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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Tolerância em um Mundo Plural

Um mundo plural (Mais Que Dois)

TOLERÂNCIA EM UM MUNDO PLURAL

Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal (RN)

No mundo contemporâneo, marcado pela convivência de múltiplas culturas, religiões e ideologias, a tolerância emerge como uma virtude indispensável para promover o convívio pacífico, especialmente diante do agravamento das polarizações ideológicas amplificadas pelas novas mídias de comunicação e pelo controle exercido pelas Big Techs. Com base nas reflexões de Tomáš Halík, em Quero que sejas. Podemos acreditar no Deus do Amor? (2018), pode-se entender a tolerância ocidental moderna como um caminho para vivenciar o respeito ao diferente e desenvolver a capacidade de acolher o outro.

A tolerância, conceito típico do Ocidente moderno, enraizado no Iluminismo e nos conflitos religiosos decorrentes da Reforma Protestante, foi explorado por John Locke e está associada à ideia de “suportar” ou “aguentar” aquilo que nos desafia, como observa Tomáš Halík. Embora tenha se mostrado eficaz na redução de conflitos abertos, essa forma de tolerância muitas vezes não resolve o problema de fundo, resultando em guetos culturais que promovem apenas um convívio lado a lado, sem construir comunidades verdadeiras. No mundo contemporâneo, transformado em uma “aldeia global”, essa abordagem torna-se insuficiente, pois a proximidade inevitável entre pessoas e culturas intensifica os conflitos e demanda um modelo que vá além da mera convivência, promovendo o respeito mútuo e o acolhimento genuíno da alteridade.

A tolerância de Locke, como lembra Ulrich Beck, funcionou em contextos religiosos homogêneos, mas se mostra insuficiente no cenário globalizado e multicultural. A “aldeia global” exige regras que vão além do simples “não perturbar os círculos dos outros”. Precisamos de um modelo que promova o diálogo e a cooperação genuína entre culturas e tradições diversas.

O multiculturalismo ocidental, fundamentado na tolerância, enfrenta sérias dificuldades em sociedades marcadas por conflitos religiosos e culturais intensos. Halík critica o que chama de “imperialismo do amor”, uma postura que, em nome de uma fraternidade universal, busca minimizar as diferenças ao enfatizar apenas as semelhanças. Um exemplo disso é o conceito de “cristãos anônimos” de Karl Rahner, que, embora reconheça a bondade no outro e sugira semelhanças entre tradições religiosas, pode ser percebido como uma forma de arrogância. Essa abordagem, ao tentar enquadrar outras tradições nos moldes do cristianismo, muitas vezes desconsidera a singularidade e a autonomia espiritual do outro, reduzindo a riqueza da diversidade a uma uniformidade superficial. Em vez de promover um diálogo autêntico e respeitoso, ela pode ser interpretada como desrespeitosa, negando a alteridade e o direito do outro a manter sua identidade própria.

A tolerância ocidental, em sua forma iluminista, muitas vezes cai no relativismo, resumido no mantra “cada um tem sua própria verdade”. No entanto, Halík nos adverte que esse relativismo pode obscurecer o verdadeiro encontro com o outro. A verdade, como valor supremo, exige uma busca ativa, que respeite as diferenças e permita o crescimento mútuo.

O modelo ideal de convivência deve ir além da mera tolerância, que muitas vezes se limita a uma aceitação passiva, e do chamado “imperialismo do amor”, que tenta homogeneizar as diferenças em nome de uma fraternidade universal. A tradição cristã propõe algo mais profundo: o amor aos inimigos. Esse amor, incondicional e universal, não busca assimilar ou negar o outro, mas reconhecê-lo em sua dignidade e alteridade.

Esse desafio, mais complexo do que parece, exige um respeito genuíno pela autonomia espiritual e cultural do próximo, como enfatiza o filósofo Emmanuel Lévinas. O verdadeiro amor não reduz o outro à nossa visão ou entendimento, mas valoriza a sua singularidade. Como sugere Tomáš Halík, um amor autêntico é aquele que oferece espaço para o outro, respeitando sua autonomia e promovendo uma integração que acolha as diferenças sem anulá-las. Esse tipo de amor, fundamentado no respeito e na confiança mútuos, é indispensável para a construção de uma convivência verdadeiramente humana. Em última análise, no mundo atual, tão interconectado quanto vulnerável aos conflitos, é imperativo ir além da tolerância entendida como mera “paz armada”. Precisamos de uma ética do amor que reconheça o outro em sua singularidade e dignidade, construindo pontes que integrem as diferenças sem apagá-las.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF