- Autor: José Miguel Arráiz
- Fonte: ApologéticaCatólica.org (http://www.apologeticacatolica.org)
- Tradução: Carlos Martins Nabeto
Se há um fato inegável é de que o pontificado do Papa Francisco tem gerado, como nunca antes, desassossego e perplexidade em um grande número de católicos, enquanto que em outros, pelo contrário, tem gerado encantamento.
E não é porque pontificados anteriores não receberam críticas, pois basta recordar o escândalo que se produziu quando São João Paulo II beijou o Corão ou quando Bento XVI fez certas declarações sobre os preservativos. Isso para mencionar apenas dois eventos que me vêm à memória.
Porém, com o Papa Francisco tem sido diferente, pois a perplexidade e a confusão tem afetado não só os setores tradicionalistas, como também os setores conservadores (“neocons” no jargão depreciativo tradicionalista), que não tinham se sentido mal nos pontificados anteriores.
Eu mesmo, que defendi de numerosas críticas os Papas anteriores, inclusive João Paulo II e Bento XVI (veja-se, p.ex., AQUI, AQUI e AQUI) e até mesmo o Papa Francisco (veja-se, p.ex., AQUI e AQUI), algumas vezes tive que morder a língua quando percebi que não poderia “tapar o sol com a peneira”.
E isso não ocorreu somente comigo: católicos de toda vida, da geração de João Paulo II e Bento XVI, se sentiram decepcionados, p.ex., ao ver o Papa Francisco dizer a Sor Lucía Caram, uma monja ativista que defende o direito ao aborto e ao matrimônio homossexual: “Ah! Você é a monja que causa confusão… Continue causando confusão! Não se canse!”. Outros me escreveram para que eu explicasse como é possível que o Papa louve publicamente o Cardeal Kasper, dizendo que é um teólogo “dos bons”, sendo que este, em seus livros, põe em dúvida a historicidade dos milagres do Evangelho. E isso para não mencionar que o próprio Papa Francisco tratou, em diversas ocasiões, da multiplicação dos pães como uma “parábola” e que os pães não se multiplicaram realmente; ou quando afirmou que somos todos filhos de Deus e que não é lícito tentar convencer outras pessoas a abraçarem a fé católica. Assim como nestes casos, poderíamos mencionar muitos outros que não são fáceis de se compreender, porém para muitos católicos o resultado foi o mesmo – perplexidade – enquanto o mundo celebra possuir um Papa como nenhum outro, que em muitas coisas parece-lhe dar razão naquilo que, antes, a Igreja era intransigente.
Talvez a decepção tenha sido maior porque no início do seu pontificado muitos católicos tinham uma imagem do Cardeal Bergoglio como alguém bem disposto a dizer a verdade plena, ainda que esta fosse politicamente incorreta. Lembro-me das manchetes, quando ele se erguia energicamente para declarar que a lei [civil] sobre o matrimônio homossexual era um movimento de Satanás; nos últimos tempos, pelo contrário, quando foi consultado sobre as declarações do Cardeal Marx, que afirmara que devemos pedir perdão aos homossexuais por sustentarmos aquilo que o Catecismo ensina, ele contornou a pergunta, dando-lhe implicitamente a razão.
O resultado é que, evidentemente, este pontificado não agrada a muitos, mas o que é pior é que muitos estão passando para o sedevacantismo. É preocupante ver a quantidade crescente de pessoas que se identificam como católicas mas chamando o Papa de “herege” e que não são capazes nem mesmo de chamá-lo “Papa”, tratando-o secamente por “Bergoglio”. Outros têm se apegado à hipótese absurda de que o verdadeiro Papa é Bento XVI, apesar deste ter renunciado e o Papa Francisco ter sido eleito de forma legítima. Neste contexto, como um simples leigo, dou alguns conselhos:
FUJA DO SEDEVACANTISMO
Por mais que você não goste – caso este seja o seu caso – lembre-se que o Papa Francisco é o Papa e, como católicos, temos o dever de orar por ele e tentar interpretar de maneira benigna, na medida do possível, o que ele diz e faz, de acordo com a Tradição e o Magistério da Igreja. Devemos evitar criar um preconceito que nos predisponha a ver com maus olhos o que ele diz ou faz.
Inclusive, ainda que fosse realmente um mau Pontífice, nem por isso deixaria de ser o Papa. Sabemos que existiram maus Papas em outros momentos da História, covardes na hora de agir, alguns inclusive terrivelmente imorais, mas como bem explicou o meu amigo Bruno em seu blog, foi o Papa que Deus permitiu em sua Providência, cabendo agora sofrer com paciência, confiando que Deus está no controle.
Lembre-se que é provável que, se você não o considera Papa, é porque possivelmente você possui um entendimento hipertrofiado do dogma da infalibilidade e, por isso, não consegue entender, a partir do seu ponto de vista, o porquê de um verdadeiro Papa poder se equivocar.
FUJA DA “PAPOLATRIA”
O outro extremo tampouco me parece bom e costuma a ser causado pela mesma síndrome: católicos que sustentam que o Papa é infalível, inclusive quando não se pronuncia “ex cathedra”, e que consideram hereges os católicos perplexos que ousam não concordar com tudo o que o Papa diz ou faz; os acusam de quererem saber mais do que o Papa, de serem orgulhosos e cismáticos.
Quanto a isso, eu lhes digo que nem todo católico que critica o Papa é cismático ou herege. Ser católico não implica em guardar o cérebro numa caixa e aceitar cegamente tudo o que nos dizem, tal como um testemunha de Jeová que, quando o ensinam que amanhã acabará o mundo, vende tudo e depois, quando constata que [o mundo] não acabou, fica quieto como se nada de anormal tivesse ocorrido.
O próprio Código de Direito Canônico concede aos fiéis “o direito e, às vezes, até o dever, de acordo com a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, de manifestar aos Pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da Igreja e, ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os Pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, deem a conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis” (CDC, cânon 212, §3); e este é um direito que ninguém pode retirar-lhes.
Entretanto e de qualquer modo, você não deve esquecer o respeito que merece a pessoa do Santo Padre. Ele é uma pessoa como você e eu, com defeitos e virtudes, mas com uma enorme responsabilidade, da qual um dia terá que prestar contas. Ele precisa do nosso apoio e da nossa oração, sobretudo quando apoiá-lo significa levantar a voz quando algo não nos parece bem. Assim fez São Paulo, quando viu que São Pedro “era reprovável” por ter caído na atitude covarde de ser politicamente correto.
Veritatis Splendor