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sábado, 3 de outubro de 2020

O sacramento da unção dos enfermos pode realmente ajudar na cura?

Kzenon

O sacramento da unção dos enfermos é um excelente "remédio" porque tem muitos benefícios e nenhum efeito colateral. Mas é realmente eficaz?

Já se atreveu a falar sobre o sacramento da unção dos enfermos à uma pessoa do seu ambiente que sofre de uma doença grave? E se a nova evangelização passasse principalmente por esse tipo de proposição às vezes esquecida? No entanto, vamos confessar, a parte do sacramento da unção dos enfermos no ministério sacerdotal não é a que mais ocupa o tempo hoje em dia.

No entanto, este sacramento nos fala muito e nos faz viver o mistério pascal e a presença salvífica de Cristo! Talvez devamos ter clareza sobre este sacramento nos momentos mais lúcidos de nossas vidas para não termos que pedi-lo no meio de um sofrimento.

E este momento não é apenas o da perspectiva da morte certa. A unção dos enfermos, que é uma das formas deste sacramento, pode ser experimentada em qualquer momento crítico de uma doença grave. Mas, o que podemos falar da sua eficácia?

Como é medida a eficácia do sacramento da unção dos enfermos?

Quando falamos em eficácia, frequentemente falamos a partir dos caminhos do mundo, o da utilidade imediata, determinada de antemão. O sacramento da unção dos enfermos, como todos os sacramentos, nos convida a uma mudança profunda. É a eficácia da livre iniciativa de Deus que está em questão. Vivenciando a expropriação de nós mesmos para acolher o dom gratuito de Deus. Ir do nosso desejo de cura para o desejo de Deus, o de nossa salvação. Para passar da posse de nossa própria vida à de uma filiação com respeito ao Pai que nos deu a vida. É nessas mudanças que poderíamos medir a eficácia do sacramento da unção dos enfermos e suas consequências. Acolher uma paz profunda, a de saber que somos acompanhados, amados, escolhidos, sem determinar de antemão o caminho desta paz e deste amor renovado.

O sacramento é eficaz quando faz o que diz. É o que ele anuncia: “Por esta santa unção e pela sua benigna misericórdia, o Senhor vos ajude com a graça do Espírito Santo, para que, livre de vossos pecados, vos dê a salvação e vos console na vossa doença”. Fala-nos de uma união consoladora com o Senhor que, para a nossa salvação, viveu a passagem pela Paixão. Fala-nos da libertação da prisão do pecado que nos atrai de volta para nós mesmos. Fala-nos de uma nova dimensão da vida: escolher a luta contra a doença sem prever o seu fruto, mas aberta ao horizonte da salvação de Deus.

O Concílio de Florença afirma que o efeito deste sacramento é “a saúde da alma e, conforme apropriado [para a alma], também a do próprio corpo”. Portanto, trata-se de tomar a decisão de nos colocar sob a amorosa vontade de Deus. E é também com o amor de nós mesmos, desde a nossa fragilidade, através do amor infinito de Deus, que poderíamos medir a eficácia do sacramento da unção dos enfermos!

Padre Marc Fassier

Aleteia

A forma do batismo: somente por imersão? (Parte 5/12) – O banho interior

Veritatis Splendor

O BANHO INTERIOR

Sim, Jesus é claro: temos que nos purificar interiormente, não importa se a forma da água é por infusão ou por imersão. O que importa é o que está dentro. Jesus aponta aqui também para o batismo. Por quê? Porque, como vimos anteriormente, através desse sacrifício que Jesus fez na Cruz Ele nos limpa de todo pecado mediante o batismo, pois é o Espírito Santo quem atua nesse ato:

  • “E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mateus 3,11).

O texto é muito claro e específico, pois diz que Jesus batizará com o Espírito Santo.

Porém, porque o texto também diz “com fogo”? Porque o “fogo” significa purificação interior (cf. Malaquias 3,2-3).

Assim é que pelo batismo somos limpos interiormente pelo Espírito e não pela água, pois este elemento por si só é símbolo tanto do Espírito Santo (cf. Isaías 55,1; 12,3; Ezequiel 36,25; Jeremias 2,13; Zacarias 14,8; João 7,37-39Apocalipse 21,6; 22,17) quanto de purificação, como já vimos antes.

Pois bem: da mesma forma que João Batista, Jesus também anuncia que serão batizados pelo Espírito Santo no dia de Pentecostes:

  • “Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (Atos 1,5).

Será que os Apóstolos foram mergulhados para receber o Espírito Santo? A resposta é: não! O Espírito Santo chegou para eles como derramamento em línguas de fogo sobra a cabeça:

  • “E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (Atos 2,3-4).

Aqui a palavra “batismo” tampouco se refere a submergir. Além disso, podemos perceber que o importante no batismo é o “nascer de novo” pelo Espírito, como Jesus anuncia a Nicodemos:

  • “Jesus respondeu, e disse-lhe: ‘Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de cima, não pode ver o reino de Deus’. (…) Jesus respondeu: ‘Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo'” (João 3,3.5-7).

Com efeito, esse “nascer de cima” é pelo Espírito Santo que chega até nós a partir de cima (derramado). E recordemos que a água do batismo simboliza o Espírito Santo (derramado) e, obviamente, a purificação:

  • “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito” (1Coríntios 12,13).
  • “Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tito 3,5).
  • “Levanta-te, batiza-te e lava teus pecados invocando seu Nome” (Atos 22,12-16).

O “banho de regeneração” é precisamente o batismo: um “banho” que nos regenera para sermos um novo homem, pois nascemos para uma vida nova. E claro, um “banho” é também por infusão.

Vamos às Escrituras ver alguns eventos que às vezes apontam para algum Sacramento e, no caso do batismo, há vários (como vimos em relação ao centurião Longino). Vejamos o caso do cego de nascença:

  • “Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego. E disse-lhe: ‘Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa ‘o Enviado’)’. Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo” (João 9,6-7).

Eis uma mensagem teológica sobre o batismo: o homem era cego de nascença; ao lavar-se, “aspergindo” água sobre os seus olhos, retornou enxergando! Assim também com o batismo: ele nos lava, nos purifica e a cegueira que trazemos desde o nascimento (pecado original) fica para trás, para que possamos abrir os olhos, para que possamos ver Cristo. Não é impossível que, nesse pensamento (de João), estas águas de Siloé – a água do “Enviado” – façam alusão ao batismo cristão. Tanto pelo “simbolismo” do seu Evangelho quanto por ter falado dele no capítulo 3 (João 3,3-7), o mesmo que na época da composição do seu Evangelho.

Bom, e já que falamos de derramamento do Espírito Santo e de limpeza interior, há no Antigo Testamento uma bela referência ao batismo cristão. Diz assim:

  • “E vos tomarei dentre os gentios, e vos congregarei de todas as terras, e vos trarei para a vossa terra. Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis” (Ezequiel 36,24-27).

Estas palavras são típicas do pacto que Deus deu ao seu povo desde a época de Abraão. Observe-se a transformação que tem lugar espiritualmente, cuja essência é a limpeza interior. É assinalida pela aspersão da água pura. E o conhecidíssimo batismo da antiga dispensação. E eses sugere que este mesmo símbolo sera proeminente na futura restauração de Israel. Podemos acrescentar que se a aspersão era sobressalente no passado, e o será no futuro, não dever ser considerada com a mesma importância no presente?

É o que devem responder os nossos amigos imersionistas…

Veritatis Splendor

A religião que agrada a Deus

Cardeal Odílio Scherer

Ter religião é parte da vivência humana e das suas expressões culturais. Há muitas formas de religião e religiosidade, por meio das quais o homem se relaciona com a transcendência. Se a religião é, contudo, uma manifestação humana importante, na visão cristã, não basta ter religião e religiosidade, mas importa vivê-las de maneira correta.

Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo

Algum modo de viver a religião se expressa na tentativa de tomar posse do divino para manipulá-lo e servir-se dele, ao bel-prazer do homem. De certa maneira, essa seria a expressão do desejo de submeter Deus à vontade e aos desejos do homem. Não seria, pois, uma forma correta de viver a religião, mas, sim, um profundo desrespeito a Deus, e revelaria a pretensão de estar acima Dele e de mandar Nele. Definitivamente, isso não pode ser do Seu agrado.

Em outras formas de religiosidade, o homem faz da religião uma fonte de lucro e de busca de prestígio e vaidades. Nesse caso, a referência da religiosidade não é o sobrenatural e o divino, mas o ganho econômico, reduzindo o divino à condição de mercadoria e objeto de transação comercial. Também essa forma de conceber a religião não pode agradar a Deus, e a Bíblia deixa claro que Ele rejeita essa forma desrespeitosa de tratá-lo e de instrumentalizar a religião em vista do lucro material.

Há também formas de religiosidade mediante as quais o homem tenta submeter seu semelhante a um regime de pavor e dependência, ou de sujeição fanática. Nesse caso, não se trata de submeter o homem ao poder e à soberania de Deus, mas do próprio homem. Também essa forma de propor ou viver a religiosidade seria equivocada e perniciosa, pois não levaria a Deus e acabaria produzindo uma espécie de ídolo para colocá-lo em Seu lugar e desviaria para o homem a glória e a sujeição devidas somente a Deus. A verdadeira religiosidade liberta e dá dignidade ao homem, em vez de escravizá-lo e de tirar a sua dignidade.

Há ainda formas de religiosidade meramente formais, reduzidas a ritos exteriores, afirmações intelectuais ou fórmulas cabalísticas, sem incidência na vida pessoal e social. Os profetas do Antigo Testamento e Jesus, no Novo Testamento, são muito críticos em relação a tal forma de religiosidade esquizofrênica e hipócrita. A pretensão de agradar a Deus, sem acolher os seus desígnios e sem obedecer à sua lei, seria profundamente equivocada e falsa.

Qual seria, no entender cristão, a forma correta de viver a religião? Diversos são os elementos da religiosidade bíblico-cristã. Antes de tudo, o reconhecimento sincero e humilde de Deus e de sua soberania sobre o mundo e o homem. O homem não é Deus, nem é igual a Deus, e a soberba humana no trato com o divino e o sobrenatural é das coisas detestáveis diante de Deus. Por outro lado, fazem parte da religiosidade verdadeira a atitude de contemplação, a escuta e a perscrutação da sabedoria e da vontade de Deus a nosso respeito e a respeito do mundo. Essas atitudes levam à adoração e à acolhida do amor misericordioso de Deus para conosco.

Foi Deus que nos amou primeiro e pensou em nós antes mesmo de existirmos. O homem não impõe nada a Deus, mas pode perguntar tudo, quando se deixa envolver de paternidade e familiaridade por Ele. A religiosidade verdadeira leva à obediência a Deus e a colaborar com alegre zelo na sua obra, pois Deus dá ao homem essa dignidade extraordinária.

A religião e a religiosidade, segundo a nossa compreensão cristã, incluem uma referência dupla: Deus e as realidades sobrenaturais de um lado; o homem e as coisas naturais, de outro. Nossa fé nos faz olhar para cima, para os lados e ao nosso redor. Como lembra São João, “não podemos dizer que amamos a Deus, a quem não vemos, se não amamos nosso próximo, a quem vemos” (cf. 1Jo 4,20). Respeito e amor verdadeiro a Deus, sem respeito e amor ao próximo, não existe. E isso inclui também o apreço, respeito e cuidado pela obra de Deus, nossa “casa comum”, como nos lembrou o Papa Francisco na encíclica Laudato si`. A religião e a religiosidade cristã são confrontadas com o Deus Criador, que também é o Deus Salvador, que se encarnou e se fez humanidade, assumindo sobre si a realidade humana para redimi-la. A uma religiosidade que não incluísse a atenção ao homem faltaria muito para ser verdadeiramente cristã.

Fonte: O São Paulo

Arquidiocese de São Paulo

PROTOMÁRTIRES DO BRASIL

Canção Nova

Fazemos memória aos Protomártires do Brasil, missionários e leigos martirizados.

Dentro da conturbada invasão dos holandeses no nordeste do Brasil, encontram-se os dois martírios coletivos: o de Cunhaú e o de Uruaçu. Estes martírios aconteceram no ano de 1645, sendo que o Pe. André de Soveral e Domingos de Carvalho foram mártires em Cunhaú e o Pe. Ambrósio Francisco Ferro e Mateus Moreira em Uruaçu; dentre outros.

No Engenho de Cunhaú, principal pólo econômico da Capitania do Rio Grande (atual estado do Rio Grande do Norte), existia uma pequena e fervorosa comunidade composta por 70 pessoas sob os cuidados do Pe. André de Soveral. No dia 15 de julho chegou em Cunhaú Jacó Rabe, trazendo consigo seus liderados, os ferozes tapuias, e, além deles, alguns potiguares com o chefe Jerera e soldados holandeses. Jacó Rabe era conhecido por seus saques e desmandos, feitos com a conivência dos holandeses, deixando um rastro de destruição por onde passava.

Dizendo-se em missão oficial pelo Supremo Conselho Holandês do Recife, convoca a população para ouvir as ordens do Conselho após a missa dominical no dia seguinte. Durante a Santa Missa, após a elevação da hóstia e do cálice, a um sinal de Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da igreja e se deu início à terrível carnificina: os fiéis em oração, tomados de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados e mortos pelos flamengos com a ajuda dos tapuias e dos potiguares.

A notícia do massacre de Cunhaú espalhou-se por todo o Rio Grande e capitanias vizinhas, mesmo suspeitando dessa conivência do governo holandês, alguns moradores influentes pediram asilo ao comandante da Fortaleza dos Reis Magos. Assim, foram recebidos como hóspedes o vigário Pe. Ambrósio Francisco Ferro, Antônio Vilela, o Moço, Francisco de Bastos, Diogo Pereira e José do Porto. Os outros moradores, a grande maioria, não podendo ficar no Forte, assumiram a sua própria defesa, construindo uma fortificação na pequena cidade de Potengi, a 25 km de Fortaleza.

Enquanto isso, Jacó Rabe prosseguia com seus crimes. Após passar por várias localidades do Rio Grande e da Paraíba, Rabe foi então à Potengi, e encontrou heróica resistência armada dos fortificados. Como sabiam que ele mandara matar os inocentes de Cunhaú, resistiram o mais que puderam, por 16 dias, até que chegaram duas peças de artilharia vindas da Fortaleza dos Reis Magos. Não tinham como enfrentá-las. Depuseram as armas e entregaram-se nas mãos de Deus.

Cinco reféns foram levados à Fortaleza: Estêvão Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da Silveira e Simão Correia. Desse modo, os moradores do Rio Grande ficaram em dois grupos: 12 na Fortaleza e o restante sob custódia em Potengi.

Dia 2 de outubro chegaram ordens de Recife mandando matar todos os moradores, o que foi feito no dia seguinte, 3 de outubro. Os holandeses decidiram eliminar primeiro os 12 da Fortaleza, por serem pessoas influentes, servindo de exemplo: o vigário, um escabino, um rico proprietário.

Foram embarcados e levados rio acima para o porto de Uruaçu. Lá os esperava o chefe indígena potiguar Antônio Paraopaba e um pelotão armado de duzentos índios seus comandados. Repetiram-se então as piores atrocidades e barbáries, que os próprios cronistas da época sentiam pejo em contá-las, porque atentavam às leis da moral e modéstia.

Um deles, Mateus Moreira, estando ainda vivo, foi-lhe arrancado o coração das costas, mas ele ainda teve forças para proclamar a sua fé na Eucaristia, dizendo: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”.

A 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, no Vaticano, o Papa João Paulo II beatificou os 30 protomártires brasileiros, sendo 2 sacerdotes e 28 leigos beatificados.

Protomártires do Brasil, rogai por nós!

Por Canção Nova.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

O Que é o Monte Sião?

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Sião significa a cidade celeste (Orígenes)

SION – (Bibl) Na Bíblia , fora de 2Sm 5, 7; 1Rs (2Rs 19, 21.31); 2Cr 5, 2; 1Mc 4, 37.60; 5, 54; 6, 48.62; 7, 33; 10, 11; 14, 26, o nome de Sion, ou Sião, encontra-se apenas nos Salmos (38 vezes) e na literatura profética, a saber, 29 vezes em Is; 17 vezes em Is 2; 15 vezes em Jr; 9 vezes em Mq; 7 vezes em Jl; 8 vezes em Zc 1 – 9 vezes e 15 vezes em Lm; ainda em Am 1, 2; 6, 1; Ab 17, 21; Sf 3, 14-16 e afinal em Ct 3, 11; Eclo 24, 10; 36, 19; 48, 18.24; Br 4,9.14-24.

É nome cananeu, pré-israelita que, como aconteceu em muitos casos, continuou a ser usado na poesia, embora com sentido um tanto modificado. Em 2Sm, 1Cr 11, 5 fala-se no “sudat siyyon”, o que muitos traduzem por “fortaleza do Sion”, mas que pode ser interpretada como “o lugar inacessível” (fortaleza) chamado Sion de sorte que é nome da fortaleza e não de um conjunto maior, do qual a fortaleza formaria uma parte.

Logo depois da marcha de Davi contra Jerusalém alude-se à inacessibilidade da cidade, mas a atenção concentra-se de tal maneira em torno da fortaleza de Sion que causa a impressão de que essa inacessibilidade não era qualidade da cidade toda, mas só de Sion que, por conseguinte, pode ser considerado como acrópole.

Como muitos textos bíblicos já faziam suspeitar e as escavações de modo convincente, a fortaleza achava-se na colina sudeste (ed-dahurah) e não, como pensava a tradição, na colina sudoeste. Localizava-se na parte central de ed-dahurah, e ocupava toda a colina sudeste, de acordo com a denominação “Cidade de Davi” que, conforme 2Sm 5, 9; 2Cr 11, 7 se dava ao Sion, pois o tema “cidade” abrange mais do que apenas uma fortaleza. Aliás, era fácil transformar todo o ed-dahurah em “lugar inacessível”, por meio da muralha pesada do lado do norte.

Isaías e os salmistas gostam da expressão har siyyon (o monte del Sion) que se encontra também em Jl 3, 5; Ab 17, 21; Mq 4, 7; Lm 5, 18. Jeremias fala uma vez na altura de Sion (31, 12). Esse último texto, bem como Is 10, 32; 16, 1 (o monte da filha de Sion); 31, 14 (no monte Sion, e na sua colina); Lm 5, 18 (comparado com v. 11 onde Sion e a cidade de Jerusalém) etc, provam pelo menos de determinada colina; cf. Mq 4, 8 que chama aquela perta da colina oriental de Jerusalém onde se achava a residência real, o “Ofel da filha de Sion”. Na maioria dos casos, trata-se de um conjunto de colinas em que Jerusalém estava construída (Sl 133, 3 usa o plural), de sorte  que “o monte Sion”, tem o mesmo sentido que a expressão “o monte (de) Samaria” (Am 3, 9; 4, 1; 6, 1; Jr 31, 5).

A identidade entre “o monte (de) Sion” e Jerusalém, suposta pelo paralelismo de Is 37, 32; Jl 3, 5 (cf. também Is 10, 12; 24, 23), é muito evidente no Sl 48. A tradição cristã, que remonta pelo menos no século IV d.C, dá o nome de Sion à colina sudoeste de Jerusalém, o “mons Sion christianus”,  onde o santuário de “Sancta Sion”, guardava a lembrança do cenáculo (última Ceia e descida do Espírito Santo). Essa opinião tem talvez sua origem no fato de que no século I d.C (cf. Antig 7, 3, Is; para um tempo mais remoto ainda, cf. 1Mc 1, 33) a cidade de Davi era localizada nesta colina, mais ainda no fato de que aí estivera o berço da Igreja. No monte Sion foi erguida a basílica cristã “Sancta Sion Mater omnium Ecclesiarum”.

Dicionário Enciclopédico das Religiões – Volume II – Pág. 2394.

Hugo Schlesinger e Humberto Porto

Editora Vozes – Petrópolis 1995

Papa Francisco pede para não voltarmos para uma "normalidade doentia"

Vatican News
https://youtu.be/OSK6uFqmlH4

"Precisamos de trabalhar urgentemente para gerar boas políticas, para conceber sistemas de organização social que recompensem a participação, o cuidado e a generosidade"

Em sua catequese desta quarta-feira, no Vaticano, o Papa Francisco discursou mais uma vez sobre como curar o mundo que sofre de um mal-estar que a pandemia realçou e acentuou.

O Papa pediu que “possamos continuar a caminhar juntos, mantendo os olhos fixos em Jesus”: o nosso olhar em Jesus que “salva e cura o mundo”.

Mobilizados interiormente por estes clamores que reclamam de nós outra linha de ação, reclamam uma mudança, poderemos contribuir para a cura das relações com os nossos dons e capacidades.

 Assim – prosseguiu o Papa – “poderemos regenerar a sociedade e não voltar à chamada ‘normalidade’, que é uma normalidade doentia, aliás, estava doente já antes da pandemia: a pandemia realçou-a”.

“Agora voltemos à normalidade”: não, assim não pode ser, porque esta normalidade estava doente de injustiças, desigualdades e degradação ambiental. A normalidade a que somos chamados é a do Reino de Deus.

De acordo com o Papa, na normalidade do Reino de Deus “o pão chega a todos e sobra, a organização social baseia-se em contribuir, partilhar e distribuir, não em possuir, excluir e acumular”.

O gesto que faz progredir uma sociedade, uma família, um bairro, uma cidade, todos, é doar-se, dar, que não é dar esmola, mas uma dádiva que vem do coração. Um gesto que afasta o egoísmo e a ansiedade de possuir.

O Papa explicou que “nunca conseguiremos sair da crise que emergiu da pandemia, mecanicamente, com novos instrumentos – que são muito importantes, que nos fazem ir em frente e dos quais não devemos ter medo – mas sabendo que os meios mais sofisticados poderão fazer muitas coisas, mas uma coisa eles nunca poderão fazer: a ternura”.

E a ternura é o próprio sinal da presença de Jesus. Aproximar-se do outro para caminhar, para curar, para ajudar, para se sacrificar pelo outro.

Assim – disse o Papa –, “a normalidade do Reino de Deus é importante: que o pão chegue a todos, a organização social se baseie em contribuir, partilhar e distribuir, com ternura, e não em possuir, excluir e acumular. Pois no final da existência nada levaremos para a outra vida”.

Precisamos de trabalhar urgentemente para gerar boas políticas, para conceber sistemas de organização social que recompensem a participação, o cuidado e a generosidade, e não a indiferença, a exploração e os interesses particulares.

Devemos ir em frente com ternura.Uma sociedade solidária e equitativa é uma sociedade mais saudável. Uma sociedade participativa – onde os “últimos” são considerados os “primeiros” – fortalece a comunhão. Uma sociedade onde a diversidade é respeitada é muito mais resistente a qualquer tipo de vírus.

Eis a íntegra da catequese do Papa:

PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Pátio São Dâmaso

Quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Nas últimas semanas, refletimos juntos, à luz do Evangelho, sobre como curar o mundo que sofre de um mal-estar que a pandemia  realçou e acentuou. Já havia o mal-estar: a pandemia realçou-o mais, acentuou-o.Percorremos os caminhos da dignidade, da solidariedade e da subsidiariedade, caminhos indispensáveis para promover a dignidade humana e o bem comum. E, como discípulos de Jesus, começamos a seguir os seus passos, optando pelos pobresreconsiderando o uso dos bens e cuidando da casa comum. No meio da pandemia que nos aflige, ancorámo-nos nos princípios da doutrina social da Igreja, deixando-nos guiar pela fé, pela esperança e pela caridade. Aqui encontramos uma ajuda sólida para sermos agentes de transformação que fazem sonhos  grandiosos, que não se detêm nas mesquinharias que dividem e magoam, mas encorajam a gerar um mundo novo e melhor.

Gostaria que este percurso não termine com estas minhas catequeses, mas que possamos continuar a caminhar juntos, «mantendo os olhos fixos em Jesus» (Hb 12, 2), como ouvimos no início; o nosso olhar em Jesus que salva e cura o mundo. Como o Evangelho nos mostra, Jesus curou os doentes de todos os tipos (cf. Mt 9, 35), restituiu a vista aos cegos, a palavra aos mudos e audição aos surdos. E quando curava doenças e enfermidades físicas, também curava o espírito perdoando pecados, porque Jesus perdoa sempre, bem como as «dores sociais» incluindo os marginalizados (cf.Catecismo da Igreja Católica, 1421). Jesus, que renova e reconcilia cada criatura (cf. 2 Cor 5, 17; Cl 1, 19-20), concede-nos os dons necessários para amar e curar como ele sabia fazer (cf. Lc 10, 1-9; Jo 15, 9-17), para cuidar de todos sem distinção de raça, língua ou nação.

Para que isto aconteça realmente, precisamos de contemplar e apreciar a beleza de cada ser humano e de cada criatura. Fomos concebidos no coração de Deus (cf. Ef 1, 3-5). «Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário»[1]. Além disso, cada criatura tem algo a dizer-nos sobre Deus  Criador (cf. Enc. Laudato si’69.239). Reconhecer esta verdade e dar graças pelos vínculos íntimos da nossa comunhão universal com todas as pessoas e todas as criaturas ativa «um cuidado generoso e cheio de ternura» (ibid., 220). Ajuda-nos também a reconhecer Cristo presente nos nossos irmãos e irmãs pobres e sofredores, a encontrá-los e a ouvir o seu clamor e o clamor da terra que lhes faz eco (cf.ibid., 49).

Mobilizados interiormente por estes clamores que reclamam de nós  outra linha de ação (cf.ibid., 53), reclamam uma mudança, poderemos contribuir para a cura das relações com os nossos dons e capacidades (cf.ibid., 19). Poderemos regenerar a sociedade e não voltar à chamada “normalidade”, que é uma normalidade doentia, aliás, estava doente já antes da pandemia: a pandemia realçou-a! “Agora voltemos à normalidade”: não, assim não pode ser, porque esta normalidade estava doente de injustiças, desigualdades e degradação ambiental. A normalidade a que somos chamados é a do Reino de Deus, onde «os cegos veem e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres» (Mt 11, 5). E ninguém faz de contas  olhando para o outro lado. É isto  que temos de fazer para mudar.Na normalidade do Reino de Deus o pão chega a todos e sobra, a organização social baseia-se em contribuir, partilhar e distribuir, não em possuir, excluir e acumular (cf. Mt 14, 13-21). O gesto que faz progredir uma sociedade, uma família, um bairro, uma cidade, todos, é doar-se, dar, que não é dar esmola, mas uma dádiva que vem do coração. Um gesto que afasta o egoísmo e a ansiedade de possuir. Mas o modo cristão de o fazer não é um modo mecânico: é um modo humano. Nunca conseguiremos sair da crise que emergiu da pandemia, mecanicamente, com novos instrumentos – que são muito importantes, que nos fazem ir em frente e dos quais não devemos ter medo – mas sabendo que os meios mais sofisticados poderão fazer muitas coisas, mas uma coisa eles nunca poderão fazer: a ternura. E a ternura é o próprio sinal da presença de Jesus. Aproximar-se  do outro para caminhar, para curar, para ajudar, para se sacrificar pelo outro.

Assim, a normalidade do Reino de Deus é importante: que o pão chegue a todos, a organização social se baseie em contribuir, partilhar e distribuir, com ternura, e não em possuir, excluir e acumular. Pois no final da existência nada levaremos para a outra vida!

Um pequeno vírus continua a causar feridas profundas e a expor as nossas vulnerabilidades físicas, sociais e espirituais. Pôs a nu a grande desigualdade que reina no mundo: desigualdade de oportunidades, de bens, de acesso aos cuidados médicos, à tecnologia, à educação: milhões de crianças não podem ir à escola, e assim por diante. Estas injustiças não são naturais nem inevitáveis. São obra do homem, vêm de um modelo de crescimento separado dos valores mais profundos. O desperdício das sobras de refeições: com esse desperdício podemos dar de comer a toda a gente. E isto fez com que muitas pessoas perdessem a esperança e aumentou a incerteza e a angústia. É por isso que, para sair da pandemia, temos de encontrar a cura não só para o coronavírus – que é importante! – mas também para os grandes vírus humanos e socioeconómicos. Não devemos escondê-los, dando uma pincelada para que não possam ser vistos. E certamente não podemos esperar que o modelo económico subjacente ao desenvolvimento injusto e insustentável resolva os nossos problemas. Não o fez nem o fará, pois não o pode fazer, apesar de alguns falsos profetas continuarem a prometer “o efeito dominó” que nunca chega[2]. Ouvistes o teorema do copo: o importante é que o copo se encha e assim depois cai sobre os pobres e sobre os demais, e recebem riquezas. Mas há um fenómeno: o copo começa a encher-se e quando está quase cheio, cresce, cresce e cresce  mas nunca acontece o efeito dominó. Deve-se ter cuidado.

Precisamos de trabalhar urgentemente para gerar boas políticas, para conceber sistemas de organização social que recompensem a participação, o cuidado e a generosidade, e não a indiferença, a exploração e os interesses particulares. Devemos ir em frente com ternura.Uma sociedade solidária e equitativa é uma sociedade mais saudável. Uma sociedade participativa – onde os “últimos” são considerados os “primeiros” – fortalece a comunhão. Uma sociedade onde a diversidade é respeitada é muito mais resistente a qualquer tipo de vírus.

Coloquemos este caminho de cura sob a proteção da Virgem Maria, Nossa Senhora da Saúde. Ela, que carregou Jesus no seu ventre, nos ajude a ter confiança. Animados pelo Espírito Santo, poderemos trabalhar juntos para o Reinode Deus que Cristo inaugurou, vindo até nós, neste mundo. É um Reino de luz no meio da escuridão, de justiça no meio de tantos ultrajes, de alegria no meio de tanta dor, de cura e salvação no meio da doença e da morte, de ternura no meio do ódio. Que Deus nos conceda “viralizar” o amor e globalizar a esperança à luz da .

[1] Bento XVI, Homilia para o Início do Ministério Petrino (24 de abril de 2005); cf. Laudato si’, 65.

[2] “Trickle-down effect” em inglês, “derrame” em espanhol (cf.Evangelii gaudium, 54).

Saudações:

Dirijo uma cordial saudação aos fiéis de língua portuguesa. Hoje celebramos a memória de São Jerônimo que nos lembra que a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo. Queridos amigos, de bom grado fazei da Bíblia o alimento diário do vosso diálogo com o Senhor, assim vos convertereis em colaboradores sempre mais disponíveis para trabalhar pelo Reino que Jesus inaugurou neste mundo. Que Deus vos abençoe a vós e a vossos entes queridos!

Resumo da catequese do Santo Padre:

Durante as últimas semanas, refletimos, à luz do Evangelho, sobre o modo de curar o mundo, percorrendo, ancorados nos princípios da doutrina social da Igreja e guiados pela fé, esperança e caridade, os caminhos da dignidade, da solidariedade, da subsidiariedade, necessários para promover a dignidade humana e o bem comum, optando pelos pobres, repensando o uso dos bens e assumindo o cuidado da nossa casa comum. Esses caminhos nos inspiram a preparar o futuro junto com Jesus, que salva e cura as pessoas e as relações humanas, renovando e reconciliando a todas as criaturas, sem fazer distinção de raça, língua ou nação. Jesus nos ensina que cada um de nós é querido e amado por Deus e que devemos saber reconhecê-Lo presente nos nossos irmãos, sobretudo nos pobres e sofredores. Desse modo poderemos regenerar a sociedade e não voltar à famigerada “normalidade”, uma vez que tal normalidade, como nos evidenciou a pandemia, estava doente de injustiças, desigualdades e degradação ambiental. A normalidade, à qual estamos, chamados é a do Reino de Deus, marcada pela partilha e a solidariedade. Esse é o caminho para construir uma sociedade participativa muito mais resistente a qualquer tipo de vírus. Neste processo de cura, contamos com a proteção da Virgem Maria, Nossa Senhora da Saúde, que há de nos ajudar a “viralizar” o amor e a globalizar a esperança à luz da fé.

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TEOLOGIA: A Catolicidade da Igreja (Parte 7/8)

George Florovsky | ECCLESIA

A Catolicidade da Igreja

Trad.: Pe. Pedro Oliveira Junior

9. A nova realidade

O nome grego ekklesia adotado pelos primitivos cristãos para denotar a nova realidade na qual eles tinham consciência de estarem participando, presumia e sugeria uma concepção bem definida do que a Igreja realmente era. Adotada sob a influência óbvia do uso septuaginto, essa palavra acentuava, antes de tudo, a continuidade orgânica das duas promessas divinas. A existência cristã foi concebida na perspectiva sagrada da preparação e realização messiânica (Hb 1:1-2). Uma teologia da História muito definida estava implicada aí. A Igreja era o verdadeiro Israel, o novo povo escolhido de Deus, "A geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido" (1Pe 2,9). Ou melhor, ela, a fiel remanescente, escolhida dentre o antigo povo (Lc 12,32 "pequenino rebanho" parece significar precisamente o "remanescente," reconstituído, redimido e re-consagrado). E, todas as nações da terra, gregos e bárbaros, deveriam ser cooptadas e enxertadas nesse novo povo de Deus pelo chamado de Deus (esse foi o tema principal de São Paulo em Romanos e Gálatas, cf. Ef 2).

Já no Velho Testamento a palavra ekklisía (tradução em grego do hebreu Qahal) implicava numa especial ênfase na fundamental unidade do povo escolhido, concebida como um sagrado todo e essa unidade estava enraizada mais no mistério da divina eleição do que em qualquer característica "natural." Essa ênfase só poderia ser confirmada pela influência suplementar do uso helenístico da palavra ekklisía significando usualmente uma assembléia do povo soberano numa cidade, uma congregação geral de todos cidadãos regulares. Aplicada à nova existência cristã, a palavra manteve sua conotação tradicional. A Igreja era ambos, o povo e a cidade. Uma especial ênfase tem sido posta na unidade orgânica dos cristãos.

O cristianismo desde seu início existiu como uma realidade corporativa, como uma comunidade. Ser cristão significa justamente pertencer à comunidade. Ninguém pode ser cristão por si próprio, como um indivíduo isolado, mas só junto com os "irmãos," em uma "junção" com eles. Unus Christianus-nullus Christianus - (um cristão-nenhum cristão). Convicção pessoal ou mesmo uma regra de vida não faz de alguém um cristão. A existência cristã implica e presume numa incorporação, numa participação como membro da comunidade. Isso tem que ser qualificado imediatamente: na comunidade apostólica, isto é, em comunhão com os doze e com a mensagem deles. A "comunidade" cristã foi reunida e constituída pelo próprio Jesus Cristo "nos dias de sua carne," e foi dada a ela por Ele pelo menos uma constituição provisória pela eleição e indicação dos doze, a quem Ele deu o nome (ou melhor o título) de seus "mensageiros" ou "embaixadores" (ver Lc 6,13: "a quem também deu o nome de apóstolos"). Quanto ao "envio" dos doze não foi só uma missão, mas precisamente uma comissão, para a qual eles foram investidos com um poder (Mc 3,15; Mt 10,1; Lc 9,1). Em todo caso, como as "testemunhas" indicadas do senhor (Lc 24,48; At 1,8) os doze somente foram intituladas a assegurar a continuidade tanto da mensagem cristã quanto da vida em comunidade. Portanto, comunhão com os apóstolos foi uma nota básica da primitiva "Igreja de Deus" em Jerusalém (At 2,42 koinonia).

Cristianismo significa "vida comunitária," uma vida em comum. Os cristãos tem que ver a si próprios como "irmãos" (de fato esse foi um dos seus primeiros nomes), como membros de uma corporação, unidos muito próximos. E, por isso, caridade teve que ser a primeira marca e a primeira prova e também como se fosse o preço desse companheirismo. Estamos autorizados a dizer: O cristianismo é uma comunidade, uma corporação, um companheirismo, uma irmandade, uma "sociedade," coetus fidelium. E, seguramente, como primeira aproximação, tal descrição poderia ser uma ajuda. Mas, obviamente, ela requer uma melhor qualificação, e alguma coisa crucial está faltando nela. Pode-se perguntar: em exatamente o que essa unidade e junção dos muitos está baseada e enraizada? Qual é o poder que traz muitos a se juntarem e permanecerem unidos uns com os outros? É isso meramente um instinto social, algum poder de coesão social, um ímpeto de afeto mútuo, ou qualquer outra atração natural? Está essa unidade baseada simplesmente em unanimidade, em identidade de pontos de vista e convicções? Resumindo, é a comunidade cristã, a Igreja, meramente uma sociedade humana, uma sociedade de homens? Seguramente, a clara evidência do Novo Testamento nos leva a muito além desse nível puramente humano. Os cristãos são unidos não somente entre si mesmos, mas antes de tudo eles são um-em Cristo, e somente essa comunhão com Cristo faz a comunhão dos homens possível n'Ele. O centro da unidade é o Senhor, e o poder que efetua e ordena essa unidade é o Espírito. Os cristãos são constituídos nessa unidade por projeto divino, pela vontade e poder de Deus. A unidade deles vem de cima. Eles são um só em Cristo, como aqueles que renasceram n'Ele, "arraigados e sobre-edificados n'Ele" (Col. 2,7), que por um Espírito foram "batizados formando um Corpo" (1Cor. 12,13). A Igreja de Deus foi estabelecida e constituída por Deus através de Jesus Cristo, Nosso Senhor.: "ela é sua própria criação pela água e pela palavra." Então, não há sociedade humana, mas uma "sociedade divina," não uma comunidade secular, que ainda seria "desse mundo," ainda comensurável como outros grupos humanos, mas uma comunidade sagrada que, extrinsecamente não é "deste mundo," nem "desse tempo," mas do "tempo que há de vir."

Além disso, o próprio Cristo, pertence a essa comunidade, como sua cabeça e não só como seu Senhor e Mestre. Cristo não estava acima ou fora da Igreja. A Igreja está n'Ele. A Igreja não é meramente uma comunidade daqueles que acreditam em Cristo e seguem seus passos ou em seus mandamentos. Ela é comunidade daqueles que habitam, moram n'Ele e em quem Ele próprio está habitando e morando pelo Espírito. Cristãos são colocados à parte, "nascidos de novo", recriados e é dado a eles não só um novo padrão de vida como também um novo princípio: a nova vida no Senhor pelo Espírito. Eles são um "povo peculiar," "o povo da possessão do próprio Deus." O ponto é que a comunidade cristã, a ekklesía, é uma comunidade sacramental: communio in sacris, um "companheirismo em coisas sagradas," isto é, no Espírito Santo, ou até mesmo communio sanctorum (sanctorum sendo tomado como neutro e não como masculino talvez esse fosse o significado original da frase). A unidade da Igreja é efetuada através dos sacramentos: batismo e eucaristia são os dois "sacramentos sociais" da Igreja, e neles o verdadeiro significado da "junção" cristã é continuamente revelado e selado. Ou, ainda mais enfaticamente, os sacramentos constituem a Igreja. Só nos sacramentos a comunidade cristã vai além da medida puramente humana e torna-se a Igreja. Por isso, "a correta administração dos sacramentos" pertence à essência da Igreja. Os sacramentos devem de fato, serem recebidos "dignamente", portanto, não podem ser separados do esforço interior e da atitude espiritual dos fiéis. O batismo deve ser precedido por arrependimento e fé. A relação pessoal entre um aspirante e seu Senhor deve ser primeiro estabelecida pelo ouvir e receber do Verbo, a mensagem da salvação. E, de novo, um compromisso de fidelidade à Deus e seu Cristo é um pré-requisito e condição indispensável para a administração do sacramento (O primeiro significado da palavra sacramentum era precisamente "o compromisso" militar). Um catecúmeno já é "listado" entre os irmãos na base de sua fé. O dom batismal é recebido, e mantido por fé e fidelidade, pela firme permanência na fé e nas promessas. E, além disso, os sacramentos não são meramente sinais da fé professada, mas efetivos sinais da Graça salvadora, não só símbolos de aspiração e lealdade humanas, mas os símbolos exteriores da ação divina. Neles a nossa existência é ligada, ou melhor elevada para, a Vida divina, pelo Espírito, o doador de Vida.

A Igreja como um todo é uma comunidade sagrada (ou consagrada), distinguida por isso do "mundo (profano)." Ela é a santa Igreja. São Paulo, obviamente, usa os termos "Igreja" e "santos" como co-extensivos e sinônimos. É notável que no Novo Testamento a palavra "santo" é quase que exclusivamente usada no plural e, santidade sendo social no seu significado intrínseco. Pois o nome não se refere a nenhuma conquista humana, mas a um dom, para santificação ou consagração. Santidade vem do Santo, isto é, só de Deus. Ser santo para um homem significa partilhar da Vida divina. A santidade está disponível para indivíduos somente na comunidade, ou melhor "na comunidade do Espírito Santo." A expressão "comunhão dos santos" é um pleonasmo. Só se pode ser um "santo" na comunhão.

Falando estritamente, a comunidade messiânica reunida por Jesus o Cristo, ainda não era a Igreja, antes de sua Paixão e Ressurreição, antes da "promessa do Pai" ser enviada sobre ela sendo assim "legitimada com o poder do alto," "batizada com o Espírito Santo (conforme Lc 24-49 e At 1,4-5), no mistério do Pentecostes. Antes da vitória da Cruz revelada na gloriosa Ressurreição, ela estava ainda sub umbraculo legis (sob a sombra da lei). Era ainda a véspera da realização. E o Pentecostes esteve lá para testemunhar e selar a vitória de Cristo. "O poder do alto" havia entrado na história. O "novo tempo" tinha sido verdadeiramente revelado e iniciado. E a vida sacramental da Igreja é a continuação do Pentecostes.

A descida do Espírito Santo foi uma revelação suprema. Uma vez e para sempre, no "temível e inescrutável mistério" do Pentecostes, o Espírito Consolador entra no mundo no qual Ele não havia ainda estado presente da maneira como agora começa a habitar. Uma fonte abundante de água de vida é revelada naquele dia aqui na terra, no mundo que já tinha sido redimido e reconciliado com Deus pelo Senhor Crucificado e Ressuscitado. O Reino veio, pois o Espírito Santo é o Reino (cf. São Gregório de Nissa, De oratione Dominica 3, MG, 44, c.115f.-1160). Mas a "vinda" do Espírito depende da "ida" do Filho (Jo 16:7). "outro Consolador" vem para testemunhar o Filho, para revelar sua glória e selar sua vitória (Jo 15,26; 16,7 e 14). Na verdade, no Espírito Santo, o próprio Senhor Glorificado vem de volta ou retorna para seu floco para habitar com ele para sempre (Jo 14: 18 e 28) ... Pentecostes foi a consagração mística, o batismo de toda a Igreja. (At 1:5). Esse batismo ardente foi administrado pelo Senhor: Pois Ele batiza "com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 3,15 e Lc 3,16). Ele enviou o Espírito da parte do Pai, como uma garantia em nossos corações. O Espírito Santo é o espírito de adoção, em Cristo Jesus, "O poder de Cristo" (2Co 12,9). Pelo Espírito nós reconhecemos e confessamos que Jesus é o Senhor (1Co 12,3). A obra do Espírito nos fiéis é precisamente sua incorporação em Cristo, o batismo em um corpo (1 Co 12,13), o Corpo de Cristo. Como Santo Atanásio expõe: "sendo-nos dado beber do Espírito, nós bebemos Cristo." Pois a pedra era Cristo (Santo Atanásio. Alex. Epist. I ad Seraponiem, M.G. 26. 576).

Pelo Espírito os cristãos são unidos ao Cristo, são constituídos em seu corpo. um só corpo, o de Cristo: essa excelente analogia usada por São Paulo em vários contextos, quando descrevendo o mistério da existência cristã, é ao mesmo tempo a melhor testemunha para a experiência íntima da Igreja apostólica. De maneira nenhuma essa foi uma imagem acidental, mas um sumário de fé e experiência. Com São Paulo, a principal ênfase foi sempre sobre a união íntima dos fiéis com o senhor, em sua participação em sua plenitude. Como São João Crisóstomo apontou, comentando (Col.3:4), em todos os seus escritos São Paulo esteve empenhado em provar que os fiéis " estão em comunhão com Ele em todas as coisas" e, "precisamente para mostrar essa união, refere-se a relação da cabeça e do corpo" (São João Crisóstomo, in Coloss. Hom. 7, MG, 62, 375). É muito provável que a expressão ou o termo tenha sido sugerida pela experiência eucarística (cf. 1 Co 10,17), e tenha sido deliberadamente usada para sugerir sua conotação sacramental. A Igreja de Cristo é una na eucaristia, pois a eucaristia é o próprio Cristo, e Ele sacramentalmente habita na Igreja, que é seu corpo. A Igreja, na verdade, é um corpo, um organismo, muito mais do que uma sociedade ou uma corporação. E talvez um "organismo" seja a melhor interpretação do termo soma, como usado por São Paulo.

Ainda mais, a Igreja é o corpo de Cristo e sua "plenitude." Corpo e plenitude (to soma e to pléroma) - esses dois termos são correlativos e firmemente ligados na mente de São Paulo, um explicando o outro: "Que é o seu corpo, a plenitude d'Aquele que cumpre tudo em todos" (Ef 1,23). A Igreja é o corpo de Cristo porque ela é seu complemento. São João Crisóstomo comenta a idéia Paulina justo nesse sentido. "A Igreja é o complemento do Cristo da mesma maneira pela qual a cabeça completa o corpo e o corpo é completado pela cabeça." Cristo não está sozinho. "Ele preparou todas as raças em comum para segui-Lo, aderir a ele, acompanhar seu séqüito." São João Crisóstomo insiste, "Observem como ele (isto é São Paulo) introduz Cristo como tendo necessidade de todos os seus membros. Isso significa que só então a cabeça estará preenchida, quando o corpo é tornado perfeito, quando estamos todos juntos, co-unidos e atados juntos" (São João Crisóstomo, in Ephes. Hom. 3, MG, 52, 29). Em outras palavras, a Igreja é a extensão e a "plenitude" da santa encarnação, ou melhor da vida encarnada do Filho, "com tudo que foi realizado por nós, a cruz, o sepulcro, a ressurreição ao terceiro dia, a ascensão aos céus, o trono à direita do Pai." (Liturgia de São João Crisóstomo, Oração de Consagração).

A Encarnação está sendo completada na Igreja. E, num certo sentido, a Igreja é o próprio Cristo, em sua plenitude toda-englobante (cf. 1 Co 12:12). Essa identificação foi sugerida e sustentada por Santo Agostinho: "Non solum nor Christianos factos esse, sed Christum" [Não fazer-nos só Cristãos, mas Cristo]. Pois, se Ele é a cabeça, nós somos os membros: o homem todo é Ele e nós-totus homo, ille et nos-Christus et Ecclesia." E de novo: "Pois Cristo não está simplesmente na cabeça e não no corpo, mas Cristo está inteiro na cabeça e no corpo" — "non enim Christus in capite et non in corpore, sed Christus totus in capite et in corpore" (São Agostinho em Evangelium Joannis tract, 21, 8, MG 35, 1568; cf. São João Crisóstomo em I Cor. Hom. 30, MG, 61, 279-283). Esse termo, totus Christu (Agostinho em Evangelium Joannis tr. ML, 38, 1622) é recorrente em Santo Agostinho, essa é sua idéia básica e favorita, sugerida obviamente por São Paulo. "Quando eu falo de cristãos no plural, eu entendo um no Cristo Uno. Vós sois portanto muitos, e vós sois no entanto um: nós somos muitos e nós somos um" — "cum plures Christianos appello, in uno Christiano unum intelligo" (São Agostinho em Ps. 127,3, ML, 37, 1679). "Pois nosso Senhor Jesus Cristo está não só em si próprio, mas também está em nós"- "Dominus enim Jesus non solum in se, sed et in nobis" (Santo Agostinio em Ps 90 enarr. 1, 9. ML 35, 1157). Um Homem até o final dos séculos" — "Unus homo usque ad finem saeculi extenditur" (Santo Agostinho em Ps 85, 5, ML, 37, 1083).

O principal resultado de todas essas afirmações é óbvio. Os cristãos são incorporados em Cristo e Cristo habita neles - essa íntima união constitui o mistério da Igreja. A Igreja é como sempre foi, o lugar e o modo da redentora presença do Senhor Ressuscitado no mundo redimido. "O Corpo de Cristo é o Próprio Cristo. A Igreja é Cristo, pois depois de sua Ressurreição Ele está presente conosco e nos encontra aqui na terra." (A. Nygren, Corpus Christi, em En Bok om Kyrkan, av Svenska teologer, Lund, 1943, p. 20). E, neste sentido, pode-se dizer: Cristo é a Igreja. "Ipse enim est Ecclesia, per sacramentum corporis sui in se ... eam continens" (Santo Hilário em Ps 125, 6, ML, 9, 688). [Pois Ele próprio é a Igreja, contendo-a em si próprio através do sacramento de seu Corpo.] Ou nas palavras de Karl Adam:Cristo, o Senhor, é o próprio Ego da Igreja" (Karl Adam, Das Wesen Katholizisimus, 4 Ausgabe, 1927, p. 24).

A Igreja é a unidade da vida carismática. A fonte dessa unidade está escondida no sacramento da Ceia do Senhor e no mistério do Pentecostes. E o Pentecostes continua na Igreja tornado permanente por meio da sucessão apostólica. Não é só meramente, como foi, o estrutura canônica da Igreja. Ministério (ou "hierarquia") em si é antes de mais nada um principio carismático, um "ministério de sacramentos" ou uma "divina economia." Ministério não é só uma comissão canônica, ele não pertence somente à estrutura institucional da Igreja, mas uma característica constitucional ou estrutural indispensável, exatamente porque a Igreja é um corpo, um organismo. Ministros não são, como foram, "oficiais comissionados" da comunidade, não somente líderes ou delegados das "multidões," do "povo" ou da "congregação" - eles não estão agindo somente in persona ecclesiae. Eles estão agindo primariamente in persona Christi. Eles são representantes do próprio Cristo, não dos fiéis, e neles e através deles, a Cabeça do Corpo, o único Sumo Sacerdote da Nova Aliança, está realizando, continuando e cumprindo Seu eterno serviço pastoral e sacerdotal. Ele é em Si o único verdadeiro Ministro da Igreja. Todos os outros não são mais do que dispenseiros dos seus mistérios. Eles se colocam por Ele, diante da comunidade - e justo porque o Corpo é um somente em sua Cabeça, é trazido junto e para a unidade por Ele e Nele, o Ministério na Igreja é primariamente o Ministério da unidade. No Ministério a unidade orgânica do Corpo é não somente representada ou exibida, mas também enraizada, sem nenhum prejuízo para a "igualdade" dos fiéis, assim como a "igualdade" das células de um organismo não é destruída por suas diferenças estruturais: todas as células são iguais como tais, e no entanto diferenciadas por suas funções, e de novo, essa diferenciação serve à unidade, capacita essa unidade orgânica a tornar-se mais compreensiva e mais íntima. A unidade de cada congregação local brota da unidade na refeição Eucarística. E é como celebrante da Eucaristia que o padre é o ministro e o construtor da unidade da Igreja. Mas há outro e mais elevado ofício: assegurar a unidade universal e católica de toda Igreja no espaço e no tempo. Esse é o ofício e função episcopal. De um lado, o Bispo tem autoridade para ordenar, e novamente esse não é só um privilegio jurisdicional, mas precisamente o poder de ação sacramental além daquele possuído pelo padre. Assim, o Bispo como "ordenador" é o construtor da unidade da Igreja numa escala maior. A Ultima Ceia e o Pentecostes estão inseparavelmente ligados um ao outro. O Espírito Consolador desce quando o Filho foi glorificado em Sua morte e Ressurreição. Mas eles ainda são dois sacramentos (ou mistérios) que não podem ser fundidos um no outro. Do mesmo modo o presbiterado e o episcopado diferem um do outro. No episcopado o Pentecostes torna-se universal e contínuo, no indivisível episcopado da Igreja (episcopatus unus de São Cipriano) e a unidade no espaço é assegurada. De outro lado, através de seu bispo, ou melhor, em seu bispo, toda Igreja particular ou local é incluída na plenitude católica da Igreja e é ligada com o passado e com todos os séculos. Em seu bispo toda Igreja se expande e transcende seus próprios limites e é organicamente ligada às outras. A Sucessão Apostólica não é tanto a canônica mas muito mais a mística base da unidade da Igreja. É alguma coisa outra do que a salvaguarda da continuidade histórica ou da coesão administrativa. É sim um último meio de manter a identidade mística do Corpo através do séculos. Mas, por certo, o Ministério nunca é separado do Corpo. Ele está no Corpo, pertence à estrutura deste. E dons ministeriais são dados dentro da Igreja (cf. 1 Cor. 12).

A concepção paulina do Corpo de Cristo foi tomada e muitas vezes comentada pelos padres, tanto no Oriente quanto no Ocidente e, então, completamente esquecida. (Ver E. Mersch, S.J., Le Corps Mystique du Christ, Etudes de Theologie Historique, 2 vols, 2a edição, Louvain, 1936). Está mais do que na hora de agora retornarmos a essa experiência da Igreja primitiva que pode nos prover com uma sólida base para moderna síntese teológica. Algumas outras metáforas similares foram usadas por São Paulo em outras partes do Novo Testamento, mas muitas com o mesmo propósito e efeito: acentuar a íntima e orgânica unidade entre Cristo e aqueles que são d'Ele. Mas, de todas essas várias imagens, a do Corpo é a mais inclusiva e impressionante e a mais enfática expressão da visão básica (a imagem da noiva e de seu místico casamento com Cristo, Ef. 5:23ss. , expressa a íntima união. Mesmo a imagem da casa construída com muitas pedras, a pedra angular sendo Cristo, Ef. 2:20; cf. 1 Pe. 2:6 tende ao mesmo propósito; muitos estão se tornando um e a casa aparece como se fosse construída com uma só pedra; conforme Hermas's Shephard, Vis. 3, 2, 6, 8. E de novo o "Povo de Deus" é para ser olhado como um todo orgânico. Não há qualquer razão para ficarmos incomodados com a variedade de vocábulos usados. A idéia principal é, obviamente, a mesma em todos os casos). Por certo, nenhuma analogia deve ser forçada excessivamente ou super-enfatizada. A idéia de um organismo, quando usada pela Igreja, tem suas próprias limitações. De um lado a Igreja é composta de pessoas humanas, que nunca podem ser encaradas meramente como elementos ou células do todo, porque cada um está em união direta e imediata com Cristo e com seu Pai. O pessoal não é para ser sacrificado ou dissolvido no corporativo, a "junção" cristã não deve degenerar em impersonalidades. A idéia de um organismo deve ser suplementada pela idéia de uma sinfonia de personalidades, na qual o mistério da Santíssima Trindade é refletido (cf Jo. 17:21 e 23), e isso é o âmago da concepção de "catolicidade" (sobornost, Cf. George Florovsky, "The Catholicity of the Church," acima). Esta é a razão principal pela qual nós deveriamos preferir uma orientação cristológica na teologia da Igreja ao invés de uma orientação pneumatológica (tal como a de Khomiakov ou na obra de Moehler, Die Einheit in der Kirche). Por outro lado, a Igreja, como, um todo, tem seu centro pessoal somente em Cristo, ela não é a encarnação do Espírito Santo, nem meramente uma comunidade do Espírito, mas precisamente o Corpo de Cristo, o Senhor encarnado. Isso salva-nos do impersonalismo sem comprometer-nos com qualquer personificação humanística. Cristo, o Senhor, é a única Cabeça e o único Mestre da Igreja. "Nele todo o edifício bem a justado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós, sois juntamente edificados para morada de Deus em Espírito (Ef. 2:21-22).

A Cristologia da Igreja não nos conduz a um enevoado de vãs especulações ou misticismo sonhador. Ao contrário, ela assegura o único solo positivo e sólido para pesquisa teológica adequada. A doutrina da Igreja encontra ai seu lugar próprio e orgânico no esquema geral da divina economia da salvação. Pois nós ainda temos que procurar por uma visão compreensiva do mistério da nossa salvação, da salvação do mundo.

Uma última distinção precisa ser feita. A Igreja ainda está em statu viae e, no entanto, já está in statu patriae. Ela tem, como teve, uma dupla vida, "tanto no céu quanto na terra" (cf Santo Agostinho em Evang, Jaonnis tract, 124, 5, ML, 35, 19f, 7). A Igreja é uma sociedade histórica visível e o Corpo de Cristo. É tanto a Igreja dos redimidos como dos miseráveis pecadores. No nível histórico a meta final ainda não foi atingida. Mas a decisiva realidade foi aberta e revelada. Essa realidade decisiva está ainda à mão, é verdadeiramente disponível, apesar da imperfeição histórica e de estar em formas provisórias. Pois a Igreja é uma sociedade sacramental. Sacramental significa nada menos do que "escatológica' e escaton não significa primariamente final, na série temporal de eventos; seu significado é mais decisivo; e o decisivo está sendo realizado dentro da tensão dos acontecimentos e eventos históricos. O que é "não deste mundo" está aqui "neste mundo," não abolindo este mundo, mas dando-lhe novo valor, "trans-valorizando" o mundo como ele era. Seguramente isso é ainda somente uma antecipação, um "indício" da consumação final. No entanto o Espírito habita na Igreja. Isso constitui o mistério da Igreja: uma "sociedade" visível de homens frágeis é um organismo da Graça Divina (ver de Khomiakov o ensaio On the Church; tradução inglesa por W. J. Birkbeck, Russia and the English Church, primeira publicação 1895, cap. 23, pgs 193-222).

FONTE:

Folheto Missionário nP95. Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant

Ecclesia

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF