A EDUCAÇÃO NO "DE MAGISTRO" E A ATUALIDADE DA PEDAGOGIA DE
SANTO TOMÁS DE AQUINO
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RS)
A leitura atenta do De Magistro, de Santo Tomás
de Aquino, permite redescobrir a profundidade e a atualidade do pensamento
tomasiano para a educação, superando preconceitos e lacunas que ainda marcam
muitos manuais de Filosofia da Educação. Com frequência, o papel pedagógico de
Santo Tomás é negligenciado ou reduzido a um breve apontamento histórico,
inserido no contexto da escolástica e da relação entre fé e razão. Contudo,
suas contribuições pedagógicas merecem reconhecimento próprio, sobretudo por
seu rigor filosófico e clareza antropológica, que oferecem bases sólidas para
uma filosofia da educação centrada na dignidade e na estrutura do ser
humano.
Embora não tenha escrito um tratado sistemático sobre
educação, o De Magistro — conjunto de artigos da questão 11
do De Veritate — revela com profundidade o pensamento de
Aquino sobre o ensino e a aprendizagem. Ao utilizar o método da quaestio
disputata, típico da escolástica, Santo Tomás desenvolve reflexões em que
debate com honestidade as posições contrárias e expõe sua própria solução,
oferecendo um modelo exemplar de diálogo filosófico e acadêmico.
Um dos principais méritos do De Magistro é
sua antropologia unitária, que supera o dualismo corpo-alma herdado do
platonismo. Contra as correntes que viam o corpo como obstáculo para o
conhecimento e que concebiam a alma como possuidora de ideias inatas, Tomás,
inspirado em Aristóteles, afirma que o ser humano é uma unidade substancial de
corpo e alma. O conhecimento, nesse contexto, não é reminiscência de verdades
preexistentes, mas processo dinâmico que se inicia pelos sentidos e culmina na
abstração intelectual, mediante a atuação das faculdades humanas, especialmente
o intelecto agente e o intelecto paciente.
É precisamente nesse quadro que se insere o papel do mestre.
Diferente das concepções que marginalizam o ensino exterior, Santo Tomás afirma
que o professor não infunde diretamente o saber no aluno, mas é causa
instrumental do conhecimento, estimulando, por meio de sinais sensíveis
(palavras, exemplos, imagens), o intelecto do discípulo a atualizar em ato o
que está em potência. O mestre, portanto, é verdadeiro colaborador do processo
educativo, e não mero transmissor de conteúdo.
Essa concepção pedagógica tem implicações importantes.
Primeiro, destaca o protagonismo do educando, cuja atividade intelectual é
condição essencial para a aprendizagem. Segundo, redefine o papel do educador,
que não substitui, mas auxilia o discípulo no processo de busca da verdade. Em
terceiro lugar, reforça a centralidade da razão como luz natural dada por Deus
ao homem, tornando desnecessária a intervenção divina especial para cada ato de
conhecimento, sem, contudo, excluir a ação da graça na plenitude do
saber.
No De Magistro, Santo Tomás também trata de
temas como a possibilidade de alguém ser mestre de si mesmo ou de ser ensinado
por anjos, concluindo que o ensino exige sempre um mediador que possua em ato
aquilo que o discípulo possui em potência. Assim, o ensino é ato da vida ativa,
pois visa o bem do outro, embora se alimente da vida contemplativa, já que
trata de realidades inteligíveis e busca a verdade.
A pedagogia tomasiana, nesse sentido, antecipa elementos
valorizados por correntes modernas: a importância da experiência, da
descoberta, da autonomia do aluno e da mediação significativa do professor.
Para Santo Tomás, aprender é refletir e ensinar é provocar a reflexão. Seu
método educativo integra razão, sensibilidade e transcendência, e permanece
atual porque se funda numa antropologia realista, que respeita a natureza
humana e aposta em sua capacidade de conhecer e se aperfeiçoar.
Redescobrir Santo Tomás como pedagogo é, pois, um exercício
fecundo para renovar a filosofia da educação a partir de fundamentos sólidos,
capazes de unir verdade, liberdade e formação integral da pessoa.
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