A FUNÇÃO PEDAGÓGICA DO SOFRIMENTO HUMANO
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
O sofrimento humano é uma realidade inescapável da
existência. Todos, em algum momento da vida, enfrentam dores físicas,
emocionais ou espirituais. Mas qual é a razão do sofrimento? Seria ele um
absurdo sem sentido ou pode ser compreendido como parte de um processo de
crescimento e aprendizado? A partir de uma reflexão teológica, especialmente
baseada na Carta aos Hebreus (12,4-7.11-15), e do pensamento de filósofos como
Søren Kierkegaard, Emmanuel Lévinas e Viktor Frankl, podemos considerar o
sofrimento sob uma perspectiva pedagógica e redentora.
A Carta aos Hebreus nos ensina que o sofrimento não deve ser
visto como uma punição sem propósito, mas como um meio pelo qual Deus educa
seus filhos. O autor sagrado nos exorta a perseverar na luta contra as
estruturas de pecado que se opõem ao Reino de Deus: “Vós ainda não
resististes até ao sangue na vossa luta contra o pecado” (Hb 12,4).
Essa luta traz consigo dores e tribulações, mas também purifica e fortalece o
espírito. Como um pai corrige o filho a quem ama, Deus permite que seus filhos
passem por provações para que possam crescer na santidade e na justiça: “Pois
qual é o filho a quem o pai não corrige?” (Hb 12,7). Embora nenhuma
correção seja prazerosa quando ocorre, ela gera frutos de paz e justiça
naqueles que foram exercitados por ela (cf. Hb 12,11).
A vida cristã comporta desafios e exige coragem, resiliência
e uma profunda comunhão com Cristo. Ele, sendo inocente, sofreu até o extremo
da cruz e, por sua obediência ao Pai, conferiu ao sofrimento um sentido
redentor. A dor não é um fim em si mesma, mas um caminho para a purificação e a
santificação: “Firmem as mãos cansadas e fortaleçam os joelhos
enfraquecidos” (Hb 12,12).
Søren Kierkegaard, em O Desespero Humano (1849),
considera o sofrimento essencial à existência humana. Ele pode levar à angústia
e ao desespero, mas também à fé verdadeira. Para ele, a dor confronta o ser
humano com a finitude e fragilidade da vida e o conduz a um “salto de fé” em
Deus, abrindo caminho para uma relação autêntica com o Transcendente,
encontrando um sentido mais profundo para sua existência.
Para Emmanuel Lévinas, em Ética e Infinito (1982),
o sofrimento não pode ser reduzido a uma explicação racional. Ele nos interpela
e exige uma resposta ética e compassiva. A dor do outro nos desafia a sair do
egocentrismo e assumir a responsabilidade ética por ele. Assim, o sofrimento
transcende a experiência individual e se torna um chamado moral à solidariedade
e ao amor ao próximo.
Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto,
em Em Busca de Sentido (1946), argumenta que o sofrimento pode
ter significado quando vivido com propósito. Mesmo nas condições mais extremas,
como nos campos de concentração nazistas, Frankl observou que aqueles que
encontravam um sentido em seu sofrimento eram mais resilientes. Para ele, não é
o que nos acontece que nos define, mas a maneira como reagimos diante do
sofrimento.
Frankl propõe que buscar um sentido para a vida pode
transformar a dor em um caminho de crescimento. Essa visão se alinha à
perspectiva cristã, que vê o sofrimento como um meio de santificação e
participação no mistério redentor de Cristo.
O sofrimento humano pode parecer absurdo sob uma perspectiva
materialista. No entanto, a teologia e a filosofia mostram que ele pode ter uma
dimensão pedagógica, redentora e ética. A Carta aos Hebreus nos ensina que Deus
permite o sofrimento como forma de educação espiritual. Kierkegaard demonstra
que a dor pode levar à fé autêntica, enquanto Lévinas nos chama à
responsabilidade pelo sofrimento alheio. Por fim, Frankl nos lembra que o
sofrimento pode ser suportado quando encontramos um sentido nele.
Longe de ser um absurdo, o sofrimento pode nos conduzir ao
crescimento, à transcendência e à solidariedade. Como afirma a Escritura: “Meus
irmãos, tende por motivo de grande alegria o passardes por várias provações,
sabendo que a prova da vossa fé produz perseverança” (Tg 1,2-3).
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