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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

EVANGELIZAR: MISSÃO PERMANENTE DA IGREJA

O Evangelho de Deus

Já paramos para pensar em quanto as más notícias correm rápido e quantas vezes nós, os cristãos, colaboramos para a sua difusão? Nesse nosso mundo onde parece que somente há espaço para as más notícias, nós somos chamados a anunciar boas notícias, boas novas, a alegria do Evangelho e os sinais do amor e da misericórdia de Jesus Cristo. E era essa a inquietação que levava São Paulo a afirmar: “Ai de mim, se eu não evangelizar”. (1 Cor 9, 16). Evangelizar, anunciar o Evangelho com renovado ardor e entusiasmo é, em suma, o que Deus espera de nós, pois “evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar”. (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, nº 14).

Nesses dias de pandemia, de dificuldades e de noites escuras, Deus nos desafia a evangelizar, com sabedoria, utilizando os meios que temos ao nosso alcance. Nesse contexto, mais do que nunca, a internet se tornou o bom terreno onde os cristãos podem lançar a semente do Evangelho com o intuito de ver florescer uma nova seara, uma floração de santidade. Nesses nossos dias, não podemos nos esquecer de que “o empenho em anunciar o Evangelho aos homens do nosso tempo, animados pela esperança, mas ao mesmo tempo torturados muitas vezes pelo medo e pela angústia, é, sem dúvida alguma, um serviço prestado à comunidade dos cristãos, bem como a toda a humanidade”. (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, nº 1).

Esses tempos difíceis nos desafiam a crescer na fé com a consciência de que Deus conta conosco para alcançar os corações das pessoas que estão afastadas d’Ele e da Santa Igreja e, por isso, quando abraçamos o serviço missionário, nós professamos a convicção de que evangelizar o mundo não é uma utopia, mas, sim, uma grande tarefa que se nos impõe, pois a nossa vida já não se apresenta apenas como um dom, pois tornou-se empenho. Desse modo, a nossa atitude não se reduz a esperar tudo pronto do Papa, dos Bispos e dos sacerdotes. Também nós temos que fazer um esforço, um grande esforço, a fim de que possamos participar da obra de evangelização da Igreja sem medo e com muita esperança.

No início dessa pandemia, nós refletimos: Como vou realizar o serviço missionário com segurança e coragem? Naqueles momentos, ouvimos a voz do Espírito Santo, sussurrando em nossos ouvidos: “Você não está sozinho, Deus, a Virgem Santa Maria e a Igreja estão ao seu lado”. Os meses foram se passando rapidamente e o tempo foi exigindo de nós iniciativas e empreitadas de serviço catequético e missionário. Hoje, nesse início do mês de outubro, é muito bom poder olhar para trás e perceber que as limitações advindas da pandemia não diminuíram o nosso ardor missionário, pois em nossas almas continuou viva  a certeza de que inúmeras pessoas que estão afastadas de Deus dependem de nossos esforços missionários para que, de alguma forma, sejam alcançadas pela mensagem de salvação que Cristo nos oferece em Sua infinita caridade.

Evangelizar é a missão permanente da Igreja, é um serviço que não possui pausas ou descansos, pois ainda existe um grande contingente de pessoas que desconhecem o verdadeiro e único Deus, e, por isso, Cristo também nos envia: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura”. (Mc 16,15). Ide, denunciai os erros provenientes do hedonismo, do consumismo e do materialismo. Ide, anunciai com vossa vida, o plano de amor de Deus acerca da família e do matrimônio.  Ide, superai os falsos deuses e as ilusões niilistas. Ide e ensinai que a salvação é a vitória do bem sobre o mal, realizada no ser humano, em todas as dimensões da vida. Ide e anunciai que a própria superação do pecado e do mal já tem um caráter salvífico.

“Duc in Altum!”. Lançai as redes em águas mais profundas – é o desafio missionário que o Cristo nos faz no cotidiano da fé. Alicerçados no Espírito Santo, nós devemos seguir em frente, mesmo em meio aos riscos de uma pandemia, pois o novo coronavírus pode matar o corpo, mas o pecado e a ausência de Deus causam um dano muito maior ao ser humano matando a alma, a possibilidade de salvação, negando um destino eterno e feliz.

Não obstante as sombras da morte que estão bem próximas de nós, sigamos em frente, pois há um imenso campo onde podemos realizar um fecundo apostolado. Em nossas famílias, no ambiente de trabalho, ou entre os amigos, existem inúmeras pessoas sedentas em ouvir falar de Deus. Nesses lugares é missão nossa comunicar, transmitir o Cristo inteiro com Suas exigências e compromissos. Por conseguinte, com criatividade e inovação, nós devemos criar oportunidades para “proclamar a Palavra, insistir oportuna e inoportunamente, repreender, admoestar, exortar com toda a paciência e pedagogia.” (2Tm 4,2).

Insisto: há muitos que desconhecem o Bom Pastor e são ovelhas desgarradas do rebanho e ainda não foram alvos de um trabalho apostólico, e assim, como o eunuco etíope, nos questiona: “Como vou entender, se ninguém me explica?” (At 8,31). Deve ressoar fundo em nossos corações o brado daqueles que desconhecem o Amor de Deus. “E como crerão, se não ouviram falar d’Ele? Como ouvirão, se ninguém lhes anuncia?” (Rm 10, 14-15).

Esse clamor deve ressoar em nossos corações como ressoou no coração de São Francisco Xavier, que durante dez anos se empenhou na evangelização da Índia e do Japão e morreu em 1.552, quando estava a caminho da China, onde iniciaria um novo trabalho missionário. Ressoou também no coração de Santa Teresa de Lisieux, que sem nunca sair de seu convento, soube converter suas dores e sofrimentos em orações, sacrifícios e renúncias em prol do trabalho missionário. O terceiro milênio da era cristã, este ano de 2020 e os anos vindouros precisam, necessitam com extrema urgência de novos Franciscos Xavier e de novas Teresas de Lisieux. Precisam, enfim, de pessoas disponíveis, de novos discípulos missionários de Jesus que queiram realizar a sublime missão de salvação de almas.

Hoje, existem novos desafios, novos areópagos e novas realidades, mas existe em uma proporção infinitamente maior o auxílio de Deus Espírito Santo que nos cumula de graças e bênçãos. “Não temais” (Mt28,5) e ide, pois o mundo precisa de sua fidelidade e do seu testemunho.

O filósofo Dostoievski nos diz que “o segredo da existência humana consiste em não apenas em viver, mas também em encontrar um motivo para viver”. E faz parte do trabalho missionário demonstrar o Caminho, a Verdade e a Vida, transmitir a alegria de conviver com Deus, testemunhar o entusiasmo em participar dos sacramentos e da Igreja de Cristo, demonstrando assim, “as razões da nossa fé.” (1Pd 3,15).

Na obra missionária da Igreja há espaço para todos. Crianças, jovens, adultos e idosos; todos são bem vindos e, por isso, devemos ocupar, com gratidão e entusiasmo, o nosso lugar no projeto de Deus em prol da obra missionária, a fim de que possamos cumprir o grato dever de anunciar o amor e a misericórdia de Cristo.

A melhor maneira de agradecermos a Deus a presença de uma pessoa em nossas vidas que nos falou d’Ele e nos cativou para a fé é darmos continuidade a esse serviço de evangelização, buscando sempre os meios necessários para lançarmos a boa semente da santidade nos corações dos nossos coetâneos.

Senhor, podeis contar conosco; somos fracos e limitados, mas confiamos na ação do Espírito Santo. Senhor, sabemos que o mundo precisa de Vós, do Vosso sorriso, do Vosso acolhimento e do Vosso amor. Senhor, eis-nos aqui, enviai-nos, pois queremos lançar as nossas redes em águas mais profundas, queremos ser o sal da terra e a luz do mundo e queremos contemplar, ao Vosso lado, os milagres e os frutos da pesca, alegrando-nos Convosco, o primeiro e o maior dos evangelizadores. Senhor, enviai-nos, pois queremos ser Vossos discípulos missionários, portadores de Boas Notícias, comunicadores da verdade e do bem, construtores de um novo mundo, testemunhas credíveis da santidade, da graça divina e da paz.

Aloísio Parreiras

(Escritor e membro do Movimento de Emaús)

Arquidiocese de Brasília

Por que o Papa Francisco é um forte candidato ao Prêmio Nobel da Paz

Antoine Mekary | ALETEIA
por I. Media

O pontífice nunca buscou receber esse reconhecimento. Porém, as ações do seu pontificado naturalmente o tornam um forte candidato.

Todos os anos O Papa Francisco é cotado para o Prêmio Nobel da Paz. Isso porque, desde sua eleição em 2013, o pontífice argentino tem feito muitos gestos pela paz e justiça no mundo.

Fratelli Tutti, sua última encíclica, por exemplo, representa um vibrante apelo à fraternidade humana e à amizade social. E pode, certamente, servir para o avanço de sua causa.

O Prêmio Nobel da Paz 2020

Criado em 1901, o Prêmio Nobel da Paz de 2020 será concedido em 9 de outubro “àquele que fez um bom trabalho pela fraternidade entre as nações e pela disseminação da paz”, resume o fundador, Alfred Nobel.

A ação incansável de Francisco para acabar com os conflitos no mundo, abolir a escravidão, a pena de morte e o uso de armas nucleares poderiam tornar o pontífice um candidato legítimo ao prêmio deste ano. Fora isso, ainda podemos citar como exemplos que vão ao encontro do objetivo do Nobel o trabalho do Santo Padre junto aos imigrantes e seus gestos de amizade com os líderes muçulmanos.

Outras iniciativas pela paz

Uma das primeiras iniciativas históricas do Papa Francisco foi, sem dúvida, a organização do encontro inter-religioso de oração. O evento colocou lado a lado os presidentes israelense e palestino nos jardins do Vaticano em 8 de junho de 2014. Alguns meses antes, porém, ele já havia convidado os cristãos a rezar pela paz no Oriente Médio. Na opinião de alguns bispos orientais, essa iniciativa impediu uma intervenção militar na Síria naquela época.

Outro grande exemplo: o Papa Francisco e a diplomacia do Vaticano também trabalharam para resolver ou aliviar uma série de crises. Entre as ações está o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos em dezembro de 2014.

De fato, em alguns casos o bispo de Roma não hesitou em se envolver pessoalmente nas questões. Foi o que aconteceu, por exemplo, em abril de 2019, quando  Francisco beijou os pés do presidente sul-sudanês Salva Kiir, um católico, e de seu oponente Riek Machar, um presbiteriano. O gesto, sem dúvida, exortou os líderes a encontrar o caminho da paz.

Contra o uso de armas nucleares

Outro argumento a favor do Sucessor de São Pedro são suas repetidas condenações ao uso de armas nucleares. Por ocasião de sua viagem ao Japão em novembro de 2019, o Papa declarou o uso dessas armas “imoral”. Em setembro de 2020, em uma mensagem de vídeo enviada à Assembleia Geral da ONU, ele afirmou que era necessário desmontar “a lógica perversa que vincula a segurança pessoal e nacional à posse de armas”.

Já Na Fratelli Tutti, seu pensamento fica perfeitamente claro. Diz Francisco: “o objetivo final da eliminação total das armas nucleares torna-se um desafio e um imperativo moral e humanitário”.

Respeito aos imigrantes

O Papa Francisco também se destacou por defender e acolher aos migrantes. Em julho de 2013, algumas semanas após sua eleição, ele fez sua primeira viagem fora de Roma para a pequena ilha de Lampedusa no sul da Itália, onde denunciou a “globalização da indiferença”. Desde então, o Vigário de Cristo não parou de renovar os seus apelos para que o mundo respeite a dignidade dos refugiados.

De forma parecida, em setembro de 2015, em meio à crise migratória, ele pediu que “cada paróquia,  comunidade religiosa,  mosteiro, ou santuário na Europa acolhesse uma família” de refugiados.

Na verdade, sua encíclica mais recente traz um novo desafio. Falando diretamente à Europa, Francisco declarou que o continente meios para assegurar assistência aos imigrantes e aceitá-los.

Denúncia da escravidão moderna

Outra campanha do Sumo Pontífice, por exemplo, é a luta contra a escravidão e o tráfico de pessoas. Em 2014, o Papa Francisco assinou uma declaração dizendo o tráfico de pessoas, o trabalho forçado, o comércio de órgãos e a prostituição são crimes contra a humanidade.

Depois disso, na Fratelli Tutti, o Pontífice se pergunta por que demorou “tanto tempo para a Igreja condenar inequivocamente a escravidão e as várias formas de violência”

Não à pena de morte

Para Francisco, a pena de morte é “inadmissível, porque fere a inviolabilidade e a dignidade da pessoa”. Em relação a este assunto, o pontífice argentino também lembrou que hoje todos os Estados podem encontrar outros meios eficazes para colocar um criminoso fora de ação.

Paz entre as religiões

O Papa Francisco também é conhecido por sua ação a favor da paz entre as religiões. Para ele, a violência não tem fundamento na religião e a vocação de todos os fiéis é “culto a Deus e amor ao próximo”. É o que ele enfatiza na Fratelli Tutti.

Em fevereiro de 2019, durante sua viagem a Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), o chefe da Igreja Católica assinou – junto com Ahmad Al-Tayyeb, o grande Imam de Al-Azhar – um histórico “Documento sobre a Fraternidade Humana pela paz mundial”. Foi, portanto, um gesto poderoso em uma década marcada pelo terrorismo islâmico.

O Papa Francisco não busca prêmios

Enfim, as causas lideradas pelo Papa Francisco e sua equipe diplomática do Vaticano naturalmente o tornam um potencial candidato ao Prêmio Nobel.

No entanto, a decisão de conceder este prêmio ao chefe da Igreja Católica não deixaria de ser criticada. Sobre este assunto, o Papa varreu a questão de lado em julho de 2014, dizendo que receber esse reconhecimento algum dia não fazia parte de sua agenda. “Sem menosprezar, nunca quis receber doutorado ou prêmio”, explicou na época.

Aleteia

MARIOLOGIA: MYSTERIUM LUNAE - A lua radiante (Parte 4/4)

A Imaculada Conceição, Jusepe de Ribera,
Museu de Arte de Columbia, Columbia
(Carolina do Sul, EUA)

A Igreja é comparada à lua porque brilha não com sua própria luz, mas com a de Cristo. Fulget Ecclesia non sua sed Christi lumine , escreve Santo Ambrósio.

por Lorenzo Cappelletti

Mas a regeneração batismal é apenas o começo: a meta do mistério da Igreja é a ressurreição do corpo. Em outras palavras, o mistério da Igreja visível e terrestre é de ordem escatológica. Sua realidade terrena só pode ser verdadeiramente percebida olhando para seu objetivo final. "O permanere cum sole final para Agostinho é a essência da esperança cristã" ( Simboli , p. 269).
Bem, também por esta verdade os Padres se basearam nas imagens oferecidas pela lua. Eles primeiro se opõem às crenças e superstições grosseiras que foram tecidas em torno da lua, mas ao mesmo tempo eles se aproveitam delas para comunicar a esperança de realização.
Na verdade, Selene na cosmologia antiga era a estrela que marcava a fronteira entre as regiões da terra e as do céu. Tudo acima dele era considerado sagrado e imutável, mas tudo abaixo dele parecia dominado pelo destino, marcado pela corrupção e mutabilidade, tanto que os pagãos temiam que em eclipses a própria lua pudesse ser apanhados em uma escuridão definitiva. E contamos com amuletos e magos para encontrar alguma segurança, para nos libertarmos dos demônios e do destino.
O anúncio cristão é que no batismo já começamos a viver como "acima da lua" e não apenas com a alma. A providência de Cristo toma o lugar do destino sublunar. “O vidente de Patmos já havia ensinado a considerar a Igreja como a grande mulher que está na lua, acima de toda a mutabilidade, a corruptibilidade terrena, a lei do destino, acima do reino do espírito deste mundo” (Símbolos , p. 278). E isto precisamente porque a mulher, que é ao mesmo tempo Maria e a Igreja, "está vestida com o sol, o sol da justiça que é Cristo", escreve Agostinho no Comentário sobre o Salmo 142, 3 (ver. Mitos, p. 184). “A Igreja está isenta de todo poder demoníaco na medida em que participa no mistério da imutabilidade de Cristo. “Encantadores onde o cântico de Cristo é cantado todos os dias não surtem efeito” (Ambrósio, Exameron 4, 8, 33). De fato, como o próprio Ambrósio diz com uma expressão um tanto ousada, a Igreja, a Selene espiritual, “tem seu Senhor Jesus como seu encantador” ”( Simboli , p. 281). A Igreja subsiste e resiste apenas por causa da "atração de Jesus", dir-se-ia com palavras ambrosianas mais recentes.
Mas em segundo lugar - e assim voltamos às palavras do Arcebispo Montini com as quais abrimos o artigo - "a extinção e renovação da lua é" também para os homens simples uma figura clara da Igreja, na qual se acredita na ressurreição de morto ". A mudança contínua da lua representa muito bem a natureza mortal de nosso corpo "( Simboli , p. 284). O cumprimento não pertence à terra, também nós, juntamente com toda a criação, aguardamos a redenção definitiva do nosso corpo. «A Igreja pôde assim dirigir o olhar dos seus fiéis para o reino bendito do mundo além, onde apenas brilha o fogo etéreo de Cristo» ( Simboli , p. 285).
Como você pode ver, muitas sugestões vêm demysterium lunae , para compreender qual é a natureza própria da Igreja e, portanto, a ação que lhe convém. A Igreja não pode pretender ser o objetivo último do olhar dos homens. Na verdade, a luz que a Igreja irradia não é dela e a água que a Igreja continua a dispensar vem de cima. A imagem do sol nunca pode ser atribuída à Igreja e sua autoridade, embora em alguns momentos de sua história tenha ocorrido essa perigosa mudança (ver o recente volume de 2005 de Glauco Maria Cantarella, Il sole e la luna. revolução do Papa Gregório VII ).
No Angelus do dia 4 de outubro de 2009, Bento XVI, referindo-se à segunda Assembleia sinodal para a África que acaba de ser inaugurada, disse com a sua habitual simplicidade inequívoca: “Esta não é uma conferência de estudos, nem uma assembleia programática. Ouvimos relatos e intervenções em sala de aula, discutimos em grupos, mas todos sabemos bem que os protagonistas não somos nós: é o Senhor, o seu Espírito Santo, que guia a Igreja ».

Revista 30Dias

A forma do batismo: somente por imersão? (Parte 6/12) – Respondendo a três objeções

Veritatis Splendor

RESPONDENDO A TRÊS OBJEÇÕES

Objeção 1: Quando perguntamos aos nossos amigos imersionistas onde Jesus manda batizar por imersão, eles citam Mateus 28,19. Mas Jesus mandou fazê-lo apenas por essa forma?

Declaração “geral” da Grande Comissão: se “baptizo” é uma palavra que denota uma forma determinada, então somente essa forma determinada, por si só, pode satisfazer o mandamento “Ide portanto e fazei discípulos em todas as nações, batizando-os…”. Por outro lado, se este é um termo que possui sentido mais geral do que determinado, então a questão da forma não afeta a substância do mandamento de maneira nenhuma; deixa-se, portanto, às pessoas afetadas a escolha de qual forma é correta, tendo como base outras considerações das Escrituras.

A Grande Comissão é a única passagem onde Jesus manda administrar o batismo. Nela se encontram 4 verbos, um dos quais é “batizando”. Pois bem: se esta é uma palavra específica, mais do que uma palavra de sentido geral, então o significado exato é fácil de se compreender; contudo, ao lermos o texto e o contexto, percerbemos que o sentido desta [palavra] é geral e não particular.

Com efeito, realmente a palavra “batizando” expressa a ideia geral, digamos, de limpeza interior e de união com Deus, como é significada pelo uso ritual da água; a forma só tem importância geral. Isto permaneceria sendo certo se não houvesse outras instruções relativas a uma forma específica. O ponto é, simplesmente, de que se a ideia geral encontra-se fielmente representada pela imersão, infusão ou asperesão, dever-se-á decidir sobre outras bases diferentes das do significado literal da palavra “baptizo”. E já que a História da Igreja primitiva apresenta as três formas acima, resta sugerido que o significado essencial não é exclusivo de nenhum sistema em particular.

Fazendo um exame, verificamos que os quatro verbos empregados na Grande Comissão são gerais e não particulares:

  • “Ide”: não mostra como alguém deve ir (pode ser caminhando, navegando, cavalgando etc.).
  • “Fazei discípulos”: não especifica como (pode ser pela pregação, por instrução pública ou particular, ou o que seja).
  • “Ensinando”: não diz se deve ser por palavra oral ou escrita.

E agora, o verbo que mais nos interessa:

  • “Batizando”: é igualmente genérico, pois não indica se deve ser por imersão, infusão ou aspersão. Então, chegamos à única conclusão, por esta também única instrução de Nosso Senhor, que o seu mandamento não se refere a uma forma em especial.

Objeção 2: Romanos 6,2-4 não fala sobre a forma de batismo?

Não, irmãos. Como dissemos no início e como já vimos, a Bíblia não dá uma ordem de que forma devemos batizar, e a Carta aos Romanos de nenhuma maneira específica traz a forma que devemos fazê-lo. O que São Paulo diz aqui é de como, pelo batismo, participamos da morte e ressurreição de Cristo; de como morremos para o pecado e nascemos em Cristo. Disso trata todo o capítulo e a palavra “água” nem sequer é mencionada neste capítulo.

Vejamos:

  • “Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele? Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. (…) Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; (…) Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos certamente mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6,2-4.8.10-11).

Como podemos ver, São Paulo explica mediante uma fina análise do significado místico do batismo. São versículos de uma riqueza teológica extraordinária, que nos levam até a própria raiz da nossa vida sobrenatural através de nossa inserção em Cristo. Ao falar do batismo em Cristo Jesus, São Paulo está apontando para o Sacramento, aquele que Jesus Cristo instituiu como porta de ingresso na Igreja e, assim, para uma nova vida (cf. Mateus 28,19; João 3,5).

A ideia fundamental que São Paulo desenvolve aqui é a de que o homem, uma vez obtida a justificação, rompeu totalmente com o pecado.

O capítulo 6 começa com uma pergunta e segue respondende a essa pergunta em específico. Não se deve enfatizar muito a pergunta, que nada tem a ver com o batismo! A pergunta se refere ao âmago da santificação: perseveraremos no pecado para que a graça cresça?

Em resposta, Paulo diz que o fiel está em união com o Cristo vivo, totalmente identificado com Ele em sua morte e ressurreição. Visto que o todo inclui todas as suas partes, tão completa identificação com Cristo necessariamente inclui a identificação com a sua morte para o pecado e sua ressurreição vitoriosa para a vida. Estas são duas partes essenciais da total identificação. Logicamente então um fiel que está totalmente identificado com Cristo não deve permanecer no pecado, violando esta união e podendo perder essa identificação.

Recordemos que os primeiro oito capítulos de Romanos são um discurso teológico e não diz absolutamente nada sobre assuntos práticos, como a administração da Igreja, os Sacramentos e sua administração ou outras formas particulares de culto. Romanos se limita às realidades espirituais, das quais os Sacramentos não são senão sinais e selos visíveis. O batismo espiritual encontra-se primordialmente à vista no capítulo 6, não o batismo com água.

O mesmo se dá na Carta aos Colossenses: tampouco se refere à forma de como devemos batizar; aqui fala de como somos ressuscitados pela fé na ação de Deus pelo batismo. Porém, igualmente, não menciona a palavra “água”, assim como também não fala da forma do batismo na água, mas do nosso nascimento em Cristo:

  • “No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, pela circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos” (Colossenses 2,11-12).

Tanto Romanos 6,2-4 quanto Colossenses 2,11-12 falam do simbolismo da palavra “batismo”, de morrer em Cristo e nascer em Cristo, participando da sua morte e ressurreição.

Provavelmente o batismo por imersão seja bastante rico pelo simbolismo que carrega, mas igualmente o batismo por infusão, pois como vimos anteriormente, Cristo sofreu “derramando” o seu sangue em sacrifício por nós e Ele mesmo diz que isso é um batismo (cf. Marcos 10,38; v.tb. Lucas 12,50).

Sobre o simbolismo da palavra “batismo”, o Catecismo da Igreja Católica explica:

  • “1214. Ele é denominado Batismo com base no rito central pelo qual é realizado: batizar (“baptizem”, em grego) significa ‘mergulhar’, ‘imergir’; o ‘mergulho’ na água simboliza o sepultamento do catecúmeno na morte de Cristo, da qual com Ele ressuscita (cf. Romanos 6,3-4; Colossenses 2,12) como ‘nova criatura’ (cf. 2Coríntios 5,17; Gálatas 6,15)”.
  • “1220. Se a água de fonte simboliza a vida, a água do mar é um símbolo da morte, razão pela qual o mar podia prefigurar o mistério da cruz. Por este simbolismo, o Batismo significa a comunhão com a morte de Cristo”.

Desse modo, por esse simbolismo o batismo significa a comunhão com a morte de Cristo e a água é somente um símbolo, pois o que realmente nos limpa é o Espírito Santo.

Passemos para a próxima objeção…

Objeção 3: Muita água?

Os amigos imersionistas usam o texto de João 3,23 para afirmar que a forma de batismo tem que sera apenas por imersão, porque o texto fala de “muitas águas”:

  • “Ora, João batizava também em Enom, junto a Salim, porque havia ali muitas águas; e vinham ali, e eram batizados” (João 3,23).

A palavra Enom procede, provavelmente, do aramaico, significando “mananciais” ou “fontes”. [Algumas versões traduzem a expressão] “muitas águas” como “muita água”, mas está literalmente no plural [e deve assim ser] interpretada. De fato, esta é a tradução que se dá para a mesma expressão em Apocalipse 1,15 e 19,6. Não há [grande] volume de água em Enom e nunca houve, mas, tal como implica o nome, havia e há [vários] mananciais próximos de Salim, a poucos quilometros ao sudoeste de Betânia.

Pois bem: nossos amigos imersionistas interpretam que, como havia “muita água” ali, [os batismos se davam] por imersão. Devemos então imaginar que se houvesse “pouca água”, se dariam por infusão [ou aspersão]?

Na verdade, nossos amigos imersionistas se esquecem que João também batizava em lugares onde havia “pouca água”:

  • “Apareceu João batizando no deserto e pregando o batismo de arrependimento, para remissão dos pecados” (Marcos 1,4).

No deserto! Onde a água é bem escassa! Deste modo, poderíamos dizer que aí o batismo somente poderia ser administrado por infusão ou aspersão, já que não havia água suficiente para fazê-lo por imersão (ademais, como vimos anteriormente, João era judeu, filho do sacerdote Zacarias, e possuía essa herança milenar de lavar por aspersão).

Vemos a mesma coisa no caso em que Felipe batizou o eunuco, pois o fez num lugar onde havia pouca água, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza, que é um deserto:

  • “E o anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: ‘Levanta-te, e vai para o lado do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza, que é deserto'” (Atos 8,26).

Mas resta curioso que a passagem (Atos 8,36-39) de Felipe e o eunuco seja empregada pelos nossos amigos imersionistas para demonstrar o batismo por imersão…

Veritatis Splendor

O Papa e a missão: "Sem Jesus, nada podemos fazer"

Livro "Sem Jesus, nada podemos fazer"  (Vatican Media)

No mês missionário, republicamos alguns trechos do livro-entrevista com o Papa Francisco realizada por Gianni Valente, da Agência Fides. O Papa lembra-nos que "a Igreja ou é um anúncio ou não é Igreja". O livro foi publicado pela LEV e São Paulo.

Gianni Valente

“A alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com Jesus”. Assim inicia a Exortação Apostólica Evangelii gaudium, publicada pelo Papa em novembro de 2013, oito meses depois do Conclave que o elegera Bispo de Roma e Sucessor de Pedro. O programático texto do pontificado convidava todos a re-sintonizar cada ato, reflexão e iniciativa eclesial “sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual”. Quase seis anos depois, o Pontífice anunciou o Mês Missionário Extraordinário, para outubro de 2019, e a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos dedicada à Região Amazônica, com o objetivo de sugerir novos caminhos de anúncio do Evangelho no "pulmão verde", martirizado pelo sofrimento predatório que violenta e causa ferimentos “aos nossos irmãos e à nossa irmã terra” (Homilia do Santo Padre na missa de conclusão do Sínodo para a Região Pan-Amazônica).

Durante este tempo, o Papa Francisco no seu magistério, disseminou insistentes referências à natureza própria da missão da Igreja no mundo. Por exemplo, o Pontífice repetiu várias vezes que anunciar o Evangelho não é “proselitismo”, que a Igreja cresce “por atração” e por “testemunhos”. Uma série de expressões, todas elas orientadas a sugerir por menções qual é o dinamismo para cada obra apostólica, e qual pode ser a sua fonte.

Sobre isso e muitas outras coisas, o Papa Francisco fala no seu livro-entrevista intitulado “Sem Ele não podemos fazer nada. Uma conversa sobre o ser missionário no mundo de hoje”. A Agência Fides antecipou então alguns trechos do livro.

O senhor contou que quando era jovem queria ser missionário no Japão. Pode-se dizer que o Papa é um missionário não completo?

Não sei. Entrei na ordem dos jesuítas porque me impressionava a vocação missionária da mesma, e o fato de sempre procurarem novas fronteiras. Na época não pude ir ao Japão. Mas sempre senti que anunciar Jesus e o seu Evangelho quer dizer sair e coloca-se a caminho.

O senhor repete sempre: “Igreja em saída”. A expressão é relançada com frequência e às vezes parece ter se tornado um slogan abusado, a disposição dos que, cada vez mais numerosos, passam o tempo a dar lições à Igreja sobre como deveria ser ou não ser.

“Igreja em saída” não é uma expressão de moda que eu inventei. É um mandamento de Jesus, que no Evangelho de Marcos pede aos seus discípulos para irem pelo mundo inteiro e anunciarem o Evangelho “a toda criatura”. A Igreja ou é em saída ou não é Igreja. Ou é em anúncio ou não é Igreja. Se a Igreja não sai se corrompe, perde sua natureza . Torna-se outra coisa.

Uma Igreja que não anuncia e que não sai, o que se torna?

Torna-se uma associação espiritual. Uma multinacional para lançar iniciativas e mensagens de conteúdo ético-religioso. Nada de mal, mas não é a Igreja. Este é um risco de qualquer organização estática dentro da Igreja. Termina-se por domesticar Cristo. Não se da mais testemunho da ação de Cristo, mas fala-se de uma certa ideia de Cristo. Uma ideia possuída e adomesticada por você mesmo. Você organiza as coisas, torna-se um pequeno empresário da vida eclesial, onde tudo acontece segundo o programa pré-estabelecido, isto, é, seguindo apenas as instruções. Mas o encontro com Cristo não se repete mais. Não se repete o encontro que tinha tocado seu coração no início.

A missão é por si antídoto a tudo isso? É suficiente a vontade e o esforço de “sair” em missão para evitar essas distorções?

A missão, a “Igreja em saída” não são um programa, uma intenção para a ser realizada por boa vontade. É Cristo que faz a Igreja sair de si mesma. Na missão de anunciar o Evangelho, você see move porque o Espírito Santo empurra você, e o leva. E quando você chega, da-se conta de que Ele chegou antes e está esperando você. O Espírito do Senhor chegou antes. Ele previne, também para preparar o seu caminho e já está em ação.

Em um encontro com as Pontifícias Obras Missionárias, o senhor sugeriu-lhes ler os Atos dos Apóstolos, como texto habitual de oração. A narração dos primeiros tempos, e não um manual de estratégia missionária moderna. Por quê?

O protagonista dos Atos dos Apóstolos não são os apóstolos. O protagonista é o Espírito Santo. Os Apóstolos são os primeiros que o reconhecem e o confirmam. Quando comunicam aos irmãos de Antioquia as indicações estabelecidas pelo Concílio de Jerusalém, escrevem: “Decidimos, o Espírito Santo e nós”. Eles reconheciam com realismo o fato de que era o Senhor que adicionava todos os dias à comunidade “os que estavam salvos”, e não os esforços de persuasão dos homens.

E agora é como naquela época? Não mudou nada?

A experiência dos Apóstolos é como um paradigma que vale para sempre. Basta pensar como os fatos nos Atos dos Apóstolos acontecem gratuitamente, sem artifícios. É um caso, uma história de homens na qual os discípulos chegam sempre depois do Espírito Santo que age por primeiro. Ele prepara e trabalha os corações. Abala seus planos. É ele que os acompanha, os guias, os consola dentro de todas as circunstâncias que devem viver. Quando chegam os problemas e as perseguições, o Espírito Santo trabalha ali também, de maneira ainda mais surpreendente, com o seu conforto, o seu consolo. Como acontece depois do primeiro martírio, o de Santo Estêvão.

O que ocorre?

Inicia um tempo de perseguição, e muitos discípulos fogem de Jerusalém, vão para a Judeia e Samaria. E ali, enquanto estão espalhados e fugitivos, começam a anunciar o Evangelho, mesmo se estão sozinhos e sem os Apóstolos, que ficaram em Jerusalém. São batizados, e o Espírito Santo lhes dá a coragem apostólica. Ali se vê pela primeira vez que o batismo é suficiente para se tornar anunciadores do Evangelho. A missão é o que aconteceu ali. A missão é obra Sua. É inútil se agitar. Não precisamos nos organizar, não precisamos gritar. Não servem descobertas ou estratégias. Precisa apenas pedir que se faça novamente em nós a experiência para que possamos dizer: “decidimos, o Espírito Santo e nós”.

E se não houver esta experiência, qual é o sentido das chamadas à mobilização missionária?

Sem o Espírito, a missão torna-se outra coisa. Torna-se, diria, um projeto de conquista, pretensão de uma conquista feita por nós. Uma conquista religiosa, ou talvez ideológica, talvez feita com boas intenções. Mas é uma outra coisa.

Citando Bento XVI, o senhor repete com frequência que a Igreja cresce por atração. O quer dizer isso? Quem atrai? Quem é atraído?

São palavras de Jesus no Evangelho de João. “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim”. E no mesmo Evangelho, diz ainda “Ninguém vem a mim, se não for atraído pelo Pai que me mandou”. A Igreja sempre reconheceu que esta é a forma de todo o lema que aproxima a Jesus e ao Evangelho. Não uma convicção, um raciocínio, uma tomada de consciência. Não uma pressão, ou uma constrição. Trata-se sempre de uma atração. O profeta Jeremias já dizia: “Tu me seduziste e eu me deixei seduzir”. E isso também vale para os apóstolos, para os missionários e pela sua obra.

Como ocorre o que o senhor descreveu acima?

O mandato do Senhor de sair e anunciar o Evangelho, vem de dentro, por paixão, por atração amorosa. Não se segue Jesus e muito menos se torna anunciadores d’Ele e do seu Evangelho por uma decisão prática, por uma militância autoinduzida. O próprio impulso missionário só pode ser fecundo se acontece dentro desta atração e que se transmite aos outros.

Qual é o significado destas palavras com relação à missão e ao anúncio do Evangelho?

Quer dizer que se é Cristo que atrai você, se você se move e faz as coisas é porque é atraído por Cristo, as pessoas então irão se dar conta disso sem esforço. Não há necessidade de demonstrá-lo, e muito menos ostentá-lo. Ao contrário, quem pensa em ser protagonista ou empresário da missão, com todos os seus bons propósitos e as suas declarações de intenção muitas vezes termina por não atrair ninguém.

Na sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium, o senhor reconhece que tudo isso pode “causar-nos uma certa vertigem”. Como aqueles que mergulham em um mar onde não sabem o que encontrarão. O que o senhor queria sugerir com esta imagem? Essas palavras referem-se também à missão?

A missão não é um projeto empresarial bem organizado. Nem mesmo um espetáculo organizado para saber quantas pessoas participam graças às nossas propagandas. O Espírito Santo age como quer, quando e onde quiser. E isso pode causar uma certa vertigem. Mesmo assim o cume da liberdade repousa justamente neste deixar-se levar pelo Espírito, renunciado a calcular e controlar tudo. E justamente nisso imitamos o próprio Cristo, que no mistério da sua Ressurreição aprendeu a repousar na ternura dos braços do Pai. A misteriosa fecundidade da missão não consiste nas nossas intenções, nos nossos métodos, nos nossos lançamentos e iniciativas, mas repousa justamente nessa vertigem: a vertigem que se adverte diante das palavras de Jesus, quando diz “sem mim nada podeis fazer”.

O senhor repete muitas vezes também que a Igreja cresce “por testemunho”. Qual é a sugestão para esta insistência?

O fato que a atração se faz testemunho em nós. A testemunha comprova o que a obra de Cristo e do seu Espírito realizaram na sua vida. Depois da Ressurreição, é o próprio Cristo que nos torna visível aos apóstolos. É ele a sua testemunha. Também o testemunho não é um desempenho próprio, só se pode ser testemunha das obras do Senhor.

Outra coisa que o senhor repete com frequência, neste caso em chave negativa: a Igreja não cresce por proselitismo e a missão da Igreja não é fazer proselitismo. Por que tanta insistência? É para manter as boas relações com as outras Igrejas e o diálogo com as tradições religiosas?

O problema do proselitismo não é apenas o fato que contradiz o caminho ecumênico e o diálogo inter-religioso. Há proselitismo em todos os lugares, há a ideia de fazer com que a Igreja cresça deixando de lado a atração de Cristo e da obra do Espírito, apostando tudo nos chamados “discursos sábios”. Portanto, como primeira coisa, o proselitismo tira o próprio Cristo e o Espírito Santo da missão, mesmo quando pretende agir em nome de Cristo, de maneira nominalista. O proselitismo é sempre violento pela sua natureza, mesmo quando é dissimulado ou feito “com luvas de pelica”. Não suporta a liberdade e a gratuidade com a qual a fé pode se transmitir, pela graça, de pessoa a pessoa. Por isso o proselitismo não é apenas o do passado, dos tempos do antigo colonialismo, ou das conversões forçadas ou compradas com a promessa de vantagens materiais. Hoje também pode haver proselitismo, nas paróquias, nas comunidades, nos movimentos, nas congregações religiosas.

Então, o que quer dizer anunciar o Evangelho?

O anúncio do Evangelho que dizer entregar com palavras sóbrias e claras o próprio testemunho de Cristo como fizeram os apóstolos. Mas não é necessário discursos persuasivos. O anúncio do Evangelho pode ser também sussurrado, mas passa sempre pela força arrebatadora do escândalo da cruz. E desde sempre segue o caminho indicado na Carta de São Pedro Apóstolo, que consiste no simples “dar razão” aos outros da própria esperança. Uma esperança que permanece escândalo e tolice aos olhos do mundo.

Do que se trata o “missionar” cristão?

Uma característica distintiva é a de ser facilitadores e não controladores da fé. Facilitar, tornar fácil, não pôr obstáculos ao desejo de Jesus de abraçar todos, de curar todos, de salvar todos. Não fazer seleções, não criar “triagens pastorais”. Não fazer parte dos que se colocam à porta para controlar se todos têm requisitos para entrar. Recordo os párocos e as comunidades que em Buenos Aires tinham colocado em campo várias iniciativas para facilitar o acesso ao batismo. Deram-se conta que nos últimos anos estava aumentando o número dos que não eram batizados por vários motivos, mesmo sociológicos, e queriam recordar a todos que ser batizados é uma coisa simples, que todos podem pedir para si e para seus próprios filhos. O caminho que os párocos e aquelas comunidades tomaram era um só: não complicar, não pretender nada, eliminar todas as dificuldades de caráter cultural, psicológico ou prático que poderia levar as pessoas a adiar ou perder a intenção de batizar seus próprios filhos.

Na América, no início da evangelização, os missionários discutiam sobre quem seria “digno” de receber o batismo. Como se concluíram aquelas discussões?

Papa Paulo III recusou as teorias dos que sustentavam que os índios eram por natureza “incapazes” de acolher o Evangelho e confirmou a escolha dos que facilitavam o seu batismo. Parecem coisas passadas, mas ainda hoje há círculos e setores que se apresentam como “ilustrados”, iluminados, e sequestram também o anúncio do Evangelho nas suas lógicas distorcidas que dividem o mundo entre “civilização” e “barbárie”. A ideia que o Senhor tenha entre seus preferidos muitas “cabecitas negras” os irrita, deixa-os de mau humor. Eles consideram boa parte da família humana como se fosse uma entidade de classe inferior, inadequada a alcançar, segundo seus padrões, níveis decentes de vida espiritual e intelectual. Nesta base pode-se desenvolver um desprezo pelos povos considerados de segundo nível. Esse tema surgiu também por ocasião do Sínodo dos Bispos para a Amazônia.

Hoje existe a tendência de colocar em alternativa dialética o anúncio claro da fé e as obras sociais. Dizem que não precisa reduzir a missão para sustentar as obras sociais. É uma preocupação legítima?

Tudo o que está dentro do horizonte das Bem-Aventuranças e das obras de misericórdia estão de acordo com a missão, já é anúncio, já é missão. A Igreja não é uma ONG, a Igreja é uma outra coisa. Mas a Igreja é também um hospital de campo, onde se acolhe todos, assim como são, cuidando das feridas de todos. E isso faz parte da sua missão. Tudo depende do amor que move o coração dos que atuam. Se um missionário ajuda a escavar um poço em Moçambique, porque se deu conta que é fundamental para os que ele batizou e aos quais prega o Evangelho, como se pode dizer que a obra é separada do anúncio?

Atualmente, quais são as novas atenções e sensibilidades a serem exercidas nos processos destinados a tornar fecundo o anúncio do Evangelho, nos vários contextos sociais e culturais?

O cristianismo não dispõe de um único modelo cultural. Como reconheceu João Paulo II, “permanecendo plenamente si mesmo, na total fidelidade ao anúncio evangélico e à tradição eclesial, o cristianismo carregará também o rosto das várias culturas e dos vários povos nos quais foi acolhido e enraizado”. O Espírito Santo embeleza a Igreja, com as expressões novas das pessoas e das comunidades que abraçam o Evangelho. Assim a Igreja, assumindo os valores das várias culturas, torna-se “sponsa ornata monilibus suis”, “a esposa que se enfeita com suas jóias”, da qual fala o profeta Isaías. É verdade que algumas culturas foram estreitamente ligadas à pregação do Evangelho e ao desenvolvimento de um pensamento cristão. Mas nos nossos dias, torna-se ainda mais urgente considerar que a mensagem revelada não se identifica com nenhuma cultura. E no encontro com novas culturas ou com culturas que não acolheram a pregação cristã, não se deve tentar impor uma determinada forma cultural junto com a proposta evangélica. Hoje, também na obra missionária convém mais do que nunca, não carregar bagagem pesada.

Missão e martírio. O senhor recordou várias vezes o íntimo vínculo que une estas duas experiências.

Na vida cristã a experiência do martírio e a proclamação do Evangelho a todos têm a mesma origem, a mesma fonte, quando o amor de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo doa força, coragem e consolação. O martírio é a máxima expressão do reconhecimento e do testemunho feito a Cristo, que representam o cumprimento da missão, da obra apostólica. Penso sempre nos irmãos coptas trucidados na Líbia, que pronunciavam em voz baixa o nome de Jesus enquanto eram degolados. Penso nas Irmãs de Santa Madre Teresa mortas no Iêmen, enquanto cuidavam dos pacientes muçulmanos de uma casa de idosos com deficiências. Quando foram mortas, estavam com o avental de trabalho sobre o hábito religioso. São todos vencedores, não “vítimas”. E seu martírio, até o derramamento de sangue, ilumina o martírio que todos podem sofrer na vida todos os dias, com o testemunho dado a Cristo todos os dias. Isso pode-se ver quando se vai visitar os asilos de missionários idosos, muitas vezes debilitados pela vida que levaram. Um missionário me disse que muitos deles perdem a memória e não recordam mais nada do bem que fizeram. “Mas não tem importância”, me disse “porque disso o Senhor se recorda muito bem”.  

Vatican News

S. PELÁGIA, VIRGEM E MÁRTIR DA ANTIOQUIA

Vatican Media

Pelágia era uma bailarina belíssima, escandalosa, muito divertida, festiva e pagã. Costumava encantar e seduzir os homens com sua dança, alegria, roupas, jóias e outros ornamentos luxuosos. Tornou-se uma das figuras mais conhecidas da vida mundana e social de Antioquia e adquiriu grande riqueza.

De acordo com a estória, durante uma procissão, o Bispo Nono percebeu a presença de Pelágia entre o povo, numa atitude desinteressada e debochada. Iluminado por Deus o sábio bispo disse a multidão que se uma simples mulher era capaz de enfeitar-se tanto para os homens, quanto mais deveríamos nós enfeitarmos nosso interior para o encontro com Deus. Aquela observação tocou o coração da bailarina pagã.

Ela foi para casa refletindo sobre as palavras do sermão e ali chorou de arrependimento a noite toda. No dia seguinte procurou o Bispo, que a enviou à uma senhora cristã, para ser preparada para o Batismo. Trocou as roupas e adereços de seda e ouro por uma túnica branca para ser batizada. Depois disso retirou-se para Jerusalém, viver como eremita, numa gruta, no Monte das Oliveiras.

Viveu afastada de todos e conservou sua identidade sob segredo, vivendo o resto da vida disfarçada de homem. Somente quando morreu, os ermitãos descobriram que era uma mulher. Foi então que reconheceram tratar-se da bailariana da Antioquia, agora uma simples penitente arrependida, que se anulara do mundo, no seguimento do Cristo
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Colaboração: Padre Evaldo César de Souza, CSsR

Reflexão
Figuras cristãs como Santa Pelágia, recordam profeticamente a Igreja da verdadeira ordem dos valores obscurecidos frequentemente pelos crescentes compromissos temporais. Ainda hoje necessitamos pedir ao bom Deus que envie pessoas animadas e corajosas para a condução de sua Igreja.
Oração
Deus, nosso Pai, sede nossa luz e nossa direção neste dia. Velai por nossa saúde e por nossa paz interior. Ajudai-nos, pela intercessão de Santa Pelágia, a sermos mais nós mesmos e assim encontraremos a alegria e a paz interior. Ajudai-nos a viver intensamente cada momento e nossa vida, sabendo que tudo caminha rumo à unidade perfeita. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

Portal A12

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Dos Sermões de São Bernardo, abade

São Bernando, abade | Canção Nova

(Sermo de Aquaeductu: Opera omnia, Edit. Cisterc. 5[1968],282-283)         (Séc.XII)

 

É preciso meditar sobre os mistérios da salvação

O santo, que nascer de ti, será chamado Filho de Deus (cf. Lc 1,35), fonte de sabedoria, o Verbo do Pai nas alturas! Este Verbo, através de ti, Virgem santa, se fará carne, de modo que aquele que diz: Eu no Pai e o Pai em mim (Jo 10,38), dirá também: Eu saí do Pai e vim (Jo 16,28). 

No princípio, diz João, era o Verbo. Já borbulha a fonte, mas por enquanto apenas em si mesma. Depois, e o Verbo era com Deus (Jo 1,1), habitando na luz inacessível. O Senhor dizia anteriormente: Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição (cf. Jr 29,11). Mas teu pensamento está dentro de ti, ó Deus, e não sabemos o que pensas; pois quem conheceu a mente do Senhor ou quem foi seu conselheiro? (cf. Rm 11,34). 

Desceu, por isto, o pensamento da paz para a obra da paz: O Verbo se fez carne e já habita em nós (Jo 1,14). Habita totalmente pela fé em nossos corações, habita em nossa memória, habita no pensamento e chega a descer até a imaginação. Que poderia antes o homem pensar sobre Deus, a não ser talvez fabricando um ídolo no coração? Era incompreensível e inacessível, invisível e inteiramente impensável; agora, porém, quis ser compreendido, quis ser visto, quis ser pensado. 

De que modo, perguntas? Por certo, reclinado no presépio, deitado ao colo da Virgem, pregando no monte, pernoitando em oração; ou pendente da cruz, pálido na morte, livre entre os mortos e dominando o inferno; ou ainda ressurgindo ao terceiro dia, mostrando aos apóstolos as marcas dos cravos, sinais da vitória, e, por último, diante deles subindo ao mais alto do céu. 

O que não se poderá pensar verdadeira, piedosa e santamente disto tudo? Se penso algo destas realidades, penso em Deus e em tudo ele é o meu Deus. Meditar assim, considero sabedoria, e tenho por prudência renovar a lembrança da suavidade que, em essência tão preciosa, a descendência sacerdotal produziu copiosamente, e que, haurindo do alto, Maria trouxe para nós em profusão.

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF