Translate

terça-feira, 11 de março de 2025

O pecado e a misericórdia de Deus (I)

O pecdo e a misericórdia de Deus (Opus Dei)

O pecado e a misericórdia de Deus

A perda do sentido do pecado levou à perda da necessidade de salvação, e daí ao esquecimento de Deus por causa da indiferença. No entanto, o triunfo de Cristo é expressão de sua misericórdia para com o ser humano, uma expressão de que “o amor é mais forte do que o pecado”. A misericórdia é a lei fundamental que habita no coração de cada pessoa quando olha para o irmão que encontra no caminho da vida.

01/10/2022
O mistério da misericórdia

Ao lado das grandes conquistas da nossa civilização, o panorama do mundo contemporâneo também apresenta sombras e vacilações nem sempre superficiais. Porque “os desequilíbrios que atormentam o mundo moderno estão vinculados com aquele desequilíbrio fundamental radicado no coração do homem”[1].

A pessoa humana como criatura experimenta múltiplas limitações. Ao perceber a impossibilidade de responder ao mal, ao sofrimento e à injustiça, pode surgir em muitos uma atitude, não de súplica ao Deus misericordioso, mas uma espécie de acusação, resultado de uma indignação. A experiência do mal e do sofrimento torna-se assim uma forma justificada de se afastar de Deus, questionando a sua bondade misericordiosa. Alguns, inclusive, chegam a ver o sofrimento como um castigo divino que recai sobre o pecador, distorcendo ainda mais a misericórdia de Deus.

Isso cria um círculo vicioso. Nas palavras de São João Paulo II, o “coração do drama vivido pelo homem contemporâneo é o eclipse do sentido de Deus e do homem[2]. Parece que Deus não é relevante, e não é relevante porque não pode resolver nossos problemas. Por um lado, não nos parece claro que precisamos de uma salvação, mas certamente a salvação oferecida pela Igreja de Jesus Cristo não parece pertinente.

A consequência final desse eclipse de Deus seria a rejeição social da necessidade de recorrer ao perdão e à misericórdia de Deus. Deste modo, a perda do sentido do pecado leva à perda da necessidade de salvação, e como consequência, ao esquecimento de Deus, por causa da indiferença.

Portanto, quanto mais a consciência humana, rendendo-se à secularização, perde o sentido da palavra misericórdia, mais a Igreja sente o direito e dever imperativo de pregar o Deus da misericórdia. O mistério da fé cristã parece encontrar a sua síntese nesta palavra. A missão evangelizadora é o anúncio em voz alta de que em Cristo crucificado, morto e ressuscitado, se realiza a plena e autêntica libertação do mal, do pecado e da morte [3].

Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. “É como se Cristo quisesse revelar que o limite imposto ao mal, cuja causa e vítima acaba por ser o homem, é, em última análise, a Divina Misericórdia”[4].

O triunfo de Cristo é expressão da sua misericórdia para com o homem, expressão de que “o amor é mais forte que o pecado”, “mais forte que a morte e todo o mal”[5]. O mundo só alcançará a paz sobre a guerra, a violência, quando invocar a misericórdia: “Jesus, eu confio em Vós”[6].

Não é fácil responder à evidência do mal no mundo. Talvez porque o mal não seja um problema, mas um mistério. Um mistério no qual estamos pessoalmente envolvidos. Um mistério que não se resolve teoricamente, mas com atitudes vitais ou existenciais.

Devemos sempre contemplar o mistério da misericórdia: a relação entre sofrimento, injustiça, pecado, homens e Deus. Porque, como afirma o Papa Francisco[7], a misericórdia é a lei fundamental que habita no coração de cada pessoa quando olha para o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. A misericórdia é o último e supremo ato com o qual Deus vem ao nosso encontro. E, portanto, a misericórdia é o caminho que une Deus e o homem.

Na vida da Igreja, a misericórdia é uma realidade permanente. Mas há momentos em que somos chamados a fixar o olhar na misericórdia de forma mais intensa.

Compreendemos o pecado a partir da misericórdia

“Deus é infinitamente bom e todas as suas obras são boas. Todavia, ninguém escapa à experiência do sofrimento, dos males existentes na natureza que aparecem ligados às limitações próprias das criaturas e, sobretudo, à questão do mal moral” (Catecismo, 385). “O pecado está presente na história do homem: seria inútil tentar ignorá-lo ou dar a esta realidade obscura outros nomes” (Catecismo, 386). Mas de onde vem o mal, especialmente o pecado?

Para responder a esta pergunta devemos olhar para o mistério de Deus, porque o pecado só pode ser entendido a partir da misericórdia de Jesus Cristo. “‘O mistério [...] da iniquidade’ (2Ts 2,7) só se explica à luz do ‘mistério da piedade’ (1 Tim 3,16). A revelação do amor divino em Cristo manifestou ao mesmo tempo a extensão do mal e a superabundância da graça (cf. Rm 5,20). Precisamos, pois, abordar a questão da origem do mal fixando o olhar de nossa fé naquele que, e só Ele, é o Vencedor do mal. (cf. Lc 11,21-22; Jo 16,11; 1 Jo 3,8)” (Catecismo, nº 385). Como afirma Pascal em seus Pensamentos, o conhecimento de Deus sem o conhecimento da necessidade de nossa redenção é enganoso, assim como o reconhecimento de nossa miséria sem conhecer o Redentor [8].

A partir deste vínculo profundo entre o homem e Deus, podemos compreender que o pecado é um abuso da liberdade que Deus concede às pessoas criadas para que possam amar a si e uns aos outros (cf. Catecismo, 386).

Para esclarecer a realidade do pecado, a luz da Revelação divina nos fala particularmente do pecado das origens. Mas o ponto de partida para compreendê-lo é a mensagem da misericórdia divina revelada por Jesus.

Pecado original: uma verdade essencial da fé

“A doutrina do pecado original é, por assim dizer, ‘o reverso’ da Boa Notícia de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos graças a Cristo.

O relato da queda (Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um fato que ocorreu no início da história do homem (cf. GS 13,1). A Revelação dá-nos a certeza de fé de que toda a história humana está marcada pelo pecado original cometido livremente pelos nossos primeiros pais (cf. Concílio de Trento: DS 1513; Pio XII, Humani generis: ibid., 3897; Paulo VI, discurso 11/07/1966)” (Catecismo, n. 389-390).

“Por trás da opção de desobediência de nossos primeiros pais há uma voz sedutora que se opõe a Deus (cf. Gn 3,1-5) que, por inveja, os faz cair na morte (cf. Sab 2,24). A Escritura e a Tradição da Igreja veem neste ser um anjo destronado, chamado Satanás ou diabo (cf. Jo 8,44; Ap 12,9). A Igreja ensina que ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus” (Catecismo, n. 391).

“O homem, tentado pelo diabo, deixou morrer em seu coração a confiança no seu Criador (cf. Gn 3,1-11) e, abusando da sua liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Foi nisto que consistiu o primeiro pecado do homem (cf. Rom 5,19). Todo pecado, daí em diante, será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança em sua bondade” (Catecismo, 397).

“A Escritura mostra as consequências dramáticas desta primeira desobediência. Adão e Eva perdem de imediato a graça da santidade original (cf. Rm 3,23). Têm medo deste Deus (cf. Gn 3,9-10) do qual fizeram uma falsa imagem, a de um Deus enciumado de suas prerrogativas (cf. Gn 3,5)” (Catecismo, 399).

Como consequência, “a harmonia na qual estavam, estabelecida graças à justiça original, está destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo é rompido (cf. Gn 3,7); a união entre homem e a mulher é submetida a tensões (cf. Gn 3,11-13); suas relações serão marcadas pela cupidez e pelo domínio (cf. Gn 3,16)” (Catecismo, 400).

A harmonia com a criação também fica destruída; “a criação visível tornou-se para o homem estranha e hostil (cf. Gn 3,17.19). Por causa do homem, a criação está submetida ‘à servidão da corrupção’ (Rom 8,21). Finalmente, vai realizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso de desobediência (cf. Gn 2,17): o homem ‘voltará ao pó do qual é formado’ (Gn 3,19). A morte entra na história da humanidade (cf. Rom 5,12)” (Catecismo, 400).

“A partir do primeiro pecado, uma verdadeira ‘invasão’ do pecado inunda o mundo: o fratricídio cometido por Caim contra Abel (cf. Gn 4,3-15); a corrupção universal em decorrência do pecado (cf. Gn 6,5.12; Rom 1,18-32); na história de Israel, o pecado se manifesta frequentemente e sobretudo como uma infidelidade ao Deus da Aliança e como transgressão da Lei de Moisés; e mesmo após a Redenção de Cristo, entre os cristãos, o pecado se manifesta de muitas maneiras (cf. 1 Cor 1-6; Ap 2-3)” (Catecismo, 401).

Pablo Martí del Moral


Bibliografia

— Catecismo da Igreja Católica, nn. 374-421.

— São João Paulo II, Creio em Deus Pai. Catequese sobre o Credo (I), Paulus, São Paulo.

— Francisco, Misericordiae Vultus, 11-IV-2015.

Notas:

[1] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, n. 10.

[2] São João Paulo II, Evangelium vitae, n. 21

[3] Cf. São João Paulo II, Redemptoris missio, n. 44.

[4] São João Paulo II, Memória e Identidade, Sextante, São Paulo.

[5] Estas expressões aparecem repetidas vezes em São João Paulo II, Dives in Misericordia.

[6] Santa Faustina, Diário de Santa Faustina. A Misericórdia Divina na minha alma. Apostolado da Divina Misericórdia.

[7] Cfr. Francisco, Misericordiae Vultus, n. 2.

[8] Blaise Pascal, Pensamentos, n. 556 e n. 449, Martins Fontes, São Paulo.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/10-o-pecado-e-a-misericordia-de-deus/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF