.
De fato, é manifesto que quanto mais amamos a alguém, tanto mais nos afligimos
se a ele ofendemos, e isto é um efeito da caridade.
16. O amor
produz a iluminação do coração.
A
caridade causa também a iluminação do coração. Com efeito, assim diz o livro de
Jó: “Estamos todos envolvidos em trevas” (Jó 37). Pois frequentemente
não sabemos o que agir, ou desejar. A caridade, porém, ensina tudo o que é
necessário à salvação. Por isto está dito: “Sua unção vos ensinará de
tudo” (I Jo. 2). Isto é porque, onde está a caridade, lá está o
espírito Santo que a tudo conhece, o qual nos conduz no caminho correto, assim
como está escrito no Salmo 138. E por isso diz também o Eclesiástico: “Vós,
que temeis a Deus, amai-O, e se iluminarão os vossos corações“, a saber,
para o conhecimento do que é necessário à salvação.
17. O amor
realiza a perfeita alegria.
A
caridade também realiza no homem a perfeita alegria. Na verdade, ninguém tem
verdadeira alegria a não ser existindo na caridade. Quem quer que deseje algo
não está contente, nem se alegra, e nem tem repouso enquanto não o conseguir. E
nas coisas temporais sucede que o que se não se tem é apetecido, e o que se tem
é desprezado e gera o tédio. Mas não é assim nas coisas espirituais; antes, ao
contrário, quem a Deus ama, a Deus possui, e por isso a alma de quem o ama e o
deseja nEle repousa: “Quem”, de fato, “permanece na caridade, em Deus
permanece, e Deus nele”, como está dito no quarto da primeira Epístola de
João.
18. O amor
produz a perfeita paz.
Igualmente,
a caridade produz a perfeita paz. Pois acontece nas coisas temporais que sejam
desejadas com frequência, mas obtidas as mesmas, ainda a alma do que as deseja
não repousa, antes, ao contrário, obtida uma, outra apetece: “O coração
do ímpio é como um mar revolto, que não pode repousar” (Ecl. 57). E
também, no mesmo lugar: “Não há paz para o ímpio, diz o Senhor”.
Mas não acontece assim na caridade para com Deus. Quem, de fato, ama a Deus,
tem a paz perfeita: “Muita paz aos que amam a Tua lei, e não há tropeço
para eles” (Salmo 118). E isto porque somente Deus é capaz de
satisfazer o nosso desejo, porquanto Deus é maior do que o nosso coração, como
diz o Apóstolo. E por isso diz Santo Agostinho no primeiro livro das
Confissões: “Fizeste-nos, ó Senhor, para ti, e o nosso coração está
inquieto enquanto não repousa em ti”. E também: “O qual preenche de
bens o teu desejo” (Salmo 102). A caridade também torna o homem de
grande dignidade. Com efeito, todas as criaturas servem à própria majestade
divina, e por ela foram feitas, assim como as coisas artificiais servem ao
artífice. Mas a caridade faz do servo um livre e um amigo. De onde diz o
Senhor: “Já não vos chamarei de servos, mas de amigos” (Jo.
15). Mas porventura Paulo não é servo? E os outros apóstolos não escreviam de
si serem servos? Quanto a isto deve-se saber que há duas servidões. A primeira
é a do temor, e esta é penosa e não meritória. Se, de fato, alguém se abstém do
pecado somente pelo temor da pena, não merece por isto. Ainda é servo. A segunda
servidão é a do amor. Se, na verdade, alguém opera não pelo temor da justiça,
mas pelo amor divino, não opera como servo, mas como livre, porque
voluntariamente, e é por isto que Cristo diz: “Já não vos chamarei mais de
servos”. E por quê? A isto responde o Apóstolo: “Não recebestes o
espírito de servidão para recairdes no temor, mas recebestes o espírito de
adoção de filhos” (Rom. 8). “Não há, de fato, temor na caridade”, como
diz I Jo. 4. O temor tem, certamente, tormento, mas a caridade, deleitação.
19. O amor
dignifica o homem.
A caridade igualmente torna não somente livres, mas também filhos, para que, a saber, “sejamos chamados filhos de Deus e de fato o sejamos” (I Jo. 3). Com efeito, o estranho se torna filho adotivo quando adquire para si o direito na herança de Deus, que é a vida eterna. Pois, como diz Romanos: “O próprio Espírito dá testemunho ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Se, porém, filhos, também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rom. 8). E também: “Eis que são contados entre os filhos de Deus” (Sab. 5).
20. O amor
de caridade só pode ser alcançado pela graça.
Do
que já foi dito fica patente a utilidade da caridade. Pois que, portanto, seja
tão útil, deve-se trabalhar diligentemente para adquirí-la e retê-la. Deve-se
saber, porém, que ninguém pode por si mesmo possuir a caridade. Antes, ao
contrário, é dom inteiramente de Deus. De onde que diz João: “Não fomos
nós que amamos a Deus, mas Ele quem nos amou primeiro” (I Jo. 4),
porque certamente não por causa de nós o amarmos primeiro que Ele nos ama, mas
o próprio fato de o amarmos é causado em nós pelo seu amor. Deve-se considerar
também, que ainda que todos os dons sejam do Pai das luzes, todavia este dom, a
saber, o da caridade, supera todos os demais dons. De fato, todos os outros
podem ser possuídos sem a caridade e o Espírito Santo; com a caridade, porém,
possui-se necessariamente o Espírito Santo: “A caridade de Deus foi
derramada nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Seja o
dom das línguas, portanto, seja o dom da ciência ou o da profecia, todos estes
podem ser possuídos sem a graça e o Espírito Santo.
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Este texto, de
Santo Tomás de Aquino, foi retirado do site www.cristianismo.org.br , onde se encontram muitos outros
textos interessantes para o estudo e crescimento da fé e da vida espiritual.
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