Cidade do
Vaticano (RV) - O Papa presidiu na manhã da sexta-feira (06/01) a Solenidade da
Epifania do Senhor, na Basílica de São Pedro.
Em sua reflexão, Francisco falou de uma
"nostalgia" que impeliu os reis magos a colocarem-se a caminho e
seguir a estrela de Belém.
"Lá, em Belém, havia uma promessa de novidade, uma
promessa de gratuidade. Lá estava a acontecer algo de novo", refletiu o Pontífice.
Abaixo, a
íntegra da reflexão do Papa.
“Onde
está o Rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e
viemos adorá-Lo”. (Mt 2, 2).
Com estas palavras, os Magos, que vieram de terras
distantes, explicam o motivo da sua longa caminhada: adorar o Rei
recém-nascido. Ver e adorar são duas ações que sobressaem na narração
evangélica: vimos uma estrela e queremos adorar.
Estes homens viram uma estrela, que os pôs em movimento.
A descoberta de algo fora do comum, que aconteceu no céu, desencadeou uma série
inumerável de acontecimentos. Não era uma estrela que brilhou exclusivamente
para eles, nem possuíam um DNA especial para a descobrir.
Como justamente reconheceu um Pai da Igreja, os Magos não
se puseram a caminho porque tinham visto a estrela, mas viram a estrela porque
se tinham posto a caminho (cf. João Crisóstomo). Mantinham o coração fixo no
horizonte, podendo assim ver aquilo que lhes mostrava o céu, porque havia neles
um desejo que a tal os impelia: estavam abertos a uma novidade.
Os Magos nos dão, assim, o retrato da pessoa que
acredita, da pessoa que tem nostalgia de Deus; o retrato de quem sente a falta
da sua casa: a pátria celeste. Refletem a imagem de todos os seres humanos que
não deixaram, na sua vida, anestesiar o próprio coração.
Esta nostalgia santa de Deus brota no coração que
acredita, porque sabe que o Evangelho não é um acontecimento do passado, mas do
presente. A nostalgia santa de Deus permite-nos manter os olhos abertos contra
todas as tentativas de restringir e empobrecer a vida. A nostalgia santa de
Deus é a memória fiel que se rebela contra tantos profetas de desgraça. É esta
nostalgia que mantém viva a esperança da comunidade fiel que implora, semana
após semana, com estas palavras: «Vinde, Senhor Jesus!»
Era precisamente esta nostalgia que impelia o velho
Simeão a ir ao Templo todos os dias, tendo a certeza de que a sua vida não
acabaria sem ter nos braços o Salvador. Foi esta nostalgia que impeliu o filho
pródigo a sair de uma conduta autodestrutiva e procurar os braços de seu pai.
Era esta nostalgia que sentia no seu coração o pastor, quando deixou as noventa
e nove ovelhas para ir à procura da que se extraviara.
E foi também o que sentiu Maria Madalena na madrugada do
Domingo de Páscoa, fazendo-a correr até ao sepulcro e encontrar o seu Mestre
ressuscitado. A nostalgia de Deus tira-nos para fora dos nossos recintos
deterministas, que nos induzem a pensar que nada pode mudar. A nostalgia de
Deus é a disposição que rompe com inertes conformismos, impelindo a
empenhar-nos na mudança que anelamos e precisamos.
A nostalgia de Deus tem as suas raízes no passado, mas
não se detém lá: vai à procura do futuro. Impelido pela sua fé, o fiel
«nostálgico» vai à procura de Deus, como os Magos, nos lugares mais recônditos
da história, pois está seguro, em seu coração, de que lá o espera o seu Senhor.
Vai à periferia, à fronteira, aos lugares não evangelizados, para poder
encontrar-se com o seu Senhor; e não o faz, seguramente, com uma atitude de
superioridade, mas como um mendigo que se dirige a alguém aos olhos de quem a
Boa Nova é um terreno ainda a explorar.
Entretanto no palácio de Herodes que distava poucos
quilômetros de Belém, animados de procedimento oposto, não se tinham apercebido
do que estava a acontecer. Enquanto os Magos caminhavam, Jerusalém dormia;
dormia em conluio com Herodes que, em vez de andar à procura, dormia também.
Dormia sob a anestesia de uma consciência cauterizada.
E ficou perturbado; teve medo. É aquela perturbação que
leva a pessoa, à vista da novidade que revoluciona a história, a fechar-se em
si mesma, nos seus resultados, nos seus conhecimentos, nos seus sucessos. A
perturbação de quem repousa na sua riqueza, incapaz de ver mais além. É a
perturbação que nasce no coração de quem quer controlar tudo e todos; uma
perturbação própria de quem vive imerso na cultura que impõe vencer a todo o
custo, na cultura onde só há espaço para os “vencedores” e a qualquer preço.
Uma perturbação que nasce do medo e do temor face àquilo
que nos interpela, pondo em risco as nossas seguranças e verdades, o nosso modo
de nos apegarmos ao mundo e à vida. E Herodes teve medo, e aquele medo levou-o
a procurar segurança no crime: «Necas parvulos corpore, quia te necat timor in
corde – matas o corpo das crianças, porque o temor te matou o coração» (São
Quodvultdeus, Sermo 2 de Symbolo: PL 40, 655).
Queremos adorar. Aqueles homens vieram do Oriente para
adorar, decididos a fazê-lo no lugar próprio de um rei: no Palácio. Aqui
chegaram eles com a sua busca; era o lugar idôneo, porque é próprio de um rei
nascer em um palácio, ter a sua corte e os seus súditos. É sinal de poder, de
êxito, de vida bem-sucedida.
E pode-se esperar que o rei seja reverenciado, temido e
lisonjeado; mas não necessariamente amado. Estes são os esquemas mundanos, os
pequenos ídolos a quem prestamos culto: o culto do poder, da aparência e da
superioridade. Ídolos que prometem apenas tristeza e escravidão.
E foi lá precisamente onde começou o caminho mais longo
que tiveram de fazer aqueles homens vindos de longe. Lá teve início a ousadia
mais difícil e complicada: descobrir que não se encontrava no Palácio aquilo
que procuravam, mas estava em outro lugar: e não só geográfico, mas também
existencial.
Lá não veem a estrela que os levava a descobrir um Deus que
quer ser amado, e isto só é possível sob o signo da liberdade e não da tirania;
descobrir que o olhar deste Rei desconhecido – mas desejado – não humilha, não
escraviza, não aprisiona.
Descobrir que o olhar de Deus levanta, perdoa, cura.
Descobrir que Deus quis nascer onde não o esperávamos, onde talvez não o
quiséssemos; ou onde muitas vezes o negamos. Descobrir que, no olhar de Deus,
há lugar para os feridos, os cansados, os maltratados e os abandonados: que a
sua força e o seu poder se chamam misericórdia.
Como é distante, para alguns, Jerusalém de Belém!
Herodes não pode adorar, porque não quis nem pôde mudar o
seu olhar. Não quis deixar de prestar culto a si mesmo, pensando que tudo
começava e terminava nele. Não pôde adorar, porque o seu objetivo era que o
adorassem a ele. Nem sequer os sacerdotes puderam adorar, porque sabiam muito,
conheciam as profecias, mas não estavam dispostos a caminhar nem a mudar.
Os Magos sentiram nostalgia, não queriam mais as coisas
usuais. Estavam habituados, dominados e cansados dos Herodes do seu tempo. Mas
lá, em Belém, havia uma promessa de novidade, uma promessa de gratuidade. Lá
estava a acontecer algo de novo.
Os
Magos puderam adorar, porque tiveram a coragem de caminhar e, prostrando-se
diante do pequenino, prostrando-se diante do pobre, prostrando-se diante do
inerme, prostrando-se diante do insólito e desconhecido Menino de Belém,
descobriram a Glória de Deus.
Fonte: Rádio Vaticano