Dom Gil Antônio Moreira Arcebispo de Juiz de Fora |
O número sete, na cultura judaica, tem especial significado. Representa plenitude. Para traduzir a palavra de Jesus sobre o Reino de Deus, o evangelista São Mateus escolheu sete comparações, às quais chamamos parábolas. Estão todas no capítulo 13 de seu evangelho. Na liturgia católica, elas são lidas em três domingos seguidos, a saber, nos 15º, 16º e 17º Domingos do Tempo Comum do Ano A. Ao encerrar este ciclo, são apresentadas as parábolas do tesouro escondido no campo, em que uma pessoa vende tudo o que tem e o compra; a da pérola preciosa, em que alguém também dá tudo o que possui em troca; e a da rede com os peixes, que, no fim dos tempos, serão separados entre bons e maus, indo os bons para os cestos do Senhor e os demais para o fogo da condenação eterna.
As duas primeiras parábolas coincidem em sua mensagem: quem encontra o Reino de Deus é capaz de deixar tudo por ele. Vende tudo o que tem e o acolhe. Coloca-o acima de qualquer riqueza. O Reino de Deus é para ele o maior de todos os bens. Os apóstolos deixaram tudo por causa dele. Além deles, quantos exemplos nós encontramos na história, na tradição da Igreja, de pessoas que foram capazes de deixar tudo por causa do Reino dos Céus! A começar por São Paulo Apóstolo, Silas, Barnabé, São Policarpo de Esmirnia, Santo Irineu de Lião; todos mártires que preferiram perder a vida do que abandonar o Reino. Há, também, Santo Antão e São Bento, filhos de famílias ricas que se fizeram monges para viver mais intensamente no Reino de Deus. São Francisco e Santa Clara, Santa Catarina de Sena, São Camilo de Léllis, Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, Santa Teresinha do Menino Jesus; Santa Teresa Benedita da Cruz, que no século XIX chamava-se Edit Stein, filósofa, fenomenologista, judia convertida ao cristianismo; Santa Teresa de Calcutá, São João Paulo II, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros. A Igreja guarda com carinho de mãe os nomes de todos estes e de milhares outros como exemplos de pessoas que foram capazes de deixar tudo por causa do Reino de Deus.
A sétima parábola é a da Rede e os peixes. Ela se compara à metáfora do joio e do trigo, com a qual tem algo em comum: ao final dos tempos, alguns vão para a companhia do Pai e outros serão jogados fora, e vão para o fogo que não se extingue. Ela fala das realidades escatológicas, de nossa vida após a morte, a entrada no Reino Definitivo, que é o céu, e se refere aos que, por escolha própria, lá não poderão entrar.
Mas o que é, afinal, este Reino de Deus? Ele não se confunde com organização social ou política. Não se compara com uma realidade mundana, porque na Terra nunca haverá perfeição. Isso não significa, porém, que não tenhamos que criar aqui um mundo mais justo e mais fraterno, mais humano.
O Reino é um estilo de vida em Deus. Um modus vivendi que resulta em comunidade de fé e amor. Na verdade, podemos afirmar que o Reino se resume na pessoa de Jesus Cristo. Quem n’Ele está, está no reinado de Deus, está sob o Senhorio amoroso do Pai. Neste sentido, podemos dizer que o Reino é uma pessoa: é Deus mesmo. Quem está em Deus, está no Reino e quem n’Ele não está, mesmo que estivesse numa organização social exemplar, no Reino ainda não está. A Igreja, por sua vez, é sacramento do Reino. Ela é o Corpo Místico de Cristo no qual nos encontramos como membros do Reino.
Entre muitas de Suas parábolas, Jesus também se compara à porta do redil, por onde entramos para o rebanho de Deus. Por ele, como peixes bons, mergulharmos no Pai. Ele é a porta de entrada para o grande ‘mar’ de salvação que é a Trindade Santíssima. Aqui na Terra vamos vivendo até nos encontrarmos eternamente em Deus, como peixes bons que só têm vida dentro d’água. Se dela saem, morrem na praia e vão servir para o lixo.
Ao redor de Jerusalém, havia um vale onde jogavam a imundície da cidade. Era chamado Geena. Por medida de higiene, mantinham-no sempre incandescente, às vezes nele lançando enxofre para o fogo não se extinguir. Ali jogavam, além do lixo doméstico, toda podridão que surgisse, animais mortos e até cadáveres de pessoas condenadas ou consideradas indignas. Quem caísse vivo neste lugar, não tinha mais salvação. Era impossível resgatar alguém que se afundasse naquele lixão de fogo.
Jesus usou esta imagem para falar do fogo do inferno. Quem se recusa a estar no Reino de Deus, ou seja, estar imerso no Seu amor, mergulhado em Deus, como peixe na água, se tornará lixo e seu fim será trágico, por louca escolha pessoal. Eis aí o que significa a expressão de Jesus ao afirmar que “no fim dos tempos, os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13, 49-50).
Contudo, o perseverante viverá para sempre na plenitude do Reino celeste. Jesus, ao ensinar aos apóstolos a rezar, incluiu este pedido: “venha a nós o vosso Reino”. Deus nos quer junto d’Ele, com Ele e n’Ele para sempre. Amém!
CNBB