A MORAL CRISTÃ E A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA DAS VIRTUDES NA
FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA MORAL
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A moral cristã está fundamentada numa visão elevada da
dignidade da pessoa humana: criada à imagem e semelhança de Deus. O ser humano
é um ser espiritual, dotado de razão e liberdade, chamado à comunhão com o
Criador e à realização plena de sua vocação no amor. Para trilhar esse caminho
e realizar-se plenamente, não basta apenas conhecer o bem — é preciso desejá-lo
e praticá-lo com perseverança. Nesse horizonte, as virtudes ocupam um lugar
central: são elas que educam a liberdade, ordenam os afetos e fortalecem a
vontade para o bem. Mas, afinal, o que é a virtude?
A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o
bem. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (n. 1803), ela “permite à pessoa
não somente praticar atos bons, mas dar o melhor de si”. Não se confunde,
contudo, com automatismos ou condicionamentos externos: a virtude é fruto de
uma escolha livre e reiterada de realizar o bem, que vai formando o caráter e
configurando a vida moral. Trata-se, assim, do ponto de encontro entre a
liberdade humana e a verdade do bem, entre a consciência e a prática concreta
da vida.
As virtudes humanas, também chamadas de morais, são
adquiridas pela educação, por atos deliberados e pela repetição perseverante do
bem. São disposições interiores estáveis que capacitam o agir reto. A tradição,
particularmente em Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, destaca quatro virtudes
principais — chamadas cardeais — em torno das quais se articulam as demais:
prudência, que discerne o bem e os meios para alcançá-lo; justiça, que dá a
cada um o que lhe é devido; fortaleza, que sustenta a constância nas
dificuldades; e temperança, que modera os prazeres e assegura o domínio de
si.
As virtudes, ao moldarem progressivamente as inclinações da
vontade para o bem, desempenham papel essencial na formação da consciência
moral. É por meio da prática das virtudes que a pessoa se torna cada vez mais
apta a discernir com clareza o que é verdadeiro e bom, superando as ilusões do
egoísmo e do subjetivismo. Como ensina São João Paulo II na Veritatis
Splendor, a obediência à verdade é o caminho que conduz à santidade e à
liberdade autêntica. Por isso, a formação da consciência moral deve estar
solidamente ancorada na verdade do bem objetivo, e não sujeita às flutuações
das emoções ou opiniões passageiras.
Diante do relativismo moral que marca a cultura
contemporânea, muitos se perguntam se ainda faz sentido falar de virtudes e de
valores morais objetivos. A resposta cristã, porém, é clara e afirmativa. A
moral das virtudes, longe de ser uma proposta anacrônica, revela-se atual e
necessária para a formação de consciências sólidas e responsáveis. Como
ressalta Bento XVI na Caritas in Veritate, o amor desvinculado da
verdade se reduz a um mero sentimentalismo e perde sua força transformadora. A
verdade dá forma à caridade e a impede de ser manipulada por conveniências
subjetivas.
A ética das virtudes, ao contrário do relativismo, oferece
uma resposta sólida e profundamente humanizadora: não se limita à obediência a
regras externas, mas orienta para uma excelência interior que forma a pessoa,
edifica sua liberdade e a conduz ao verdadeiro bem. As virtudes, por isso, não
são ornamentos opcionais da vida moral, mas estruturas interiores que sustentam
a dignidade e a liberdade humanas. Elas moldam a consciência e orientam a ação,
em conformidade com a verdade sobre o bem.
Nesse horizonte, revalorizar as virtudes é uma tarefa
urgente para educadores, formadores e pastores: trata-se de reacender, no
coração humano, o desejo do bem e a confiança de que a vida moral é, antes de
tudo, um caminho de plenitude — e não uma simples série de restrições. A moral
cristã das virtudes, iluminada pela fé e sustentada pela graça, aponta para o
ideal da santidade, sem ignorar a condição frágil e histórica da liberdade
humana.
A ética das virtudes, assumida e elevada pela moral cristã,
não se reduz a um moralismo rígido, mas propõe um caminho de realização
integral. Não é um sistema de proibições, mas uma verdadeira pedagogia da
felicidade. Como ensinam as bem-aventuranças, “bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). A moral cristã orienta-se, assim, para
essa visão beatífica: uma existência marcada pela verdade, pelo amor e pela
liberdade dos filhos de Deus.
Num mundo ferido pela incerteza moral, pela indiferença e
pelo subjetivismo ético, a redescoberta das virtudes se apresenta como um
caminho promissor para uma nova humanidade, reconciliada com o bem, com a
verdade e com Deus.
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