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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Católicos chineses ainda têm esperança em acordo com o Vaticano apesar de sérios problemas

Católicos chineses. Crédito: Daniel Ibáñez / ACI Prensa
PEQUIM, 22 Jul. 20 / 11:03 am (ACI).- O jornal South China Morning Post publicou uma análise sobre a situação atual dos católicos no país e destacou que ainda há esperança entre os fiéis no acordo entre o Vaticano e a China para a nomeação de bispos, apesar dos sérios problemas existentes.
No artigo publicado em 20 de julho, recorda-se que há 17 anos nada se sabe sobre o paradeiro de Dom Su Zhimin, bispo de Baoding na província de Hebei, e que neste mês de julho deveria fazer 88 anos, embora não se saiba se está vivo ou morto.
Entre 1956 - cinco anos após a ruptura das relações diplomáticas entre o Vaticano e a China - e 1997, o bispo foi preso pelo menos oito vezes e passou mais de 30 anos na prisão por se recusar a fazer parte da Associação Católica Patriótica Chinesa, a organização do Partido Comunista que controla a Igreja oficial no país.
O artigo lembra que, desde a assinatura do acordo provisório de 2018, que expirará em setembro deste ano, esperava-se que o Governo compartilhasse mais informações sobre os bispos como Su Zhimin. Também era previsto que houvesse mais liberdade religiosa para os católicos, mas isso não ocorreu. Aconteceu o contrário e não houve nomeações episcopais neste período.
Um porta-voz do ministro das Relações Exteriores da China disse ao jornal que o Vaticano e o país asiático "continuarão mantendo comunicações próximas sobre a implementação do acordo e negociarão acordos relevantes para manter a melhoria dos laços”.
A Sala de Imprensa da Santa Sé se recusou a fazer algum comentário ao jornal chinês.
Em junho de 2019, o Vaticano pediu publicamente a Pequim que parasse de pressionar os membros do clero que desejam permanecer leais ao Papa e rejeitam os princípios de independência e autoadministração da Igreja Católica na China.
Uma fonte católica, que conhece as negociações para o acordo de 2018, explicou ao South China Morning Post que “no Vaticano sabem que o acordo não resolverá tudo. Simplesmente fornece a base para resolver um conflito religioso importante, mas muitos líderes políticos e críticos viram o tratado sob uma lente política".
A fonte indicou que se falou sobre vários prelados, incluindo Su Zhimin; Thaddeus Ma Daqin, bispo de Xangai, que está em prisão domiciliar; e Augustine Cui Tai, bispo de Xuanhua, na província de Hebei, preso no mês passado.
"Seus nomes fizeram parte do diálogo todas as vezes, mas sempre se encontraram com desculpas como, por exemplo, que são as autoridades locais que não colaboram”, explicou a fonte.
"Há muitas mentiras e [o Vaticano] sabe disso. A China possui muita tecnologia avançada para seguir seus cidadãos. Como não sabem o paradeiro de um homem desaparecido há quase 20 anos?”, questionou a fonte em relação ao bispo Su Zhimin.
Nos últimos meses, o Governo exerceu uma forte pressão sobre as várias religiões da China, com uma política de "sinização" para tornar religiões, como o cristianismo e o islamismo, mais "alinhadas" com a visão do Partido Comunista.
Uma das medidas estabelecidas pelas autoridades foi a proibição de que os menores de 18 anos possam participar de eventos religiosos.
Além disso, nos últimos três meses, mais de 500 cruzes de igrejas na província de Anhui, na China, foram removidas pelo regime comunista, sem que as autoridades católicas e protestantes pudessem resistir.
Um pesquisador cristão disse ao jornal chinês que a política de repressão do governo prejudicou a imagem internacional do regime e contribuiu para a instabilidade nacional.
"Isso se baseia em uma perspectiva marxista ultrapassada, que vê a religião como um idealismo retrógrado e reacionário, e que considera a repressão e a contenção como a única resposta", disse o especialista que também pertence ao Partido Comunista e que pediu para não ser identificado.
"As religiões e os crentes são produtos de uma sociedade que evolui. Negar completamente o valor da religião hoje não é diferente de negar completamente o valor da nossa própria sociedade. Isso é pura sabotagem autoinfligida", indicou a fonte.
O pesquisador lamentou ainda que as autoridades chinesas não compreendam a complexidade da religião e tratem os fiéis como "forças opositoras".
"A perseguição só levará a um rápido crescimento de grupos religiosos não autorizados, especialmente entre cristãos", alertou. "Nunca estive tão preocupado com a nossa política de religião como agora, depois de décadas de estudá-la”, acrescentou.
A fonte, que tem conhecimento sobre as negociações para o acordo China-Vaticano, disse que a Santa Sé não pode fazer muito sobre este ponto, “mas o PCC [Partido Comunista Chinês] cometeu um grande erro ao declarar guerra à religião. Quando se ataca uma religião, só se cria cidadãos insatisfeitos e isso ameaça a estabilidade nacional”.
"Não estou falando apenas de católicos, mas de todas as outras religiões", acrescentou.
As pessoas, continuou, devem se lembrar de que precisam ver toda a cena e não apenas a perseguição, e citou o exemplo da diocese de Wenzhou, onde houve mais de três mil batismos em 2019. Essa jurisdição, sob a liderança de Dom Shao Zhumin é um alvo frequente das autoridades locais.
“Não podemos nos concentrar apenas na perseguição. Se o fizermos, não seremos capazes de ver toda a cena. Este não é o momento de ir embora, embora pareça que nada possa ser mudado", enfatizou.
“A Igreja deve continuar a acender a luz da esperança, confiando que somente Deus pode trazer mudanças. Se perdemos a esperança, perdemos tudo”, concluiu.
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
ACI Digital

A Igreja Católica é a prostituta da Babilônia?

A Igreja é a prostituta da Babilônia?
Tenho ouvido muitas vezes protestantes fundamentalistas afirmarem que a Igreja [Católica] é a grande prostituta da Babilônia, sobre a qual a Bíblia fala em Apocalipse 17. Eles dizem: “A Bíblia afirma isso claramente”.
Hoje, quero fazer um breve resumo das razões que eles nos dão para justificar tal interpretação e as respostas que os apologistas católicos oferecem.
DE ONDE VIERAM TAIS INTERPRETAÇÕES?
Ao longo da História, essa interpretação foi adotada por diferentes grupos heréticos ao rejeitarem a Igreja Católica. Entre eles, temos os albigenses (hereges gnósticos de tendências maniqueístas) e, posteriormente, os reformadores protestantes (Lutero, Calvino, Tyndale, Knox, etc.). Neste contexto, não nos causa surpresa que [a referida interpretação] tenha sido adotada por muitos grupos fundamentalistas atuais.
QUEM SÃO OS ATUAIS EXPOENTES DESSA INTERPRETAÇÃO?
Devido ao seu grande número, não terei como comentar todos, mas podemos dizer que entre os autores mais lidos encontram-se:
  • Dave Hunt, em sua obra “A Woman Rides the Beast” (intitulado no Brasil como “A Mulher Montada na Besta”);
  • Alexander Hislop, “The Two Babylons” (“As Duas Babilônias”); e
  • Ralph Woodrow, “Babylon, Religious Mystery” (“Babilônia, a Religião dos Mistérios”).
Obs.: Ralph Woodrow retirou este seu livro de circulação e publicou outro, intitulado “The Babylon Connection” (“A Conexão Babilônia”), em que rejeita os seus argumentos anteriores. Woodrow permanece protestante e anticatólico, mas foi honesto o suficiente para se retratar do absurdo que havia escrito.
ARGUMENTOS BASEADOS EM RACIOCÍNIO FALACIOSO
Para entendermos a falha-raiz desses argumentos, é necessário conhecermos um pouco as falácias para as quais essas pessoas recorrem ao estabelecerem seus silogismos. Para ilustrá-lo, citarei o exemplo que Greg Oatis nos oferece em seu artigo “O ‘paganismo’ da Igreja Católica”, no qual os próprios métodos “dedutivos” são usados ​​para “demonstrar” uma teoria maluca: que uma certa cadeia de restaurantes “fast food” tem as suas origens na Babilônia. Ei-los:
  • “‘Os arcos dourados’ são conhecidos em todo o mundo como o símbolo que identifica o McDonald’s. No entanto, devemos assinalar que o arco foi usado habitualmente pelos antigos babilônios em suas portas e palácios. De fato, nas pinturas realizadas pelos babilônios, vemos que seus reis são representados em marcos na forma de arco! Também sabemos que Nabucodonosor, rei da Babilônia, ordenou aos seus súditos que adorassem uma imagem de ouro (Daniel 3,5-10). E Babilônia era conhecida no mundo antigo como ‘a cidade dourada’. Finalmente, observe-se que a primeira letra de McDonald’s, o M, é a 13ª letra do alfabeto inglês, um número reconhecido como possuidor de um poder místico, e que atrai má sorte. Poderia isto ser uma simples coincidência? Inclusive, o que mais assinalaria o M de McDonald’s? Certamente Moloc, o deus pagão do fogo que era adorado na Babilônia. O que é empregado pelo McDonald’s moderno para esquentar as comidas? A eletricidade, que muitos associariam a uma forma controlada de fogo! Portanto, quem poderia duvidar que a cadeia de restaurantes McDonald’s, conhecida por seus arcos dourados, seria, na verdade, um culto mistérico relacionado ao deus do fogo adorado pela antiga realeza babilônica?”
Se eu apontasse para alguém o raciocínio acima como prova de que o McDonald’s é uma seita secreta “pagã”, essa pessoa certamente riria de mim. O curioso é que, na essência, as mesmas falácias usadas para esse exemplo (notoriamente exageradas) são usadas pelos fundamentalistas para provar os seus argumentos (analogia, “non sequitir” etc.).
Ralph Woodrow, em sua retratação, escreve:
  • “Colha tribos suficientes, histórias suficientes, tempo suficiente, pule de uma para outra, de um país para outro, selecione e escolha semelhanças – eis aí como qualquer coisa pode ser ‘provada’!
    Portanto, não é difícil procurar [e encontrar], em alguma cultura antiga, uma deusa pagã com um bebê nos braços, procurar [e encontrar] uma foto semelhante da Virgem Maria carregando Jesus, e então apontar como ‘prova’ de que a veneração de Maria realmente procede de um antigo culto a uma deusa pagã. O mesmo posso fazer hoje com quase qualquer crença, prática, cultura, inventando um paralelo baseado em semelhanças casuais e assumindo a procedência sem uma mínima evidência histórica ou seriedade; e não faltarão aqueles que acreditarão que se trata de uma investigação séria e documentada, e até mesmo nos enviará cartas de parabenização… Se você não acredita, pergunte a Dawn Brown, que ganhou milhões [de dólares] dessa maneira.
    Alguns exemplos de como esse modo de se tirar conclusões pode paganizar até mesmo as Escrituras:
    1º Exemplo: segundo alguns eruditos e estudiosos, Moisés nunca existiu, mas é réplica de uma estória lendária do governante sumério Sargão de Akkad (2334-2279 a.C.), o qual foi colocado numa cesta de junco e abandonado nas águas do Eufrates até ser resgatado por um aguatero que o adotou e criou. Recentemente, num estudo das línguas originais de ambas as histórias, foi descoberto que na história de Moisés há palavras que não podem proceder da lenda babilônica; mesmo assim, muitos acreditam que a história de Moisés é uma ‘recauchutagem babilônica’.
    2º Exemplo: alguns historiadores pensam que a narrativa bíblica do Dilúvio é um plágio de uma lenda suméria bem mais antiga, conhecida como “Ciclo de Ziusudra”. Nessa lenda, os deuses decidem destruir a humanidade por causa das muitas faltas cometidas por ela. No entanto, o deus Enki adverte o rei Ziusudra de Shuruppak e ordena que construa um navio para que possa ser salvo juntamente com a sua família, animais e plantas de todos os tipos. Segundo a lenda, o dilúvio ocorreu e, depois de sete dias e sete noites, cessou, podendo Ziusudra sair do barco.
    3º Exemplo: o mesmo se pode ser dizer da história de Esaú e Jacó, onde encontramos uma estória semelhante em Acrísio (filho de Abante, rei de Argos e Aglaye, pai de Danae) e seu irmão gêmeo Preto, que brigavam entre si enquanto ainda estavam no ventre da mãe. Quando adultos, disputaram o trono entre si e, sendo derrotado por Acrísio, Preto foi expulso do reino; contudo, ele regressou com um exército e obrigou seu irmão a dividir a Argólide: Argos e seus arredores ficaram para Acrísio, enquanto Preto ficou com a Tirinte, Midea e a zona costeira. Acrísio se casou com Eurídice, filha de Lacedemon, e teve uma filha, Danae. Tendo sabido por um oráculo que o filho de Danae causaria a sua morte, tomou precauções para impedir a sua gestação, mas falhou, pois ela fôra fertilizada por Zeus. Ele então a atirou no mar, numa arca, juntamente com o recém-nascido Perseu, mas ambos conseguiram se salvar. Anos mais tarde, Perseu quis ver o seu avô; este, ao saber disso, fugiu para Larisa, uma cidade na Tessália, distante de Argos; no entanto, o rei de Larisa, Teutâmides, organizou alguns jogos, nos quais Perseu participou. Acrísio estava lá como espectador; no entanto, o disco lançado pelo neto, fatalmente desviado pelo vento, bateu na cabeça dele e o feriu mortalmente, cumprindo o oráculo. A fábula de Preto e Acrísio corresponde ao tema mitológico dos “gêmeos rivais” e, nos detalhes, a disputa dentro do útero coincide com a história de Esaú e Jacó citada em Gênesis.
    Seguindo essa linha de pensamento, por que não dizer então que a crença na ressurreição de Cristo surgiu do paganismo, que ensinava que Osíris e Dionísio, deuses da fertilidade, morreram e ressuscitaram? Por que não dizer que o título de Cristo como ‘Rei dos reis’ também procede do paganismo, já que Nabucodonosor é chamado ‘rei dos reis’ em Daniel 2,37? Por que não dizer que o Batismo também tem origem pagã? Afinal, o batismo era, antigamente, um ritual religioso pagão praticado entre os povos antigos e era comum a muitas religiões antigas, como os rituais Eelusic ou o Hinduísmo e o Budismo. Os romanos da época de Cristo estavam interessados ​​nas religiões místicas do Egito e da Babilônia, em algumas das quais o Batismo era praticado como ritual. Por exemplo: nos ritos de iniciação do culto de Ísis, o iniciado confessava os seus pecados diante de outros devotos e era, a seguir, batizado sob a crença de que o banho ritual o purificava das suas faltas e o inscrevia nas fileiras da deusa salvadora”.
QUAIS SÃO, EM SUMA, AS RAZÕES QUE ESSAS OBRAS APONTAM PARA ACUSAR A IGREJA CATÓLICA DE SER A PROSTITUTA [DA BABILÔNIA]?
Por uma questão de espaço, tratarei apenas de um resumo dos principais argumentos que esses trabalhos apresentam.
1º) A prostituta é descrita como uma grande cidade ou um poderoso império. Uma grande cidade que fica sobre sete colinas
  • “E a mulher que viste é a Grande Cidade, que tem soberania sobre os reis da terra” (Apocalipse 17,18).
Eles assumem aqui que ela se refere a Roma, mais especificamente à Igreja Católica Romana.
  • “É aqui que a inteligência é necessária para se ter sabedoria: as sete cabeças são sete colinas, sobre as quais a mulher se assenta. São também sete reis” (Apocalipse 17,9);
Eles objetam aqui que Roma encontra-se assentada sobre sete colinas (Quirinal, Viminal, Capitolino, Esquilino, Palatino, Célio e Aventino), assim como a prostituta (inclusive, recentemente, um protestante me disse que “seria muita coincidência” ambas se assentarem sobre sete colinas).
Mas se os textos bíblicos se referem à prostituta como “uma cidade” e não como “uma igreja”, o argumento começa a parecer frágil. Pois bem: um fundamentalista dirá que “o Vaticano é uma cidade”! Bom, sem querer discutir por enquanto a diferença entre uma cidade e uma instituição sediada numa cidade, a verdade é que o Vaticano não se assenta sobre sete colinas (diferentemente da antiga Roma pagã), uma vez que está localizado à oeste do Tibre, enquanto que as sete colinas da Roma antiga ficam à leste. Com efeito, se o argumento é que é [que a prostituta é] a Igreja Católica, porque o Vaticano é uma cidade que fica sobre sete colinas, tal argumento falha.
Ademais, devemos notar que não apenas a antiga cidade de Roma estava localizada sobre sete colinas, como também Jerusalém, localizada sobre as seguintes colinas: Escopus; Nob; Monte da Destruição; Monte Sião; a colina localizada à sudoeste, também chamada de Monte Sião; Monte Ofel; e a Rocha). Seria então mais coerente supor que os textos bíblicos podem se referir a Roma pagã ou a Jerusalém, já que eram grandes cidades localizadas sobre sete colinas (e tudo isso se assumirmos que o termo “colinas” deve ser interpretado literalmente).
2º) Derramou o sangue dos santos e profetas
  • “E nela foi encontrado o sangue dos profetas, dos santos e de todos os degolados da terra” (Apocalipse 18,24)
  • “E vi que a mulher estava embriagada com o sangue dos santos e com o sangue dos mártires de Jesus. E fiquei muito impressionado ao vê-la” (Apocalipse 17,6).
Ora, se a prostituta estava embriagada com o sangue dos mártires e dos profetas, há aqui outro problema para as teses protestantes, porque é o próprio Cristo quem identifica a cidade de Jerusalém como aquela que mata os profetas. Compare:
  • “‘Jerusalém, Jerusalém! Aquela que mata os profetas e apedreja os que lhes são enviados. Quantas vezes Eu quis reunir teus filhos – como a galinha reúne sua ninhada debaixo das asas – e não quiseste!” (Lucas 13,34).
Cristo também falou que não convinha que um profeta morresse fora de Jerusalém.
  • “Importa, porém, caminhar hoje, amanhã, e no dia seguinte, para que não suceda que morra um profeta fora de Jerusalém” (Lucas 13,33).
É o próprio livro do Apocalipse que menciona claramente que a Grande Cidade (a prostituta) é aquela em que Jesus foi crucificado (Jerusalém):
  • “E jazerão os seus corpos mortos na praça da grande cidade que espiritualmente se chama ‘Sodoma’ e ‘Egito’, onde o nosso Senhor também foi crucificado” (Apocalipse 11,8).
No entanto, eles preferem ignorar qualquer exegese bíblica séria e confiam nos seus preconceitos, acreditando que “santos e profetas” sofreram perseguição religiosa durante a Inquisição. No entanto, quanto a estes supostos “santos”, devo afirmar que quase nenhuma comunidade eclesial protestante se identificaria hoje com as doutrinas que eles professavam. Na verdade, países protestantes não hesitaram em julgá-los por suas próprias inquisições, como se deu em muitos casos, como no caso de [Miguel] Servet, queimado na fogueira por calvinistas; ou anabatistas e arminianos, perseguidos por luteranos e calvinistas. Será que consideram os albigenses, unitaristas, sabelianos ou nestorianos como santos?
O fato de uma pessoa sofrer perseguição religiosa independentemente das ideias que professa, não a torna santa e muito menos profeta. Eu poderia me tornar hoje um herege “até a medula óssea”, ser perseguido pela minha fé e ser injustamente condenado à morte, mas isso não me tornaria ortodoxo, nem santo, nem profeta. E se pensam assim, [devem se recordar que] os católicos sofreram a mesma perseguição nos países protestantes e nem por isso eles se consideram a si mesmos como “a prostituta”.
3º) Comete abominações e fornica com os reis da terra
  • “Com ela fornicaram os reis da terra; e os que habitam na terra se embebedaram com o vinho da sua fornicação” (Apocalipse 17,2).
Eles dão exemplos de como o Vaticano, ao longo da História, manteve relações com as diferentes potências mundiais; mas não há nada de errado nisso! Hoje, os presidentes dos países desenvolvidos geralmente buscam conselhos não apenas da Igreja Católica, como também de líderes protestantes eminentes, e nem por isso estão “fornicando com eles”. O texto do Apocalipse não se refere a isso, mas às abominações que a Jerusalém apóstata cometia continuamente com os povos pagãos.
  • “Filho do homem: faze conhecer a Jerusalém as suas abominações” (Ezequiel 16,2).
  • “Assim diz o Senhor Yahvé: ‘Porquanto se derramou o teu dinheiro, e se descobriu a tua nudez nas tuas prostituições com os teus amantes, como também com todos os ídolos das tuas abominações, e do sangue de teus filhos que lhes deste; portanto, eis que ajuntarei a todos os teus amantes, com os quais te deleitaste, como também a todos os que amaste, com todos os que odiaste, e ajuntá-los-ei contra ti em redor, e descobrirei a tua nudez diante deles, para que vejam toda a tua nudez'” (Ezequiel 16,36-37).
  • “‘E entregar-te-ei nas mãos deles; e eles derrubarão a tua abóbada, e transtornarão os teus altos lugares, e te despirão os teus vestidos, e tomarão as tuas jóias de enfeite, e te deixarão nua e descoberta'” (Ezequiel 16,39).
  • “‘Edificaste um bordel para ti mesmo, e o elevaste em todas as praças'” (Ezequiel 16,24).
  • “‘Também te prostituíste com os filhos do Egito…'” (Ezequiel 16,26).
  • “‘Antes multiplicaste as tuas prostituições na terra de Canaã até Caldéia…'” (Ezequiel 16,29)
  • “‘Ó, quão fraco é o teu coração’ – diz o Senhor Yahvé – ‘fazendo tu todas estas coisas, obras de uma meretriz sem-vergonha!'” (Ezequiel 16,30).
  • “Portanto, ó meretriz, ouve a palavra do Senhor. Assim diz o Senhor Yahvé: ‘Porquanto se derramou o teu dinheiro, e se descobriu a tua nudez nas tuas prostituições com os teus amantes, como também com todos os ídolos das tuas abominações, e do sangue de teus filhos que lhes deste; portanto, eis que ajuntarei a todos os teus amantes, com os quais te deleitaste, como também a todos os que amaste, com todos os que odiaste, e ajuntá-los-ei contra ti em redor, e descobrirei a tua nudez diante deles, para que vejam toda a tua nudez. E julgar-te-ei como são julgadas as adúlteras e as que derramam sangue; e entregar-te-ei ao sangue de furor e de ciúme. E entregar-te-ei nas mãos deles; e eles derrubarão o teu bordel e transtornarão os teus lugares altos, e te despirão os teus vestidos, e tomarão as tuas jóias de enfeite, e te deixarão completamente nua'” (Ezequiel 16,35-39).
É o próprio Deus quem reivindica e identifica Jerusalém como aquela que se prostituiu com os reis da terra e cometeu abominações.
4º) Ela está vestida de púrpura e escarlate
  • “Ai, ai daquela grande cidade, que estava vestida de linho fino, de púrpura e de escarlate; e adornada com ouro e pedras preciosas” (Apocalipse 18,16).
Não podem faltar aqui fotos selecionadas de Padres e Bispos em roupas vermelhas e roxas. A verdade é que os padres não usam “púrpura e escarlate” mas, de acordo com o ciclo litúrgico, as cores de suas vestes mudam.
Eis uma breve descrição do significado dessas cores:
  • Verde: simboliza a esperança. Para os povos antigos, o verde significava a primavera, a vegetação, o renascimento, a esperança de uma colheita abundante. A palavra “verde” vem da palavra latina “viride”, que significa “fresco”, “exuberante” ou “florescente”. Essa cor é usada na liturgia durante o “Tempo Comum”, que são os dias em que não se celebra nenhuma festa em especial.
  • Branco: simboliza pureza e alegria. O branco é usado na época do Natal e da Páscoa, e também para as festas da Ascensão de Jesus ao Céu e na Epifania; enfim, eventos que não comemoram a Paixão e a Morte de Cristo. Também é usado nas festividades da Virgem Maria, dos Anjos e dos Santos não-martirizados. A palavra “branco” parece vir do alemão antigo, da palavra “blank”.
  • Violeta ou Púrpura: simboliza penitência e luto. É usada ​​durante a Páscoa, os domingos da Quaresma e os quatro domingos do Advento. Violeta era a cor favorita para as vestes dos antigos reis. A palavra “púrpura” vem do grego “porphyra”, um tipo de marisco do qual é obtido um corante dessa cor. A palavra “violeta” vem do latim “viola”, o nome de uma planta roxo-azulada.
  • Vermelho: simboliza fogo, sangue e realeza. Essa cor pode ser vista durante as celebrações da Paixão (incluindo a Sexta-Feira Santa) e nos dias em que se comemoram a morte de Mártires, Apóstolos e Evangelistas. Sendo ainda a cor do fogo, é a escolha natural para o Pentecostes, simbolizando a ardente descida do Espírito Santo. A palavra “vermelho” vem do latim, especificamente da palavra “russus”.
Neste sentido, os fundamentalistas, nem sequer por engano, mostram fotos de Sacerdotes como estas, uma vez que contradiriam os seus raciocínios falaciosos:
Ao contrário, eles preferem publicar fotos como estas:
Para, ato contínuo, vociferarem: Vejam!!! Escarlate!!! A prostituta!!!
É também curioso que, sendo o Apocalipse um livro simbólico, eles interpretam literalmente as cores da prostituta, sendo que as cores no Apocalipse possuem um significado simbólico: os justos estão vestidos de branco (pureza e santidade), em contraste com as cores da prostituta (escarlate, por derramar o sangue dos santos; púrpura por fornicar com os reis da terra).
A interpretação literal que promovem falha não apenas porque a cor predominante do clero católico é a branca, como porque o próprio Deus ordenou que as vestes dos sacerdotes levitas fossem nas cores púrpura e escarlate:
  • “Estas pois são as vestes que farão: um peitoral e um éfode, e um manto, e uma túnica bordada, uma mitra, e um cinto; farão, pois, santas vestes para Arão, teu irmão, e para seus filhos, para me administrarem o ofício sacerdotal. E tomarão o ouro, e o azul, e a púrpura, e o escarlate, e o linho fino, e farão o éfode de ouro; e de azul, e de púrpura, e de escarlate, e de linho fino torcido, de obra esmerada. Terá duas ombreiras, que se unam às suas duas pontas, e assim se unirá. E o cinto de obra esmerada do seu éfode, que estará sobre ele, será da sua mesma obra, igualmente, de ouro, de azul, e de púrpura, e de escarlate, e de linho fino torcido” (Êxodo 28,4-8).
  • “Farás também o peitoral do juízo de obra esmerada, conforme à obra do éfode o farás; de ouro, de azul, e de púrpura, e de escarlate, e de linho fino torcido o farás” (Êxodo 28,15).
  • “E nas suas bordas farás romãs de azul, e de púrpura, e de escarlate, ao redor das suas bordas; e campainhas de ouro no meio delas ao redor” (Êxodo 28,33).
  • “Fez-se também o peitoral de obra de artífice, como a obra do éfode, de ouro, de azul, e de púrpura, e de escarlate, e de linho fino torcido” (Êxodo 39,8).
CONCLUSÃO
Muito mais poderíamos acrescentar sobre este assunto, mas basicamente o argumento fundamentalista é sempre sustentado por esse “modus operandi”. Se você, leitor, é um fundamentalista, já tem o que pensar. Sendo cristão, você deve saber que a verdade está sempre à frente e a calúnia não vem de Deus.
Veritatis Splendor

Brasil se abstém em votação na ONU que aborda temas ligados ao aborto

Salão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Crédito: Unsplashed
REDAÇÃO CENTRAL, 22 Jul. 20 / 01:28 pm (ACI).- O Brasil se absteve durante votação na última sexta-feira, 17, de um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas, o qual aborda expressões como “educação sexual”, “direitos e saúde sexual e reprodutiva”, e assim promove questões como ideologia de gênero, aborto, contracepção.
A resolução foi proposta pelo México e afirma ter por finalidade eliminar o preconceito contra as mulheres e adotar medidas contra os abusos que mulheres em vários países têm experimentado no contexto da pandemia do novo coronavírus.
O documento traz em seus pontos questões como a promoção da educação sexual universal, garantia dos direitos reprodutivos, acesso à informação sobre saúde sexual e reprodutiva, direito à autonomia do corpo.
Antes da votação, em uma fase de negociações, alguns países, entre os quais o Brasil, trabalharam na proposição de mudanças no documento com relação a estes temas que poderiam conduzir à maior abertura ao aborto e à ideologia de gênero, por exemplo.
Entretanto, no dia da votação, ao serem analisadas tais emendas, a representação do Brasil na ONU não votou pela aprovação das mesmas, ao invés, optou pela abstenção em todos os casos.
Apesar dessa posição adotada pelo país durante a votação, o coordenador do Movimento Legislação e Vida e especialista em Bioética, Prof. Hermes Rodrigues Nery, explicou que a abstenção não foi algo contraditório com relação à postura pró-vida do governo brasileiro, mais concretamente do seu presidente, Jair Bolsonaro, abertamente pró-vida e contrário à implementação da ideologia de gênero.
Conforme explicou à ACI Digital, “educação sexual e direitos sexuais e reprodutivos são eufemismos para disseminar a agenda da contracepção, do relativismo moral, do aborto, intensificando assim, as políticas antinatalistas e antifamília”.
Nesse sentido, declarou, “a abstenção é uma forma de posicionamento, de resistência, de afirmação e de contraponto, o que é importante, tendo em vista sermos um país de dimensões continentais. Tenho esperança de que o Brasil seja um país de vanguarda na defesa da vida”.
Por sua vez, o representante da missão permanente do Brasil junto à ONU, Sérgio Rodrigues, explicou em suas considerações finais no dia da votação que “em nenhuma circunstância o texto deve ser interpretado como promoção e apoio ao aborto como método de planejamento familiar”.
Além disso, reiterou que a luta contra a discriminação contra mulheres e meninas é prioridade do governo brasileiro e que a resolução ressalta a importância de abordar as “múltiplas formas interconectadas de discriminação”.
O representante do Brasil elogiou ainda, segundo a Folha de S. Paulo, “o destaque dado ao papel fundamental das famílias no texto final”.
Por sua parte,  Prof. Hermes Rodrigues Nery também reforçou “que o governo brasileiro tem se posicionado nas instâncias internacionais nesse sentido, através do Ministério da Mulher, Direitos Humanos e Família comprometido com os esforços de marcar a posição do Brasil na defesa da vida e da família, do direito natural, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, enfrentando por causa disso, a oposição da grande mídia e das instituições aparelhadas ideologicamente”.
Além disto, observou o líder pró-vida, a postura do governo “conta com o apoio da maioria do povo brasileiro, que é conservador e a favor da vida e da família”.
ACI Digital

S. BRÍGIDA, RELIGIOSA, PADROEIRA DA EUROPA

S. Brígida, século XV
S. Brígida, século XV 
Brígida, quando criança, tinha, certamente, um caráter forte e decisivo. Pertencia a uma família aristocrática. Embora sentisse a vocação religiosa, aceitou casar-se com Ulf, o governador de um importante distrito do Reino da Suécia, a pedido do seu pai.
A primeira parte da sua vida, marcada por uma grande fé, foi dedicada a um casamento feliz, do qual nasceram oito filhos. Uma dentre eles, Catarina - que a seguiu até Roma - também foi canonizada. Junto com seu marido, adotou a Regra das Terciárias Franciscanas e fundou um pequeno hospital.
Guiada por um erudito religioso, estudou a Bíblia, a ponto de ser apreciada por sua pedagogia; por isso, foi convocada pelo rei da Suécia para encaminhar a jovem rainha à cultura sueca. Após mais de vinte anos de casamento, seu marido faleceu. Assim, começa a segunda parte da sua vida.

Brígida e Catarina: Papa, volte para Roma!
Brígida fez uma escolha decisiva: despojou-se dos seus bens e foi viver no mosteiro cisterciense de Alvastra. Naquela época, destacavam-se muitas experiências místicas, depois relatadas nos oito livros das Revelações. Aqui, também teve início a sua nova missão.
Em 1349, Brígida foi a Roma para obter o reconhecimento da sua Ordem, dedicada ao Santíssimo Salvador, que deveria ser composta, segundo seu desejo, de monjas e religiosas. Então, decidiu estabelecer-se na Cidade Eterna, em uma casa na Praça Farnese, que ainda hoje é sede da Cúria Geral das Brigidinas. Porém, sofria por causa dos maus costumes e da degradação generalizada da cidade, que ressentia muito pela ausência do Papa, que, na época, vivia em Avinhão. O ponto alto da sua missão - como o de Santa Catarina da Sena, sua contemporânea – era pedir ao Papa para voltar ao túmulo de Pedro.

Mulher pela paz na Europa
Outro "aspecto" do forte compromisso de Brígida era a paz na Europa.
Naquele tempo, as suas obras de caridade foram decisivas. Ela, que era nobre, vivia na pobreza, a ponto de pedir esmolas nas portas das igrejas.
Aquele também era um período de peregrinações a vários lugares da Itália, de Assis a Gargano. Enfim, a peregrinação das peregrinações à Terra Santa.
Brígida tinha quase 70 anos, mas isto não influenciou seu desejo. O ponto central da sua experiência de fé foi a Paixão de Cristo, como também a Virgem Maria. Testemunhas disso foram o "Rosário Brigidino" e as orações, ligadas às graças particulares prometidas, por Jesus a ela, para quem os praticasse.
Santa Brígida faleceu em Roma, em 23 de julho de 1373. Confiou a Ordem à sua filha Catarina que, ao se tornar viúva, se juntou a ela, quando vivia em Farfa.
Seu único remorso foi o de o Papa não ter ficado definitivamente em Roma. Na verdade, em 1367, o Papa Urbano V tinha voltado, mas foi apenas por um breve período. Gregório XI estabeleceu-se, definitivamente, em Roma, mas alguns anos depois da morte de Santa Brígida.

Co-padroeira da Europa
Canonizada em 1391, por Bonifácio IX, Santa Brígida é a padroeira da Suécia. Em 1999, foi declarada também co-padroeira da Europa, por São João Paulo II. Na ocasião, o Papa destacou: “A Igreja, sem se pronunciar sobre cada uma das revelações, aceitou a autenticidade do conjunto das suas experiências interiores”.
A figura de Santa Brígida foi muito querida pelos últimos Papas. Bento XVI, por exemplo, dedicou uma catequese durante a Audiência Geral. O Papa Francisco queria canonizar aquela que, no século XX, tinha renovado a Ordem do Santíssimo Salvador, Maria Elizabeth Hesselblad, dando-lhe um forte impulso ecumênico, tendo sempre em vista a busca de paz e unidade, tão queridas por Brígida.

Vatican News

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Pais da Igreja: São Cipriano de Cartago (I)

São Cipriano
São Cipriano
(†258) Bispo de Cartago e Mártir
ECCLESIA

«Sobre a Unidade da Igreja»

I Parte:

1 - Vigiai, o inimigo vem disfarçado

(1) "Vós sois o sal da terra" (Mt 5,3), diz o Senhor, e ainda nos recomenda que sejamos simples pela inocência e prudentes na simplicidade [Mt 10,16]. Nada pois é mais importante para nós, irmãos diletíssimos, quanto vigiar com todo o cuidado para descobrir logo e, ao mesmo tempo, compreender e evitar as ciladas do inimigo traiçoeiro. Sem isso, embora sejamos revestidos de Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], que é a Sabedoria de Deus Pai [1Cor 1,24], nos mostraríamos menos sábios na defesa da salvação.
(2) De fato, não devemos temer só a perseguição e os vários ataques que se desencadeiam abertamente para arruinar e abater os servos de Deus. Quando o perigo é manifesto, a cautela é mais fácil. O nosso espírito está mais pronto para lutar contra um adversário abertamente declarado. É mais necessário ter medo e guardar-nos do inimigo que penetra às escondidas, e se vai insinuando oculta e tortuosamente com falsas imagens de paz. Bem lhe convém o nome de serpente! Essa foi sempre a sua astúcia, esse foi sempre o tenebroso e pérfido engano com que tenta seduzir o homem.
(3) Já no começo do mundo mentiu e enganou as almas crédulas e ingênuas (dos nossos primeiros pais), acariciando-as com palavras falazes [Gen 3,1ss] . Igualmente ousou tentar a Cristo, nosso Senhor, e se aproximou dele insinuando, disfarçando, mentindo. Foi contudo desmascarado e repelido. Desta vez, foi derrotado porque foi reconhecido e descoberto [Mt 4,1ss].

2 - Acima de tudo: cumprir os mandamentos de Cristo

(1) Sirvam-nos estes exemplos. Evitemos o caminho do homem velho, para não cair no laço da morte. Sigamos as pisadas de Cristo vencedor, para que, usando cautela diante do perigo, alcancemos a verdadeira imortalidade.
(2) Mas, como poderíamos chegar à imortalidade, sem observar os mandamentos de Cristo? São eles os únicos meios para combater e vencer a morte. Ele nos avisa: "Se queres chegar à vida, observa os mandamentos" (Mt 19,17), e, de novo: "Se fizerdes o que vos mando, já não vos chamarei servos, mas amigos" (Jo 15,15).
(3) Esses são os que ele diz serem fortes e firmes. Esses têm fundamento sólido na pedra, e gozam de inabalável resistência contra todas as tempestades e as rajadas do século. "Quem ouve as minhas palavras - diz ele - e as cumpre é semelhante ao homem sábio que construiu a sua casa sobre a pedra. Desceu a chuva, desabaram as correntes, sopraram os ventos, batendo contra aquela casa, e ela não caiu porque fora fundada na pedra" (Mt 7,25).
(4) Devemos, pois, prestar atenção às suas palavras, devemos aprender e praticar o que ele ensinou e o que fez. Como poderia asseverar que acredita em Cristo aquele que não cumpre o que Cristo mandou? E como conseguirá o prêmio da fé aquele que recusa a fé no que foi mandado? Fatalmente ele irá vacilando, à ventura, e, arrastado pelo espírito do erro, será varrido como pó agitado pelo vento.
(5) Nunca poderão conduzir à salvação os passos daquele que não adere à verdade da única via que salva.

3 - O demônio é o autor dos cismas

(1) Devemos pois guardar-nos, irmãos caríssimos, não só dos males que aparecem claramente como tais, mas também, como já disse, daqueles que nos enganam pela sutileza da astúcia e da fraude.
(2) Pois bem, vede agora a que ponto chega a astúcia e a sutileza do inimigo. Veio Cristo ao mundo. Veio a luz para os povos e resplandeceu para a salvação dos homens [Lc 2,32]. Com isto ficou descoberto e derrotado o antigo adversário. Os surdos abrem os ouvidos às graças espirituais, os cegos abrem os olhos a Deus, os enfermos ficam são ao ganhar a saúde eterna, os coxos correm à Igreja, os mudos soltam as suas línguas na oração [Mt 11,5; Lc 7,22]. Aumenta dia a dia o povo fiel, abandonam-se os velhos ídolos, tornam-se desertos os seus templos.
(3) Então, o que faz o malvado? Inventa nova fraude para enganar os incautos com o próprio título do nome cristão. Introduz as heresias e os cismas para derrubar a fé, para contaminar a verdade e dilacerar a unidade. Assim, não podendo mais segurar os seus na cegueira da antiga superstição, os rodeia, os conduz ao erro por novos caminhos. Rouba à Igreja os homens e, fazendo-lhes acreditar que alcançaram a luz e se subtraíram à noite do século, envolve-os ainda mais nas trevas: não observam a lei do Evangelho de Cristo e se dizem cristãos, andam na escuridão e pensam que possuem a luz, nisto são iludidos e lisonjeados pelo adversário, que, como diz o Apóstolo, "se transfigura em anjo de luz" (2Cor 11,14).
(4) Disfarça seus ministros em ministros de justiça, ensina-lhes a dar à noite o nome de dia, à perdição o nome de salvação, ensina-lhes a propalar o desespero e a perfídia sob o rótulo da esperança e da fé, a apregoar o Anticristo com o nome de Cristo. Mestres na arte de mentir, diluem com as suas sutilezas toda a verdade.
(5) Isto acontece, irmãos caríssimos, porque não se bebe à fonte mesma da verdade, não se busca aquele que é a Cabeça, nem se observam os ensinamentos do Mestre celestial.

4 - "Tu és Pedro, e sobre esta pedra..."

(1) Quem presta atenção a estes ensinamentos não precisa de longo estudo, nem de muitas demonstrações. A prova da nossa fé é fácil e compendiosa.
(2) Assim fala o Senhor a Pedro: "Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado também nos céus" (Mt 16,18-19).
(3) Sobre um só edificou a sua Igreja. Embora, depois da sua ressurreição, tenha comunicado igual poder a todos os Apóstolos, dizendo: "Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo, a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos" (Jo 20,21-23), todavia, para tornar manifesta a unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade procedesse de um só.
(4) É verdade que os demais Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira urdidura começa pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só.
(5) O Espírito Santo, falando na pessoa do Senhor, designa esta Igreja única quando diz no Cântico dos Cânticos: "Uma só é a minha pomba, a minha perfeita, única filha da sua mãe e sem igual para a sua progenitora" (Cant 6,9).
(6) Aquele que não guarda esta unidade poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que resiste e faz oposição à Igreja poderá confiar que ainda está na Igreja?
(7) Paulo apóstolo inculca o mesmo ensinamento e mostra o sacramento da unidade, dizendo: "Um só corpo e um só espírito, uma é a esperança da vossa vocação, um Senhor, uma fé, um Batismo, um só Deus" (Ef 4,4-5).
(8) E, depois da ressurreição, diz ao mesmo: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,17). Sobre ele só constrói a Igreja e lhe manda que apascente as suas ovelhas. Embora comunique a todos os Apóstolos igual poder, todavia institui uma só cátedra, determinando assim a origem da unidade.
(9) É verdade que os demais [Apóstolos] eram o mesmo que Pedro, mas o primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que há uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só rebanho, que deve ser apascentado por todos os Apóstolos em unânime harmonia.
(10) Aquele que não guarda esta unidade, proclamada também por Paulo, poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na Igreja?

5 - A Igreja única e universal: muitos são os raios, uma a luz...

(1) Esta unidade devemos guardar e exigir com firmeza, especialmente nós, bispos, que na Igreja presidimos, para dar prova de que o episcopado também é um e indiviso. Ninguém engane os irmãos com mentiras, ninguém corrompa a pureza da fé com pérfidos desvios.
(2) Uma só é a ordem episcopal e cada um de nós participa dela completamente. Mas a Igreja também é uma, embora, em seu fecundo crescimento, se vá dilatando numa multidão sempre maior.
(3) Assim muitos são os raios do sol, mas uma só é a luz, muitos os ramos de uma árvore, mas um só é o tronco preso à firme raiz. E quando de uma única nascente emanam diversos riachos, embora corram separados e sejam muitos, graças ao copioso caudal que recebem, todavia permanecem unidos na fonte comum.
(4) Se pudéssemos separar o raio do corpo do sol, na luz assim dividida já não haveria unidade. Quando se quebra um ramo da árvore, o ramo quebrado já não pode vicejar. Se separamos um regato da fonte, ele secará.
(5) Igualmente a Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda a parte, continua sendo a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do corpo.
(6) Na sua exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra, derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a fonte, uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela nascemos, é dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que nos vivifica.

6 - Única Esposa de Cristo: não pode ter Deus por Pai, quem não tem a Igreja por mãe.

(1) A Esposa de Cristo não pode tornar-se adúltera, ela é incorruptível e casta [Cf Ef 5,24-31]. Conhece só uma casa, observa, com delicado pudor, a inviolabilidade de um só tálamo. É ela que nos guarda para Deus e torna partícipes do Reino os filhos que gerou.
(2) Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica privado dos bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo.
(3) Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja [nota: aqui Cipriano fala dos obstinados que, conhecendo a verdade, insistem, por ódio ou comodismo pagão, em se apartar da Igreja de Cristo].
(4) O Senhor nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo.
(5) Diz ainda o Senhor: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30), e do Pai, do Filho e do Espírito Santo está escrito: "Estes três são um" (1Jo 5,7). Como poderá alguém pensar que esta unidade da Igreja, decorrente da própria firmeza da unidade divina, e tão conforme com este celeste mistério, pode ser rompida e sacrificada ao arbítrio de vontades opostas? Quem não observa esta unidade não observa a lei de Deus, não observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a vida, nem a salvação.

7 - A túnica inconsútil de Cristo

(1) Este sacramento da unidade, este vínculo de concórdia inviolada e sem rachadura, é figurado também pela túnica do Senhor Jesus Cristo. Como lemos no Evangelho, ela não foi dividida, nem, de modo algum, rasgada, mas sorteada. Isto quer dizer que quem toma a veste de Cristo e tem a dita de se revestir do próprio Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], deve receber a sua túnica toda inteira e possuí-la intacta e sem divisão.
(2) Diz a divina Escritura: "Quanto à túnica, visto que, desde a parte superior, era feita de uma única tecedura, sem costura alguma, disseram: não a dividamos, mas lancemos-lhe a sorte para ver a quem toca" (Jo 19,23-24). A unidade da túnica derivava da sua parte superior - em nosso caso, do céu e do Pai celeste. Aquele que a recebia e guardava não podia rasgá-la de modo nenhum, de fato ela era resistente e sólida por ser constituída de um modo inseparável.
(3) Não pode possuir a veste de Cristo aquele que rasga e divide a Igreja de Cristo.
(4) O contrário aconteceu à morte de Salomão, quando o seu reino e o povo deviam ser divididos. O profeta Aías, indo ao encontro do rei Jeroboão no campo, cortou o seu manto em doze partes, dizendo: "Toma para ti dez partes, porque assim diz o Senhor: eis que eu divido o reino da mão de Salomão, a ti darei dez cetros e dois ficarão para ele, por causa do meu servo Davi e de Jerusalém, a cidade eleita em que eu pus o meu nome" (1Rs 11,30-36). Para separar as doze tribos de Israel, o profeta dividiu o seu manto.
(5) Mas o povo de Cristo não pode ser dividido, e por isso a sua túnica, que era um todo feito de uma só tecedura, não foi dividida por aqueles que a deviam possuir. Ficando uma só, bem firme na sua contextura, ela mostra a união e a concórdia do nosso povo, isto é, daqueles que são revestidos de Cristo. Por este sinal sagrado da sua veste, proclamou ele a unidade da Igreja.

8 - Figuras do Antigo Testamento: Raabe, o cordeiro pascal

(1) Portanto quem será tão celerado e pérfido, tão louco pelo furor da discórdia, para pensar como possível ou até para ousar romper a unidade de Deus, a veste do Senhor, a Igreja de Cristo?
(2) Ainda uma vez nos avisa ele no Evangelho dizendo: "E haverá um só rebanho e um só pastor" (Jo 10,16). E como se pode pensar que, num mesmo lugar, existam muitos pastores e muitos rebanhos?
(3) O apóstolo Paulo, por sua vez, inculcando esta mesma unidade, suplica e exorta: "Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais as mesmas coisas e não se dêem cismas entre vós. Sede unidos no mesmo sentimento e no mesmo pensamento" (1Cor 1,10) E de novo: "Sustentando-vos mutuamente no amor, esforçando-vos por conservar a unidade do Espírito na união da paz" (Ef 4,2-3).
(4) Achas tu que alguém pode afastar-se da Igreja, fundar, a seu arbítrio, outras sedes e moradias diversas e ainda perseverar na vida? Ouve o que foi dito a Raabe, na qual era prefigurada a Igreja: "Recolhe teu pai, tua mãe, teus irmãos e toda a tua família junto de ti, na tua casa, e qualquer um que ouse sair fora da porta da tua casa, será ele próprio culpado da sua perda" (Jos 2,18-19).
(5) Igualmente o sacramento da Páscoa [antiga], como lemos no Êxodo, exigia que o cordeiro, morto como figura de Cristo, fosse comido numa só casa. Eis as palavras de Deus: "Seja comido numa só casa, não jogueis fora da casa carne alguma dele" (Ex 12,46). A carne de Cristo, o Santo do Senhor [Nota: "Sanctum Domini" O Santo do Senhor - era como os primeiros cristãos chamavam a Eucaristia - O Corpo e Sangue de Cristo Jesus], não pode ser jogado fora. Para os que nEle crêem, não há outra casa a não ser a única Igreja.
(6) O Espírito Santo anuncia e significa esta casa, esta morada da união dos corações, dizendo nos salmos: "Deus faz habitar na casa aqueles que são unânimes" (Sl 67,7). Na casa de Deus, na Igreja de Cristo, os moradores são unidos e perseveram na concórdia e na simplicidade.

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF