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quarta-feira, 5 de março de 2025

IGREJA: “Só o fato do perdão permite o reconhecimento do pecado”

Um momento da conferência de imprensa, realizada em 7 de março | 30Giorni

Arquivo 30Giorni n. 03 - 2000

“Só o fato do perdão permite o reconhecimento do pecado”

Respostas do Cardeal Joseph Ratzinger às perguntas dos jornalistas durante a conferência de imprensa

No ambiente eclesiástico há dúvidas sobre a eficácia da mensagem que está sendo lançada. Dizem que o nosso é o tempo da superficialidade e da pressa. Muitos crentes não sabem nada sobre teologia. O nosso também é o tempo das simplificações jornalísticas por vários motivos. Os fiéis dizem: «Se a Igreja de hoje se arrepende dos erros da Igreja do passado, a Igreja de amanhã poderá arrepender-se dos erros da Igreja de hoje. Então, que credibilidade devemos dar à Igreja hoje?
JOSEPH RATZINGER: A Igreja de hoje, com este documento, não condena a Igreja do passado; ela reconhece as raízes das suas próprias deficiências do passado, e o faz precisamente para lançar luz sobre a situação atual, sobre a necessidade de se arrepender, de se converter.

A Igreja tem plena consciência de que o pecado se encontra dentro dela e sempre lutou contra a ideia de uma Igreja somente de santos. Sabemos das grandes lutas contra os donatistas, os cátaros, etc. Justamente para nos fazer reconhecer isso, o Senhor está no barco com os pecadores desde o início.
Os Evangelhos também recordam o pecado da queda de Pedro. Esta é uma confissão de pecado repetido, o que deve ter feito Pedro corar. Nós o encontramos no Evangelho de Marcos, que foi inspirado pelo próprio São Pedro, e é a confissão mais dura desse pecado.

Portanto, a Igreja de hoje, com este ato de arrependimento, não diz que o pecado ficou no passado e que somos puros, e depois espera até amanhã que nossos pecados sejam descobertos, mas diz: no coração da Igreja, e sobretudo em mim, encontra-se o pecado, e para que a Igreja seja penetrável pela graça divina, eu mesmo devo abrir-me a esta graça e confessar publicamente que os pecados, já enraizados no passado, constituem o meu presente. Contudo, o Senhor sabe agir e faz o bem, por meio da Igreja. Este pequeno navio sempre será seu, e até mesmo o campo com as ervas daninhas continuará sendo seu. Mesmo que as ervas daninhas sejam muitas, mesmo que a rede contenha peixes ruins e inferiores, ela continua sendo sua. Reconhecer o pecado é um ato de sinceridade por meio do qual podemos fazer as pessoas entenderem que o Senhor é mais forte que nossos pecados.

Vem à mente uma anedota contada sobre o Cardeal Consalvi, Secretário de Estado de Pio VII. Foi-lhe dito: "Napoleão pretende destruir a Igreja". O cardeal responde: "Não conseguirá, nem mesmo nós conseguimos destruí-lo."

Como pode esta grande cerimónia, esta confissão de mea culpa, ajudar também o impulso de ré-evangelização com que se abre o terceiro milénio?
O primeiro dos pecados é a divisão entre os cristãos, por isso, há poucos dias, no Sinai, o Papa reiterou com força a necessidade deste diálogo com os chefes de outras Igrejas e com os teólogos de outras Igrejas para reestudar as formas do ministério papal. Depois de Ut unum sint, o que foi feito em termos concretos para esse diálogo, ou o que será feito para garantir que haja esse diálogo com os chefes de outras Igrejas cristãs, para rever as formas de exercício do ministério papal?

RATZINGER: Provavelmente não sou a pessoa mais competente para responder à segunda pergunta, mas refiro-me imediatamente ao primeiro ponto.

Penso que este ato de purificação da memória, de autopurificação, de abertura à graça do Senhor, que nos impele a agir bem, serve também para nos tornar credíveis diante do mundo.
Todos veem e sabem, mesmo sem a nossa confissão, que fizemos o mal e que somos pecadores, mas também veem que existe o dom do perdão e, portanto, existe uma força de reconciliação que vai além das deficiências permanentes da humanidade.

Penso que a sinceridade desta confissão, a sinceridade em nos apresentarmos não como se fôssemos os grandes heróis do mundo, mas como pessoas de boa vontade, ainda que pecadoras, com a mensagem que não é feita por nós, mas que vem do Outro, pode provocar mais eficazmente as forças de reconciliação de que o mundo, em toda a parte, tanto necessita. Parece-me, portanto, que a dimensão do perdão e da reconciliação, a capacidade de renovação depois de cada pecado, brilha intensamente neste ato. Certamente será um elemento importante da evangelização, que é sempre reconciliação com Deus e entre os homens. Quando os homens se reconciliam com Deus, eles também encontram paz entre si. São Paulo, na segunda carta aos Coríntios, exorta-nos, com o grito do evangelista: «Reconciliai-vos com Deus!»; «Reconciliai-vos com Deus!» ( 2 Cor 5, 20). Este é o sinal de reconciliação oferecido a todos nós. Quanto ao diálogo ecumênico, vimos no Sinai os dois aspectos da situação atual: por um lado, a grande e comovente hospitalidade e amizade dos monges, que nos faz entender que são verdadeiramente pessoas que vivem no espírito de Cristo, e por outro lado, a barreira que, por enquanto, não nos permite rezar juntos com o Papa. Vimos, portanto, a situação atual em seu drama e em suas esperanças.

Posso dizer que tanto o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos como cada uma das conferências episcopais, com os seus instrumentos, fazem todo o possível para manter vivo o diálogo com os irmãos separados e para favorecer o encontro mútuo, onde, juntamente com as memórias do passado, surge o espírito de reconciliação, de que todas as partes têm necessidade; a purificação da memória; a necessidade de um novo começo. Somente com a disposição de nos purificarmos desse passado, daquilo que dissemos uns contra os outros, poderemos nos abrir para uma renovação da reconciliação à qual todos aspiramos.

Penso, portanto, que tanto do ponto de vista institucional como do ponto de vista das pessoas envolvidas, fazemos todo o possível para aderir ao gesto do Senhor de convidar todos para uma mesa comum.

A Tempestade (1633), Rembrandt, Museu Isabella Stewart Gardner, Boston | 30Giorni

Você acha que este documento é mais amplo do que aquele intitulado Nós Lembramos: Uma Reflexão sobre a Shoah ? Aquele documento falava dos pecados dos irmãos e irmãs da Igreja, mas não da Igreja. Você acha que este documento é uma confissão mais ampla? Ratzinger: São dois documentos muito diferentes, tanto em termos de autoridade (era um documento da Santa Sé) quanto em termos de assunto (era voltado para o problema deste passado recente). O documento da Comissão Teológica Internacional, como foi dito, é um documento de teólogos, não do Magistério. Sua finalidade é acompanhar e aprofundar com uma reflexão teológica o fato deste ato de penitência do Santo Padre. Parece-me que é um serviço da comunidade teológica aos cristãos, para que possam ler e interpretar melhor a profundidade e a extensão deste gesto, sem qualquer pretensão de ser completo. Muito mais poderia ser dito, mas ele oferece uma chave para entender melhor as necessidades pastorais da Igreja hoje. 

O temporalismo da Igreja nas formas do passado constitui uma falha? Ratzinger: Falando do chamado temporalismo, eu havia mencionado Dante, que vê de Constantino a Filipe, o Belo, uma cadeia de pecados na aliança com o poder. Geralmente sabemos bem que a relação entre a Igreja que vive no mundo e o poder temporal apresenta problemas e, portanto, sempre implica a possibilidade de posições errôneas, mas, ao mesmo tempo, devemos confessar que a Igreja (e este para mim é o sinal decisivo) sempre permaneceu a Igreja dos mártires (os mártires são, portanto, a verdadeira apologia da Igreja), apesar dos pecados que todos nós conhecemos. A Igreja permaneceu unida ao Senhor crucificado e não se opõe fundamentalmente ao Estado, mas reconhece o Estado. Hoje lemos no Evangelho: “Dai a César o que é de César” ( Mt 22,21). A Igreja sempre reconheceu o Estado como uma ordem necessária a ser respeitada. Ao mesmo tempo, porém, ele também reconheceu que há um limite para o poder imperial mundano, contra o qual a Igreja deve se opor ao testemunho do martírio. Apesar de todas as deficiências ocorridas, a Igreja, por um lado, sempre soube reconhecer os direitos do Estado, mas também sempre teve, com a graça do Senhor, a força para o martírio. Essa dinâmica de pedir perdão, de reconhecer pecados, deve ser acompanhada de perdão. Então, como podemos saber que a Igreja recebe perdão dessa confissão?

RATZINGER: Está na consciência fundamental da Igreja que o Misereator responde ao rito litúrgico do Confiteor . É uma oração que contém a certeza de que se a nossa confissão for sincera o Senhor nos aceita. É a certeza do perdão que permite a franqueza da confissão. Se não há perdão, o que resta? Até o pecado não tem mais explicação e talvez possamos encontrar refúgio na psicanálise para devolver a paz à nossa alma abatida. Parece-me, ao contrário, que só o perdão, o fato do perdão, permite a franqueza de reconhecer o pecado. Além disso, a certeza de que Deus nos perdoa, nos renova, é parte essencial do Evangelho.

Fonte: https://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF