Educar em amizade
"O ideal dos pais concretiza-se, sobretudo, em
conseguir ser amigos dos filhos", dizia S. Josemaria. Só assim se cria a
confiança que torna possível a sua educação.
10/12/2011
O mais importante da educação não consiste em transmitir
conhecimentos ou aptidões: é, em primeiro lugar, ajudar o outro a crescer como
pessoa, a desenvolver todas as suas potencialidades, que são um dom que recebeu
de Deus.
Logicamente, também é necessário instruir, comunicar
conteúdos, mas sem nunca perder de vista que educar tem um sentido que
vai além de ensinar capacidades manuais ou intelectuais. Implica pôr em jogo a
liberdade do educando e, com ela, a sua responsabilidade.
Daí que, em questões de educação, é preciso propor metas,
objetivos adequados que, dependendo de cada idade, possam ser entendidos como
algo sensato que dá significado e valor à tarefa empreendida.
EDUCAR COM A AMIZADE
Simultaneamente, não se pode esquecer que, especialmente nas
primeiras fases do crescimento, a educação tem uma importante carga afetiva. A
vontade e a inteligência não se desenvolvem a margem dos sentimentos e das
emoções. Mais: o equilíbrio afetivo é requisito necessário para que a
inteligência e a vontade se desenvolvam; se não, é fácil que se produzam
alterações na dinâmica da aprendizagem e talvez, mais adiante, desequilíbrios
na personalidade.
Mas, como conseguir essa ordem e medida nos afetos da
criança e depois nos do adolescente e do jovem? Talvez nos encontremos diante
de uma das perguntas mais árduas para a tarefa pedagógica, entre outras razões
porque se trata de um assunto prático que incumbe a cada família. De qualquer
forma, pode-se avançar uma primeira resposta: é vital gerar confiança.
Pais: não vos excedais ao repreender os vossos filhos,
não suceda que se tornem pusilânimes [1],
recomenda o Apóstolo. Quer dizer, os nossos filhos tornar-se-iam tímidos, sem
audácia, com medo de assumir responsabilidades. Pussillus animus:
um espírito pequeno, mesquinho.
GERAR CONFIANÇA TEM A VER COM AMIZADE, QUE É O
AMBIENTE QUE PROPORCIONA O SURGIMENTO DE UMA AÇÃO VERDADEIRAMENTE EDUCATIVA
Gerar confiança tem a ver com amizade, que é o
ambiente que proporciona o surgimento de uma ação verdadeiramente educativa: os
pais devem procurar fazer-se amigos dos filhos. Assim o aconselhava São
Josemaria reiteradamente: "Não é caminho acertado para a educação a
imposição autoritária e violenta. O ideal dos pais concretiza-se antes em
chegarem a ser amigos dos filhos: amigos a quem se confiam as inquietações, a
quem se consultam os problemas, de quem se espera uma ajuda eficaz e
amável" [2].
À primeira vista não é fácil entender o que pode significar
“fazer-se amigo dos filhos”. A amizade supõe-se entre pares, entre iguais, e
essa igualdade contrasta com a assimetria natural da relação paterno-filial.
É sempre muito mais o que os filhos recebem dos pais do que
o que eventualmente podem chegar a dar-lhes. Nunca será possível saldar a
dívida que têm para com eles. Os pais não costumam pensar que se sacrificam
pelos filhos quando de fato o fazem; não veem como privação o que para os seus
filhos é oferta. Reparam pouco nas suas próprias necessidades ou, melhor,
convertem em próprias as necessidades dos filhos. Chegariam a dar a vida por
eles e, de fato, habitualmente a estão dando sem perceber isso. É muito difícil
encontrar uma gratuidade maior entre pessoas.
No entanto, é também verdade que os pais se enriquecem com
os filhos; a paternidade é sempre uma experiência inovadora, como o é a própria
pessoa. Os pais recebem algo muito importante dos filhos: em primeiro lugar,
carinho, algo que nenhuma outra pessoa lhes poderá dar por eles, pois cada
pessoa é única; e, além disso, a oportunidade de sair de si próprios, de se
“despojar” na entrega ao outro – o marido à mulher, a mulher ao marido, e ambos
aos filhos – e assim crescer como pessoas.
A pessoa só pode encontrar a sua plenitude no amor. Como
ensina o Concílio Vaticano II, “o homem, única criatura terrena a quem Deus
amou por si mesmo, não pode encontrar a sua própria plenitude se não for na
entrega sincera de si mesmo aos outros” [3]. Dar e
receber amor é a única coisa que consegue encher a vida humana de conteúdo e
“peso”: “amor meus, pondus meum”, diz Santo Agostinho [4]. Mas o
amor é mais vivo em quem é capaz de sofrer pela pessoa que
ama, do que quem só é capaz de se passar bons momentos com ela.
O amor implica sempre sacrifício e é lógico que gerar essa
atmosfera de confiança e amizade com os filhos também o requer. O ambiente de
uma família não é algo que já nasce feito, deve ser construído. Isto não
implica que se trate de um projeto difícil, ou que necessite uma especial
preparação: supõe estar atento aos pequenos detalhes, saber manifestar em ações
o amor que se leva dentro.
O ambiente familiar relaciona-se em primeiro lugar com o
carinho que os esposos têm e demonstram; poderia dizer-se que o carinho que os
filhos recebem é a superabundância do que os pais se demonstram mutuamente. As
crianças vivem desse ambiente, ainda que talvez o captem sem ter consciência da
sua existência.
Logicamente, essa harmonia torna-se ainda mais importante
quando se trata de ações que afetam diretamente os filhos. No campo da
educação, é fundamental que os pais caminhem em uníssono; por exemplo, uma
medida tomada por um deles, deve ser secundada pelo outro; se a contraria,
educa-se mal.
Os pais devem educar-se também entre si e educar-se para
educar. Um pai e uma mãe mal-educados dificilmente serão bons educadores. Devem
crescer cuidando do seu vínculo matrimonial, melhorando as suas virtudes.
Procurando juntos reforços positivos para os filhos.
EDUCAR PARA A AMIZADE
A confiança é o “caldo de cultura” da amizade. E a amizade,
por seu lado, cria um ambiente amável e confiante, seguro, sereno; gera um
clima que não só torna possível uma adequada comunicação entre os cônjuges, mas
que também facilita o intercâmbio com os filhos e entre os filhos.
Neste sentido, os conflitos entre os cônjuges são diferentes
dos que se verificam entre os irmãos. É frequente, e até normal, que haja lutas
entre estes; todos, de um modo ou de outro, competimos pelos recursos, mais
ainda se são limitados; cada irmão quereria ir sempre pela mão da mãe, ou no
assento dianteiro do automóvel, ou ser o preferido do pai, ou ser o primeiro a
desembrulhar um brinquedo novo. Mas essas lutas podem tornar-se também muito
educativas e ajudar na socialização. Dão oportunidade aos pais para ensinar a
querer o bem do outro, a perdoar, a saber ceder ou a manter a posição, se for
necessário. As relações com os outros irmãos, bem orientadas, fazem com que o
carinho natural à própria família reforce a educação em virtudes, e forje uma
amizade que durará toda a vida.
Mas na família também se deve pensar na forma de reforçar a
amizade entre os cônjuges. Com frequência, as discussões no seio do casal
costumam ter origem em problemas de comunicação. As causas podem ser muito
variadas; uma diferente forma de ver as coisas, ter permitido que a rotina se
apodere do dia a dia, deixar que irrompa um momento de mau humor… Em qualquer
caso, perde-se o diálogo.
É preciso examinar-se, pedir desculpa e perdoar. "Se
tivesse que dar um conselho aos pais, dir-lhes-ia sobretudo o seguinte: que os
vossos filhos vejam – não alimenteis ilusões, eles percebem tudo desde crianças
e tudo julgam – que procurais viver de acordo com a vossa fé, que Deus não está
apenas nos vossos lábios, que está nas vossas obras, que vos esforçais por ser
sinceros e leais, que vos quereis e os quereis de verdade" [5].
O que os filhos esperam dos pais, não é que sejam muito
inteligentes ou especialmente simpáticos, ou que lhes deem conselhos
acertadíssimos; nem sequer que sejam grandes trabalhadores ou os encham de
brinquedos, ou lhes possibilitem férias ótimas.
O que os filhos desejam verdadeiramente é ver que os pais se
amam e se respeitam e que os amam e os respeitam; que lhes deem um testemunho
do valor e do sentido da vida encarnado numa existência concreta, confirmado
nas diversas circunstâncias e situações que se sucedem ao longo dos anos [6].
Certamente, como São Josemaria dizia, a família é o primeiro e
o mais fecundo negócio dos pais, se é levado com critério. Implica
um empenho constante por crescer na virtude e um esforço ininterrupto para não
baixar a guarda. A dificuldade está em como o conseguir: Como dar um testemunho
válido do sentido da vida? Como manter em cada momento uma conduta coerente? Em
última instância, como educar para a amizade ou, dito de outro
modo, para o amor, para a felicidade?
Já se referiu que o amor que os cônjuges manifestam entre si
e sabem dar aos filhos responde em parte a estas perguntas. Além disso, há dois
aspectos da educação especialmente significativos com vista ao crescimento da
pessoa e à sua capacidade de socialização e, portanto, referidos diretamente à
sua felicidade. Motivos heterogêneos, mas cada um deles relevante à sua
maneira.
O primeiro, que em certas ocasiões não se valoriza
suficientemente, é saber brincar. Ensinar o filho brincar exige muitas vezes
sacrifício e dedicação de tempo, um bem escasso que todos queremos esticar,
também para descansar.
O TEMPO DOS PAIS É UM DOS MAIORES DONS QUE O FILHO
PODERÁ RECEBER
No entanto, o tempo dos pais é um dos maiores dons que o
filho poderá receber; é a demonstração de proximidade, um modo concreto de
amar. Só por isso, brincar juntos já contribui para gerar um ambiente de
confiança que desenvolve a amizade entre pais e filhos. Mas, além disso, a
brincadeira cria atitudes fundamentais que estão na base das virtudes
necessárias para enfrentar a existência.
O segundo campo é o da própria personalidade; o modo de ser
do pai e da mãe, na sua diversidade, tempera o caráter e a identidade do menino
ou da menina. Se os pais estão presentes e intervêm positivamente na educação
dos filhos – sorrindo, perguntando, corrigindo, sem desânimos –
ensinar-lhes-ão, quase por osmose, um modelo de ser pessoa, de como se
comportar e enfrentar a vida.
Ao lutar para ser melhores, ouvir, serem alegres e amáveis,
dão aos filhos uma resposta gráfica à pergunta de como levar uma existência
feliz, com os limites terrenos.
Esta influência chega ao mais profundo do ser, e a sua
importância e implicações só se apreciam à medida que o tempo passa. Nos
modelos que o pai e a mãe oferecem, o filho descobre a contribuição de ser
homem ou mulher na configuração de um verdadeiro lar; descobre também que a
felicidade e a alegria são possíveis graças ao amor mútuo; aprecia que o amor é
uma realidade nobre e elevada, compatível com o sacrifício.
Em resumo, de modo natural e espontâneo, o ambiente familiar
faz com que o filho ponha na sua vida os pontos firmes que o ajudarão a
orientar-se para sempre, apesar dos desvios que possam imperar na sociedade. A
família é o lugar privilegiado para experimentar a grandeza do ser humano.
Tudo o que foi dito constitui um aspecto peculiar desse amor
sacrificado dos pais. Por um lado, experimentaram a alegria de se perpetuar e
por outro, constatam o crescimento de quem pouco a pouco vai deixando de ser
parte deles para ser, cada vez mais, ele mesmo.
Os pais também amadurecem como pais na medida em que veem
com alegria o crescimento dos filhos, que começam a depender menos deles. A
partir de determinadas raízes vitais – que permanecerão sempre – vai-se
operando natural e paulatinamente o desabrochar de uma nova biografia, inédita,
que pode não corresponder às expectativas alimentadas, mesmo antes do
nascimento.
A educação dos filhos, o seu crescimento, o seu
amadurecimento, até a sua independência, enfrentar-se-á com mais facilidade se
o casal fomenta também um ambiente de amizade com Deus. Quando a família se
sabe uma igreja doméstica [7], a
criança assimila com simplicidade algumas práticas de piedade, poucas e breves,
aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros afetos fundamentais, aprende
a tratar a Deus como Pai e a Virgem Maria como Mãe, aprende a rezar seguindo o
exemplo dos pais [8].
J.M. Barrio e J.M. Martín
1. Cl 3, 21.
2. São Josemaria, É Cristo que passa, n. 27.
3. Conc. Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes,
n. 24.
4. Santo Agostinho, Confissões, XIII, 10.
5. São Josemaria, É Cristo que passa, n. 28.
6. Ibid.
7. Cfr. 1 Co 16, 19.
8. São Josemaria, Entrevistas com Mons. Josemaria
Escrivá, n. 103.
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