Translate

quinta-feira, 27 de março de 2025

A educação no "De Magistro" e a atualidade da pedagogia de Santo Tomás de Aquino

De Magistro (Facebook)

A EDUCAÇÃO NO "DE MAGISTRO" E A ATUALIDADE DA PEDAGOGIA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO 

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RS)

A leitura atenta do De Magistro, de Santo Tomás de Aquino, permite redescobrir a profundidade e a atualidade do pensamento tomasiano para a educação, superando preconceitos e lacunas que ainda marcam muitos manuais de Filosofia da Educação. Com frequência, o papel pedagógico de Santo Tomás é negligenciado ou reduzido a um breve apontamento histórico, inserido no contexto da escolástica e da relação entre fé e razão. Contudo, suas contribuições pedagógicas merecem reconhecimento próprio, sobretudo por seu rigor filosófico e clareza antropológica, que oferecem bases sólidas para uma filosofia da educação centrada na dignidade e na estrutura do ser humano. 

Embora não tenha escrito um tratado sistemático sobre educação, o De Magistro — conjunto de artigos da questão 11 do De Veritate — revela com profundidade o pensamento de Aquino sobre o ensino e a aprendizagem. Ao utilizar o método da quaestio disputata, típico da escolástica, Santo Tomás desenvolve reflexões em que debate com honestidade as posições contrárias e expõe sua própria solução, oferecendo um modelo exemplar de diálogo filosófico e acadêmico. 

Um dos principais méritos do De Magistro é sua antropologia unitária, que supera o dualismo corpo-alma herdado do platonismo. Contra as correntes que viam o corpo como obstáculo para o conhecimento e que concebiam a alma como possuidora de ideias inatas, Tomás, inspirado em Aristóteles, afirma que o ser humano é uma unidade substancial de corpo e alma. O conhecimento, nesse contexto, não é reminiscência de verdades preexistentes, mas processo dinâmico que se inicia pelos sentidos e culmina na abstração intelectual, mediante a atuação das faculdades humanas, especialmente o intelecto agente e o intelecto paciente. 

É precisamente nesse quadro que se insere o papel do mestre. Diferente das concepções que marginalizam o ensino exterior, Santo Tomás afirma que o professor não infunde diretamente o saber no aluno, mas é causa instrumental do conhecimento, estimulando, por meio de sinais sensíveis (palavras, exemplos, imagens), o intelecto do discípulo a atualizar em ato o que está em potência. O mestre, portanto, é verdadeiro colaborador do processo educativo, e não mero transmissor de conteúdo. 

Essa concepção pedagógica tem implicações importantes. Primeiro, destaca o protagonismo do educando, cuja atividade intelectual é condição essencial para a aprendizagem. Segundo, redefine o papel do educador, que não substitui, mas auxilia o discípulo no processo de busca da verdade. Em terceiro lugar, reforça a centralidade da razão como luz natural dada por Deus ao homem, tornando desnecessária a intervenção divina especial para cada ato de conhecimento, sem, contudo, excluir a ação da graça na plenitude do saber. 

No De Magistro, Santo Tomás também trata de temas como a possibilidade de alguém ser mestre de si mesmo ou de ser ensinado por anjos, concluindo que o ensino exige sempre um mediador que possua em ato aquilo que o discípulo possui em potência. Assim, o ensino é ato da vida ativa, pois visa o bem do outro, embora se alimente da vida contemplativa, já que trata de realidades inteligíveis e busca a verdade. 

A pedagogia tomasiana, nesse sentido, antecipa elementos valorizados por correntes modernas: a importância da experiência, da descoberta, da autonomia do aluno e da mediação significativa do professor. Para Santo Tomás, aprender é refletir e ensinar é provocar a reflexão. Seu método educativo integra razão, sensibilidade e transcendência, e permanece atual porque se funda numa antropologia realista, que respeita a natureza humana e aposta em sua capacidade de conhecer e se aperfeiçoar. 

Redescobrir Santo Tomás como pedagogo é, pois, um exercício fecundo para renovar a filosofia da educação a partir de fundamentos sólidos, capazes de unir verdade, liberdade e formação integral da pessoa. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF