pteixera - publicado
em 30/03/25
São Bento, em sua Regra, observa que é muito difícil
viver o ano todo em harmonia com a própria vocação. Realista, ele se propõe,
pelo menos durante a Quaresma, como explica Dom Samuel, abade cisterciense de
Nový Dvůr (República Tcheca), redescobrir o silêncio como semente de unidade.
A perseverança na busca do silêncio
pode dar belos frutos de conversão e reorientar-nos para a unidade,
quando a turbulência do mundo nos sobrecarrega e dispersa. Com efeito, como
pode o “nós” do “Pai-Nosso” tornar-se fermento do Reino quando as nossas
sensibilidades litúrgicas nos dividem, quando as legítimas opiniões políticas
que nos distinguem sistematicamente se azedam, quando as nossas famílias, as
nossas comunidades religiosas, as nossas paróquias se sufocam com conflitos
mesquinhos?
O remédio não se encontra em uma indulgência ingênua que
aceita tudo e qualquer coisa, em um sincretismo brando que renuncia à busca da
verdade: "Todo mundo é bonito, todo mundo é bom...", nem em um
endurecimento de posições que não respeitam nenhuma divergência. O remédio está
no silêncio que abre de par em par a porta ao Senhor, o único capaz de iluminar
e restaurar tudo, uma porta sempre estreita, a do Evangelho.
Tempo de oração
O cristão é convidado a rezar a Deus Pai "nosso".
Para que a Quaresma seja um tempo privilegiado de oração, deve tornar-se também
um tempo dedicado a fortalecer este “nós”. O "nós", entre nós... Na
Missa, todas as orações são expressas em "nós": "nós te
pedimos", que essas ofertas "se tornem por nós...", "nós te
oferecemos", "nós te damos graças", "nós te pedimos",
que "possamos ser reunidos em um só corpo". As únicas orações que se
expressam no "eu" são aquelas em que cada um pede perdão pelas
próprias faltas: "Confesso-me a Deus...", "Senhor, não sou digno
de receber-te..."
Na escuridão de um silêncio profundo, o caminho a seguir
torna-se claro, e isso é suficiente.
Como podemos orar dizendo "nós" quando estamos
assim divididos? Como pode este “nós” atingir a abóbada das nossas igrejas,
crescer desde a nave até ao transepto, ressoar como que em eco: nós, nós,
nós... Será que o "nós" dos membros dos quais Cristo é a Cabeça
finalmente será capaz de se dirigir ao "nosso" Pai com uma só voz, a
de Cristo? Mas isso não diz respeito apenas aos cristãos. Isto diz respeito ao
imenso povo do qual os cristãos são os representantes diante de Deus nosso Pai,
sustentados pelas orações dos monges, todos os habitantes deste mundo com os
quais somos solidários.
Quieto...
Como o silêncio pode fortalecer esse "nós"?
Colocado na Regra
de São Bento entre a obediência e a humildade, o silêncio é um dom de
Deus. Para recebê-lo, cabe a nós ficar em silêncio e ouvir. Silenciar as
queixas geradas pelas dificuldades que nos ultrapassam, pelas desilusões
inesperadas, sempre que os acontecimentos nos surpreendem ou quando os outros
que nos rodeiam não reagem como esperávamos.
Para silenciar as falsas ambições que nos habitam, os sonhos
de ser santos diante de Deus alcançaram essa transformação em seu próprio
ritmo. Silenciar os desejos de dominar, de estar certo contra todos, de saber
melhor do que todos, de segurar nossas vidas em nossas mãos. Silencie os
projetos que descarrilam, as emoções vãs, os desejos que escondem becos sem
saída. Calar-se para se livrar das mil e uma imagens que entulham a imaginação
e velam a pureza do olhar: essas imagens e sons artificiais dos quais é tão
difícil se desprender.
… e ouça
Calar-se e escutar, especialmente na oração, diante do
sacrário onde Jesus ressuscitado nos fala, calando-se. Silencie nossos
sentimentos. Silencie nossa agitação. Para silenciar até mesmo nossos belos
pensamentos. Silencie as orações automáticas onde você cuida de si mesmo.
Calar-se sobre tudo isto, recuperar a confiança do filho que
segura a mão do Pai e não pede mais do que a sua presença. Na escuridão de um
silêncio profundo, o caminho a seguir torna-se claro, e isso é suficiente. É o
trabalho de uma vida. Portanto, sejamos pacientes, gratos pelos fragmentos de
silêncio recebidos e, acima de tudo, perseverando em procurá-lo
incansavelmente.
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