EM QUE TEMPOS ESTAMOS VIVENDO?
Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Podemos Como podemos definir o tempo em que estamos vivendo?
O racionalismo da modernidade entrou em crise, mas o que veio depois? Há muitas
respostas para essas perguntas, sob diversas perspectivas, nem sempre
convergentes.
A Filosofia, por exemplo, apresenta reflexões sobre a era da
hipermodernidade, do pós-moralismo e da sociedade da decepção, conforme as
categorias definidas por Gilles Lypovetsky, além da teoria da complexidade
formulada por Edgar Morin. Na Sociologia, emergem concepções como a modernidade
líquida, de Zygmunt Bauman, e a sociedade em rede, de Manuel Castells.
Nas últimas décadas ocorreram transformações profundas no
mundo e na própria percepção da realidade. As inovações tecnológicas e os novos
meios de comunicação alteraram nossa relação com o corpo, a cultura, a religião
e até com Deus.
Impactos da pós-modernidade na fé
Podemos identificar duas leituras principais sobre a
realidade contemporânea e sua influência no âmbito da fé. Para alguns
estudiosos essa “pós-modernidade” feriu três aspectos vitais da identidade
religiosa: imaginação, memória e sentido de pertença.
A imaginação pode ser reduzida à superficialidade. A memória
pode ser sufocada pelo imediatismo. E o sentido de pertença pode ser atropelado
pelo ritmo frenético da vida cotidiana. Há certa ausência de repouso e de
raízes que induz a uma paralisia interior, apesar de todo frenesi exterior.
Esse cenário cria uma aparente contradição: ao mesmo tempo
em que as pessoas estão cada vez mais conectadas digitalmente, estão menos
conectadas consigo mesmas. O excesso de estímulos ao nosso redor dificulta o
tempo necessário para o silencio, a reflexão e o discernimento. Quando o desejo
se torna cego e o afeto perde a dimensão do compromisso, até mesmo a religião
pode se reduzir à mera atenção ou a um mero objeto de consumo, guiado pela
lógica de mercado.
Uma nova abertura espiritual
Por outro lado, há quem faça uma leitura mais positiva da
situação. Esse momento de crise do progresso e da racionalidade exagerada pode
levar a uma consciência diferenciada em direção a uma nova espiritualidade.
Levar a um despertar espiritual e a uma maior valorização da comunidade.
Entendemos, ainda, que é preciso ter uma postura
equilibrada. Ou seja, não rejeitar completamente a cultura contemporânea, mas
tentando moldá-la à nossa visão ideal. Assim como não podemos ignorar os
desafios éticos que essa nova realidade impõe.
Como cristãos, somos chamados a discernir os acontecimentos
e reconhecer os sinais da presença de Deus. Conforme a constituição pastoral
Gaudium “Compete-nos, discernir os acontecimentos, nas exigências e nas
aspirações de nossos tempos […], quais sejam os sinais verdadeiros da presença
ou dos desígnios de Deus.” (Gaudium et Spes n.1).
Vivemos um tempo único e irrepetível. Tudo depende da forma
como nos posicionamos diante da realidade. Abrir os olhos, cultivar o
pensamento crítico, escutar os sinais e perceber Deus em meio aos conflitos
humanos – isso é buscar a sabedoria da vida em meio aos revezes de todos os
tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário