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Ecclesia |
O Profeta Santo Elias
Tradução do Amado Irmão WILMAR SANTIN
5. Elias e o ideal monástico
Aos monges, o tema do aspecto profético de sua própria vida sempre inspirou o mais vivo interesse (cf. Jean Leclercq, La via parfaite. Points de vue sur l'essence de l'état religieux, Turnhout-París 1948, cap. 2, La vie prophétique, 57-81). De fato a espiritualidade da vida de perfeição já foi preparada no AT (cf. Sœur Jeanne d'Arc, Les préparations bibliques de la vie religieuse, VS, XXIV [1956], 474-494). Os grandes profetas Elias, Eliseu e São João Batista foram considerados, junto com outros, como protótipos da vida religiosa.
Antes do início da vida monástica, os Padres apresentaram pouco o profeta Elias como exemplo de vida contemplativa e modelo de vida perfeita. Gustavo Bardy conclui um estudo bastante consciencioso sobre os Padres gregos com estas palavras: "Com certeza, para os leitores, preparados neste sentido, será uma surpresa comprovar que raramente os Padres gregos do século IV propõem Elias como um modelo a ser imitado" (Le souvenir d'Élie chez les Pères grecs, em Élie, I, 137). O mesmo ocorre entre os latinos (cf. Hervé de l'Incarnation, Élie chez les Pères Latins, ibid., p. 206-7).
Os padres do deserto imitam de bom grado o exemplo de nossos antigos padres quanto a fé, sobretudo o de Elias como se percebe na carta aos Hebreus (11,37-38); é um exemplo que inspira sua vida espiritual. Um primeiro testemunho, bastante explícito, de imitação do ideal profético se encontra da vida de Santo Antão, patriarca dos anacoretas. Santo Antão realmente se propunha um progresso contínuo no caminho da perfeição:
Com freqüência repetia a si mesmo as palavras do Apóstolo: "esquecendo-me do que fica para trás, lanço-me para o que está adiante (Fl, 3,13). Recordava também o lema do profeta Elias: O Senhor vive e é necessário que eu compareça hoje em sua presença ("ante cuius conspectu hodie sto"); sublinhava o emprego da palavra hoje, pois contava como nada o tempo passado, considerando de ter apenas começado a servir a Deus, se esforçava a cada dia por alcançar a perfeição necessária para se apresentar diante Dele, isto é, com uma consciência pura e um coração bem preparado para obedecer sempre a Sua vontade e só a Ele servir. “Dizia a si mesmo que convém ao asceta ir ajustando sua vida, a cada dia (=sempre), ao modelo de vida do grande Elias, como quem se olha num espelho" (PG 26, col. 854b).
Era justamente a contínua presença de Deus o que Santo Antão se propunha como ideal. O jovem Onofre que vivia em uma comunidade cenobita da Tebaida, ouvia aos anciãos louvarem a vida eremítica de Elias; "Meus veneráveis irmãos, vocês têm, muitas vezes, me ouvido louvar a vida de nosso santo padre Elias, que procurou se mortificar no deserto com tão grande abstinência e oração que mereceu alcançar do Senhor grandíssima virtude" (PL 73, col. 213). Os eremitas fugiam da vida fácil do mundo para poder chegar a ser cidadãos do céu (cf. Vita Antonini, PG 26, col. 865b) e formar "algo assim como uma região especial de piedade e de justiça" (col. 907b). Santo Ambrósio afirma que os profetas Elias, Eliseu e São João Batista realizaram esta feliz retirada do mundo para o deserto:
Elias fugiu da mulher Jezabel, isto é, do cúmulo da vaidade e fugiu em direção ao monte Horeb, que significa "dessecamento", para que o rio da vaidade carnal se secasse nele e podendo assim conhecer a Deus em maior plenitude. E assim se encontrava junto ao rio Chorrad, que é como dizer torrente do conhecimento, onde podia alcançar a abundância da divina sabedoria, fugindo do mundo até o ponto de não buscar outro alimento além do que os corvos lhe levavam; se bem que para o mais o seu alimento não era desta terra. Passou, por fim, durante quarenta dias sustentado tão só com o alimento que havia recebido. Não era certamente uma mulher, mas o século que afugentava um profeta tão grande; isto é, o que afugentava era a sedução do mundo, o contágio da má companhia, os sacrilégios de uma nação rebelde e ímpia" (De fuga saeculi 6, 34, PL 14, col. 614 bc).
Hervé da Encarnação faz notar: "Fugir do mundo para matar sua sede nas fontes do conhecimento de Deus: Elias podia servir de maravilhoso exemplo e de guia neste ideal, que era o de Ambrósio e o do movimento monástico do século IV (loco cit., p. 193).
Viver na ação e na contemplação, viver nas duras fadigas do corpo e do coração, respirando constantemente o Cristo: eis a maneira mais simples de um eremita adquirir a paz celestial. Amônio, primeiro sucessor de Santo Antão, escreve a seus monges: "Este foi o caso de Elias" (Carta 8, PO X, p. 587; citado por Michel Hayek, Élie dans la tradition syriaque, em Élie, I, p. 165). No mais “era crença comum entre os autores sírios ver em Elias a perfeita realização do ideal monástico” (p. 164). Por isso, não é de se estranhar que em torno dos principais lugares elianos se encontram eremitas, que veneravam e imitavam ao santo profeta.
No século IV, Etéria nos fala da existência de um monastério junto a Tesbi e da habitação de um solitário no vale de Corra, onde Elias tinha habitado nos tempos do rei Acab (Peregrinatio Sylviae 4 e 16, em Itinera Hierosoymitana, CSEL, XXXIX, 1898, 41 e 59). Um século mais tarde Teodósio menciona uns monges que habitavam em Sarepta (De situ Terrae sanctae, 23, ibid., p. 147) e o pseudo-Antonino afirma a presença de eremitas no vale do Jordão (Itinerarium, 9, ibid., p. 165; cf. Élie, I, p. 211).
Também o gênero de vida estabelecido por Pacômio tem certa analogia com o do profeta:
Os cenobitas de Tabenna se vestem com peles, a exemplo de Elias tesbita, acredito que com a finalidade de recordarem-se, à vista desta veste de peles, a virtude do profeta e possam assim resistir corajosamente aos desejos vergonhosos e fazer crescer a esperança de recompensas semelhantes" (Sozomeno, História eclesiástica, III, 14, PG 67, col. 1069b). Na Vita Pachomii, junto com Eliseu e João Batista, Elias é ressaltado como o grande modelo de Santo Antão (PL 73, col. 231a).
Sem dúvida, Basílio, fundador de uma vida verdadeiramente cenobita, apenas lembra o grande solitário do AT. Se Gregório Nazianzeno e Gregório de Nissa, em seus panegíricos, comparam Basílio ao profeta, é mais que nada como lugar comum literário. Notemos, por outro lado, que como ponto de comparação se toma a solidão (Gregório Nazianzeno, In laudem Basilii, PG 36, col. 536b). O mesmo se lê num escrito pseudo-basiliano: "Também foi assim Elias, o qual fugia da confusão dos homens e se comprazia em viver no deserto... Fixa-te em Elias: depois de quanto retiro, de quanto silêncio, de quantos suores mereceu ver a Deus?" (Commentarium in Isaiam, proemium 7, PG 30, col. 129b).
No Ocidente, "os monges que viviam em comunidade sob a regra de São Bento ou de São Cesáreo não tinham os mesmos motivos que os solitários do Oriente para conservar de modo especial a memória do velho profeta que viveu em seu deserto"(B. Botte, Le culte du prophète Élie dans l'Église chrétienne, em Élie, I, p. 214).
6. Elias como inspirador da vida eremítica
Se Elias não é o fundador, em sentido estrito, da vida monástica, pode ser considerado como seu autêntico precursor. É um mestre, diz Santo Ambrósio, e os monges são seus discípulos (Ep. 63, 82, PL 16, 1211b). Sobre esta primazia escreve São Jerônimo: "Os nossos príncipes Elias e Eliseu e nossos chefes os filhos dos profetas, que habitavam no campo e na solidão, construíam suas tendas perto do rio Jordão" (Ep. 58, ad Paulinum, PL 22, col. 583). E na Vita sancti Pauli ele apresenta, como opinião de alguns, a origem profética da vida monástica:
“Com freqüência muitos se perguntam qual foi o monge que morou por primeiro num ermo. E alguns, remontando-se mais longe, encontraram seu começo no beato Elias e em João Batista" (PL 23, col. 17a). A mesma idéia nos repete Sozomeno como opinião corrente: "Os mestres desta excelente filosofia foram, como dizem alguns, Elias profeta e São João Batista" (l. c., I, 12, PG 67, col. 894a). São Nilo de Ancira chamará a Elias "iniciador de toda vida ascética" (Ep. 181, PG 79, col. 152c). "Eles estabeleceram as primeiras bases desta profissão", disse Cassiano falando de Elias e de Eliseu, que colocaram os seus fundamentos iniciais” (De institutis coenobiorum, I, 2, PL 49, col. 61a; cf. o comentário de Hervé da Encarnação, loco cit., p. 194-195).
FONTE:
Título original: Elia Profeta, em Santi del Carmelo, Institutum Carmelitanum, Roma 1972, p. 136-153)
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