CONVERSÃO
Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
O tempo litúrgico da Quaresma é direcionado à conversão.
Através das práticas da oração, do jejum e da solidariedade, a Igreja nos chama
a mudar os rumos de nossa vida. Trata-se de um caminho propício de volta ao
Evangelho. Voltar a Jesus é o grande apelo que a espiritualidade quaresmal nos
chama a vivenciar. Olhos fixos na Páscoa da Ressurreição de Jesus Cristo,
caminhamos, com esperança, para a nossa Páscoa que é travessia para a vida nova
do Ressuscitado.
O Papa Francisco nos ajuda a compreender o que é conversão:
“Na Bíblia, significa primeiro mudar a direção e a orientação; e depois também
mudar a maneira de pensar. Na vida moral e espiritual, [conversão significa]
converter meios de passar do mal ao bem, do pecado ao amor de Deus” (Angelus,
6/12/2020). Numa Catequese anterior, o Papa já havia se referido ao tema: “A
verdadeira conversão acontece quando acolhemos o dom da graça e o claro sinal
da sua autenticidade é quando percebemos as necessidades dos irmãos e nos
sentimos prontos a ir ao seu encontro” (Audiência, 18/06/2016). E continuou
depois: “Nós nos convertemos verdadeiramente na medida em que nos abrimos à
beleza, à bondade, à ternura de Deus. Então deixamos o que é falso e efêmero,
para o que é verdadeiro, belo e dura para sempre” (Angelus, 6/12/2020).
Neste sentido, Guimarães Rosa nos ajuda a compreender o
sentido de conversão: “O senhor… Mire veja: o mais importante e bonito, do
mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram
terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade
maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o
diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro — dá
gosto! A força dele, quando quer — moço! — me dá o medo pavor! Deus vem
vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho — assim é o milagre. E Deus
ataca bonito, se divertindo, se economiza” (Grande sertão: veredas, 13ª ed.,
1979, p. 20-21). Conversão é transformar, pela sutileza da força de Deus, o
grande sertão em veredas.
Neste Tempo da Quaresma, a Igreja no Brasil nos chama a
aprofundar o tema proposto para a Campanha da Fraternidade deste ano:
“Fraternidade e Ecologia Integral”, tendo como lema: “Deus viu que era tudo
muito bom” (Gn 1,31). No âmbito do chamado à conversão, nos deparamos com o
apelo a uma “conversão ecológica”, como nos é apresentado pelo Texto-base desta
Campanha, embasado num documento de São João Paulo II: “É evidente que está em
jogo não só uma ecologia física, ou seja, preocupada com tutelar o habitat dos
vários seres vivos, mas também uma ecologia humana, que proteja o bem radical
da vida em todas as suas manifestações e prepare para as futuras gerações um
ambiente o mais próximo possível do projeto do Criador. Há necessidade, pois,
de uma conversão ecológica, para a qual os Bispos hão de dar a sua
contribuição, ensinando a correta relação do homem com a natureza” (Pastores
Gregis, 16/10/2003, 70).
De fato, a expressão “conversão ecológica” entrou para o
Magistério da Igreja por meio de São João Paulo II, numa mensagem intitulada “O
compromisso para afastar a catástrofe ecológica”, pronunciada na Praça de São
Pedro, na Audiência geral de 17 de janeiro de 2001. Após analisar a beleza da
obra do Criador e os desvios causados pela ação humana, São João Paulo II assim
se expressou: “Por isso, é preciso estimular e apoiar a ‘conversão ecológica’,
que nestes últimos decênios tornou a humanidade mais sensível aos confrontos da
catástrofe para a qual estava a caminhar” (Audiência, 17/01/2001, 4).
Para isso, São João Paulo II procurou fundamentar-se numa
importante encíclica sua, datada de 25 de março de 1995, na qual tratara do
valor da vida em suas variadas dimensões: “É, pois, de saudar favoravelmente a
atenção crescente à qualidade de vida e à ecologia, que se regista sobretudo
nas sociedades mais avançadas, nas quais os anseios das pessoas já não estão
concentrados tanto sobre os problemas da sobrevivência como sobretudo na
procura de um melhoramento global das condições de vida” (Evangelium vitae,
27)”. Daí, nos adverte: o que está em jogo é “uma ‘ecologia humana’ que torne
mais digna a existência das criaturas, protegendo o bem radical da vida em
todas as suas manifestações e preparando para as futuras gerações um ambiente
que se aproxime cada vez mais do projeto do Criador” (Audiência, 17/01/2001,
4).
Bento XVI tratou da questão ecológica, com grande
preocupação. “A terra é um dom precioso do Criador, que delineou os
ordenamentos intrínsecos, indicando-nos assim os sinais orientativos que
devemos respeitar como administradores da sua criação. É precisamente a partir
desta consciência, que a Igreja considera as questões ligadas ao meio ambiente
e à sua salvaguarda intimamente vinculadas ao tema do desenvolvimento humano
integral” (Audiência 26/08/2009). E cita sua própria encíclica que havia sido
lançada há menos de dois meses (29/06/2009): “quando a ‘ecologia humana’ é
respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental” (Caritas
in veritate, 51). E Bento XVI conclui sua mensagem: “é indispensável
transformar o atual modelo de desenvolvimento global numa tomada de
responsabilidade, maior e mais compartilhada em relação à criação: exigem-no
não só as emergências ambientais, mas inclusive o escândalo da fome e da
miséria” (Audiência, 26/08/2009).
O Papa Francisco desenvolveu, no seu Magistério, essa
categoria teológica de “conversão ecológica”, aprofundando as raízes
encontradas em seus predecessores. Uma conversão ecológica “deve traduzir-se em
atitudes e comportamentos concretos mais respeitadores da criação” (Mensagem,
1/09/2016). Na sua encíclica social e ecológica, Francisco dedica seis
parágrafos a este tema, definido como um novo comportamento para “deixar
emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do
encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de
opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial
duma existência virtuosa” (Laudato Si’, 217).
A conversão ecológica, proposta pelos últimos três papas,
“supõe uma mudança do nosso modo de ser, pensar e agir, como pessoas e
comunidade. Buscamos um modo de viver mais integrativo entre Deus, os seres
humanos e toda a criação, no qual a cultura do amor e da paz tenha a primazia.
Os apelos para uma conversão ecológica propostos pelo Papa Francisco na Laudato
Si’ permitem resgatar uma Ecologia Integral, unindo fiéis e não fiéis
na missão da Casa Comum, construindo grandes e pequenas alianças, reforçando os
laços da Amizade Social” (Texto-base da CF 2025, 56).
As propostas práticas para se efetivar a conversão ecológica
são simples de serem assumidas por nós. Para isso, é preciso “incluir a revisão
de nossas relações com os animais, a preservação de suas moradas nos biomas, a
redução da produção industrial (alimentos ultraprocessados) e do consumo
excessivo de carne. Isso comporta adotar padrões de alimentação saudáveis e
sustentáveis, redescobrindo as comidas tradicionais das diferentes regiões do
país” (Texto-base da CF 2025, 60). É por esse caminho que precisamos trilhar
para voltarmos à harmonia perdida do paraíso terrestre. A ressurreição de Jesus
e nossa, para a qual nos encaminhamos, nesta Quaresma, supõe nossa
responsabilidade com o mundo criado, pois ela tem uma dimensão cósmica. Há que
se perguntar: o que posso fazer? Por onde começar? Temos um longo caminho pela
frente!
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