Cidade do Vaticano (RV) - No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a tratar na edição de hoje da relação entre o tema da Campanha da Fraternidade 2017 e os documentos conciliares.
Qual a abrangência e a amplitude do cuidado pela criação, nossa "casa comum", a que somos chamados a fazer? Quem nos explica, é o Padre Gerson Schmidt, incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre e que tem nos acompanhado no período da Quaresma nas reflexões deste nosso espaço dedicado ao Concílio Vaticano II:
"Dentro do resgate histórico que fazemos dos documentos conciliares, estamos fazendo uma ponte aqui da GS, que aponta a missão da Igreja no mundo, com a temática da CF 2017, a casa comum onde nós vivemos que deve ser cuidada e preservada como realmente a “nossa” casa, o chão de nossa história salvífica.
A Igreja não pode descuidar dos problemas do mundo. Bem por isso, deve zelar pelo ambiente em que vive e mergulha na sua missão evangelizadora. Se cuidamos da casa que é o mundo, cuidamos do próprio ser humano. Se cuidamos do ser humano, a casa se ajeita, se arruma, ficará automaticamente reorganizada. A bagunça no mundo existe porque o ser humano está bagunçado e vice-versa.
Bento XVI, em forma de exortação, diz assim na Encíclica Caritas in Veritate, número 51: “A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve, sobretudo, proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma espécie de ecologia do homem, entendida no justo sentido. De fato, a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a ‘ecologia humana’ é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental”.
Portanto, defender a natureza, a ecologia, nessa temática da Campanha da Fraternidade, é também a defesa do próprio homem na sua dignidade e autenticidade mais genuína. A ideologia do gênero deturpa o ser humano. Faz dele um transumano, um ciborgue, como afirmou um filósofo Francês, Fabrice Hadjadj: “A partir da ideologia do gênero a sociedade caminha para o transumano, isto é, para um humano potenciado pelas novas tecnologias. Na verdade, porém, isso não passaria de um androidismo ou de um ciborguismo”¹.
Já afirmava o Papa João Paulo II na Encíclica Centesimus Annus, número 38: “Além da destruição irracional do ambiente natural, é de recordar aqui outra ainda mais grave, qual é a do ambiente humano, a que se está ainda longe de prestar a necessária atenção. Enquanto justamente nos preocupamos, apesar de bem menos do que o necessário, em preservar o «habitat» natural das diversas espécies animais ameaçadas de extinção, porque nos damos conta da particular contribuição que cada uma delas dá ao equilíbrio geral da terra, empenhamo-nos demasiado pouco em salvaguardar as condições morais de uma autêntica «ecologia humana». Não só a terra foi dada por Deus ao homem, que a deve usar respeitando a intenção originária de bem, segundo a qual lhe foi entregue; mas o homem é doado a si mesmo por Deus, devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral, de que foi dotado. Neste contexto, são de mencionar os graves problemas da moderna urbanização, a necessidade de um urbanismo preocupado com a vida das pessoas, bem como a devida atenção a uma «ecologia social» do trabalho”.
Na Encíclica Laudato Si, que está por detrás dessa temática ecológica da CF, o Papa Francisco afirma assim no número 115: O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade, porque este ser humano “já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente. Sem se pôr qualquer hipótese, vê-a, objetivamente, como espaço e matéria onde realizar uma obra em que se imerge completamente, sem se importar com o que possa suceder a ela”². Assim debilita-se o valor intrínseco do mundo. Mas, se o ser humano não redescobre o seu verdadeiro lugar, compreende-se mal a si mesmo e acaba por contradizer a sua própria realidade".
Rádio Vaticano