O Mandamento da Caridade
21. Quatro
disposições para alcançar de Deus a graça da caridade.
Mas
ainda que a caridade seja dom divino, para possuí-la, todavia, requer-se a
disposição de nossa parte. Por isso deve-se saber que duas coisas são
necessárias para adquirir a caridade, e duas para aumentar a caridade já
adquirida.
- Primeira disposição: a escuta da
palavra de Deus.
Para adquirir, pois, a caridade, a
primeira coisa é a escuta diligente da palavra de Deus, o que é suficientemente
manifesto pelo que ocorre entre nós. Ouvindo, de fato, coisas boas de alguém,
somos acesos em seu amor. Assim também, ouvindo as palavras de Deus, somos
acesos em seu amor: “A tua palavra é um fogo ardente, e o teu servo a
amou” (Salmo 118, 140). E também: “A palavra de Deus o
inflamou” (Salmo 104). Por esta causa aqueles dois discípulos, ardendo
do amor divino, diziam: “Porventura não ardia em nós o nosso coração,
enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Luc.
24). De onde que também no décimo de Atos se lê que “Pregando Pedro, o
Espírito Santo caiu nos ouvintes da palavra divina”. E o mesmo
frequentemente acontece nas pregações, isto é, que os que se aproximam com o
coração duro, por causa da palavra da pregação, são acesos ao amor divino.
B. Segunda
disposição: a meditação.
Para adquirir a caridade, a
segunda coisa é a contínua consideração dos bens recebidos:
“Aqueceu-se o
meu coração dentro de mim” (Salmo
38). Se, portanto, queres conseguir o amor divino, meditarás os bens recebidos
de Deus. Demasiadamente duro seria, na verdade, quem considerando os benefícios
divinos que alcançou, os perigos dos quais escapou, e a bem-aventurança que lhe
é prometida por Deus, que não se acendesse ao amor divino. De onde que diz
Santo Agostinho: “Dura é a alma do homem que, posto que não queira
retribuir o amor, não queira pelo menos agradecer”. E, de modo geral, assim
como os pensamentos maus destroem a caridade, assim os bons a adquirem, a
alimentam e a conservam, de onde que nos é ordenado: “Retirai os vossos
maus pensamentos dos meus olhos” (Is. 1). E também: “Os pensamentos
perversos separam de Deus” (Sab. 1).
C. Terceira
disposição: afastar o coração das coisas da terra.
Há também duas coisas que aumentam a
caridade possuída, e a primeira é afastar o coração do que é terreno. O
coração, de fato, não pode ser trazido perfeitamente a coisas diversas, de onde
que ninguém é capaz de amar a Deus e ao mundo. E por isso, quanto mais nos
afastarmos do amor do que é terreno, tanto mais nos firmaremos no amor divino.
De onde que Santo Agostinho diz no Livro das 83 Questões: “A esperança
de conseguir ou reter o que é temporal é veneno da caridade”. O seu
alimento é a diminuição da cobiça; sua perfeição, a nenhuma cobiça, porque a
raiz de todos os males é a cobiça. Quem quer que, portanto, queira alimentar a
caridade, insista em diminuir a cobiça. A cobiça é o amor de conseguir ou obter
o que é temporal, e o início de sua diminuição é o temor de Deus, o qual não
pode somente ser temido, sem amor. É por esta causa que se ordenaram as
religiões, nas quais e pelas quais a alma é trazida do que é mundano e
corruptível ao que é divino, conforme se encontra escrito no Segundo de
Macabeus, onde se lê: “Refulgiu o Sol, que antes estava entre nuvens”
(II Mac 1). O Sol, isto é, o intelecto humano, está entre nuvens quando
entregue às coisas terrenas. Refulgirá, porém, quando for afastado e removido
do amor do que é terreno. Resplandecerá, então, e nele crescerá o amor divino.
D. Quarta
disposição: a firme paciência na adversidade.
A segunda coisa que aumenta a
caridade é a firme paciência na adversidade. É manifesto, de fato, que quando
sustentamos dificuldades por aquele a quem amamos, o próprio amor não é
destruído; antes, ao contrário, ele cresce: “As muitas águas”, isto
é, as tribulações,
“não puderam
extinguir a caridade”
(Cant. 8). É assim que os homens santos que sustentam adversidades por Deus
mais se firmam em seu amor, assim como o artífice mais amará aquela sua obra na
qual mais trabalhou. Daí também vem que os fiéis quanto maiores aflições por
Deus sustentam, tanto mais se elevam no seu amor: “Multiplicaram-se as
águas“, isto é, as tribulações, “e elevaram a arca ao alto” (Gen.
7), isto é, a Igreja, ou a alma do homem justo.
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Este texto, de
Santo Tomás de Aquino, foi retirado do site www.cristianismo.org.br , onde se encontram muitos outros
textos interessantes para o estudo e crescimento da fé e da vida espiritual.
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