Ecclesia |
Há poucos meses, em uma conversa com uma pessoa que mora em outra cidade, esta me disse que não frequenta uma celebração da Santa Missa ou não recebe os sacramentos da fé há mais de dez anos, mas afirmou que tem certeza de que não tem nenhum pecado, pois sua consciência de nada a acusa. Ela não matou e nem roubou e está tudo certo.
Assim como essa pessoa, muitas outras, em nossos dias, não percebem a extensão e a gravidade do pecado, pois não sabem nem mesmo discernir o que é o pecado e vivem de acordo com suas próprias regras ou leis, esquecendo-se de que é Deus, com Seus Mandamentos e bem-aventuranças, quem define o que é erro ou o que é acerto, ou ainda, o que é luz e o que são trevas. Por isso, o próprio Cristo não se cansa de nos advertir: “Vê bem se a luz que há em ti não é treva!” (Lc 11, 35).
Amparados nos ensinamentos de Jesus Cristo e na Doutrina Católica, temos que realizar um amplo apostolado da confissão, demonstrando ao nosso próximo que cometer um pecado é querer livremente aderir ao mal, às trevas, à corrupção e ao egoísmo. Cometer um pecado é renunciar à plenitude do amor de Deus. Diante das tentações que nos cercam, não podemos titubear e nem mesmo esquecer-nos de que, por causa dos nossos pecados, nosso Senhor Jesus Cristo foi espancado, maltratado, traspassado, esmagado, condenado, flagelado e crucificado.
Quando pecamos, somos outros Judas que podem afirmar: “Pequei, traí o sangue inocente!” (Mt 27,4). Às vezes, somos piores do que Judas, e vendemos novamente o Cristo não por trinta moedas, mas por prazeres momentâneos, falsas ilusões, máscaras decrépitas, sucessos passageiros e fama transitória. Quando fazemos isso, Cristo é, de novo, escarnecido, esbofeteado, cuspido, rasgado, coroado de espinhos e vilipendiado! Tendo a consciência de que somos fracos e vulneráveis, não podemos e nem devemos nos expor a situações de pecado. Temos, sim, que bradar de maneira nova e constante: “Não nos deixeis cair em tentação!” (Mt 6,13) Ou ainda: “Recordai-vos, ó bom Jesus, que por mim subistes a Cruz: não permitais que me perca nesse dia!” (Hino Ave verum).
A luta contra o pecado é diária e só se torna vencedor o fiel que, com humildade e sabedoria, reconhece que sem Deus é fraco e vulnerável. Só se torna vencedor o fiel cristão que sabe recorrer, com contrição e arrependimento, ao Sacramento da Volta para poder retornar ao Corpo Místico de Cristo, pois “quando nos voltamos para o Mestre divino, nos convertemos a Ele, experimentamos a Sua misericórdia por meio do Sacramento da Reconciliação, descobrimos um olhar que nos perscruta profundamente e que pode reanimar as multidões e cada um de nós”. (Mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma de 2006).
Realizando o apostolado da confissão, eu quero agora lhe fazer um pedido. Em nome de nosso Redentor, eu lhe peço: “Não se deixe vencer pelo mal, mas seja vencedor do mal por meio do bem!” (Rm 12, 21). Peço-lhe ainda: “Despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz!” (Rm 13,12). Lutemos com garra e afinco contra toda e qualquer forma de pecado que nos escraviza e nos afasta do amor de Deus. Professe com esperança e fidelidade que “não há nada melhor no mundo do que estar em estado de graça!” (São Josemaría Escrivá, “Caminho, nº 286”).
Na constante peleja contra o pecado, devemos crer que a presença de Deus em nossas almas, a vivência da graça sobrenatural, é o melhor antídoto contra o pecado, o mal e os erros. Nossa perseverança na vida da graça gera, em nosso íntimo, o repúdio a qualquer ato de desamor que leve ao enfraquecimento da santidade em nossas vidas. A graça produz em nós alegria interior e humildade. Por outro lado, o pecado produz em nós uma profunda tristeza, pessimismo, acomodação e desânimo.
A vivência da graça nas diversas situações do nosso dia a dia nos faz professar: “A alma que de verdade ama a Deus não pode estar satisfeita enquanto não o possuir realmente!” (São João da Cruz, “Cântico espiritual, 6,3”). Caso ocorra que, por insanidade, você venha a optar erradamente pelo pecado, saiba tirar as vendas dos olhos de sua alma e perceba que Deus o cerca com inúmeras graças atuais, para que possa voltar com entusiasmo ao seio da Igreja. Faça um bom exame de consciência, procure um sacerdote, confesse os seus pecados e diga com um profundo arrependimento: “Trago no coração uma grande tristeza e uma dor incessante!” (Rm 9, 2).
O pecado é um ato de desobediência aos projetos de Deus. Quando pecamos, deixamos de trilhar o rumo certo que Deus nos indica, para chafurdar nas ribanceiras e nas encostas das vielas e ruelas que a vida nos apresenta. Quando aderimos ao pecado, somos uns alpinistas inexperientes que se atrevem a escalar o Monte Evereste sem o mínimo conhecimento de escalada, ou até desprovidos dos equipamentos de segurança necessários. Quando aderimos ao pecado, somos uns marujos treinados em uma piscina de 25 metros que se aventuram em uma jangada em uma viagem sem bússola ou astrolábio, no meio do alto-mar. Quando aderimos ao pecado, somos uns surfistas da cidade grande que ultrapassam os arrecifes da Praia de Boa Viagem, no Recife, crendo que ataque de tubarões, naquela região, é coisa do passado. Traduzindo: quando pecamos, somos uns batizados néscios que, pela adesão ao pecado, ofuscamos o caráter de filhos de Deus que está em nossas almas, por querermos conhecer e viver uma vida sem Deus, sem graça, sem justiça, sem virtudes, sem dons, sem carismas, sem piedade, sem limites e sem responsabilidades.
Para concluir, é vital que não nos esqueçamos de que, para vencer o pecado, o mal e suas consequências, Jesus Cristo não se cansa de nos dizer: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1,15). Nosso processo de conversão abarca toda a nossa vida, toda a nossa existência e, por isso, hoje é o dia da nossa conversão! Hoje é o dia da nossa reconciliação! Hoje é o dia da nossa salvação! Retornemos, com o coração contrito para a Casa do Pai, salmodiando: “Volta, alma minha, ao teu sossego, porque o Senhor foi bom para contigo; pois arrancou-me a alma à morte, os olhos às lágrimas, os pés ao tropeço. Continuarei o meu caminho diante do Senhor na terra dos viventes!” (Sl 116,7-9)
Aloísio Parreiras
Arquidiocese de Brasília